Durante toda a década de 1990, ocorreu a ascensão dos jogos de luta. Ano após ano, nas mais diferentes plataformas, um produto do gênero era lançado, apresentando o mesmo padrão de combate, ou experimentando de alguma forma, seja no gameplay como em Astra Superstars (Arcade/SAT), ou na apresentação visual, como em Rakugakids (N64).
Pocket Bravery, da iniciante Statera Studio, se enquadra no segundo grupo. Apresentando personagens em formato chibi — com cabeças grandes e corpos pequenos —, o jogo brasileiro traz um sistema de combate fortemente inspirado nos clássicos, mas consegue se destacar de sua própria maneira.
Os cachorros são perigosos
A história principal de Pocket Bravery segue o protagonista Nuno, um português que foi traído por Hector, líder do grupo de guerrilheiros conhecido como Matilha, no qual Nuno fazia parte, e acaba preso. Durante a rebelião consequente da fuga de alguns prisioneiros, Nuno descobre seu Ichor, o poder elemental que reside dentro dele que é despertado durante a complicada situação.
Ao conseguir escapar de sua cela junto com seu mentor, Lobo, Nuno passa a conhecer vários outros personagens, cada um com sua própria origem, história e objetivos, mas todos compartilhando o poder do Ichor em comum. Dentre eles, encontramos Mingmei, uma chinesa nerd, hacker e lutadora de kung-fu com poderes de dragão, que é extremamente otimista e inteligente; Sebastian, um escocês ex-agente da Interpol e lutador de boxe com habilidades de gelo; Ximena, uma cultista da Morte que utiliza chamas púrpuras e invoca o espírito do ceifador, entre outros personagens.
O convidado Sho (de Breakers), assim como outros dois personagens, precisam ser desbloqueados. |
O elenco é bem diverso, abraçando praticamente todos os arquétipos comuns do gênero tanto em gameplay quanto em design. Alguns personagens ganham destaque no modo história, mas todos eles possuem finais canônicos no modo arcade.
O poder dos elementos
A base de Pocket Bravery é, no geral, bastante simples e tradicional, desde o layout de quatro botões — socos e chutes separados por intensidade de fraco e forte —, agarrão universal, defesa, especial com input de direcional e botão, está tudo aqui da forma mais tradicional e confortável possível. Ainda assim, há um modo de controle diferente, o Acessível, onde combos automáticos e golpes especiais são executados com simples pressionar de botões, perfeito para introduzir os novatos à pancadaria.
O sistema central de Pocket Bravery gira em torno de duas barras diferentes. A primeira é a barra de Super, que funciona como o esperado: ela se enche à medida que você ataca o oponente ou sofre dano, é consumida ao executar um super move e pode ser armazenada até duas vezes. A segunda é a barra elemental, que é usada para ataques elementais — semelhante aos ataques EX em jogos de luta modernos — e é dividida em duas partes.
Pocket Bravery conta com um sistema de quebra combo, o Breaker, que pode ser usado na defesa ou enquanto leva golpes, ambos ao custo de poder elemental. |
Para ajudar na extensão dos combos ao custo de uma parte da barra de super, o jogo apresenta o S.Cancel e E.Cancel, que se resumem em cancelamentos de um especial comum num super ou elemental. Não há foco em combos muito extensos, dependendo dos personagens e suas ferramentas para conseguir uma rota que seja proveitosa com os recursos disponíveis.
A mecânica de risco e recompensa se manifesta no Super Elemental, que consome todo o medidor de elemento e só pode ser ativado quando a vida do jogador está baixa. Além disso, ele só pode ser utilizado uma vez por round, causando um grande estrago no oponente e acompanhado por belas sequências animadas.
Acertar o oponente com ataque forte durante seu especial resulta em Critical Counter, abrindo brecha para punições bem agressivas. |
O maior porém no fluxo da jogabilidade está na janela de entrada dos comandos especiais, que é um tanto restritiva. Não é raro querer executar um input de shoryuken, por exemplo, e o movimento não sair ou sair algo diferente do planejado.
Conteúdo para o guerreiro solitário
Pocket Bravery oferece várias opções de conteúdo offline para atender aos jogadores que preferem essa modalidade. O destaque é o modo história, que é surpreendentemente longo para uma produção deste porte, com cerca de 4 a 6 horas de cutscenes repletas de imagens e texto, seguidas por uma narrativa envolvente que consegue dar um toque interessante a clichês do gênero, algumas lutas e introdução gradativa das mecânicas do título, como um tutorial.
Além disso, há outros modos offline esperados, como o arcade com finais para cada personagem, survival, time attack e desafios de combos para cada lutador. No entanto, existem alguns modos especiais que podem ser desbloqueados na loja do jogo. Entre eles, destaca-se o modo "Rodoviária", que transforma Pocket Bravery em um “Street Fighter de rodoviária”, e o "Busca Implacável", que é essencialmente um shoot 'em up infinito.
É nessa loja que se concentra um dos elementos que contribuem para sua longevidade. Com pontos ganhos enquanto você joga, tanto online quanto offline, você pode comprar uma variedade de opções, como cores para os personagens — com paletas que claramente fazem homenagem a personagens de dentro e de fora do mundo dos videogames —, nove cenários diferentes, títulos de perfil e muito mais.
Online em evolução
Quanto ao modo online, que é essencial para os jogadores mais dedicados ao gênero, ele é simples, com opções casuais e ranqueadas, salas e listas de classificação. Dentro das partidas, é utilizado o netcode rollback, que está se tornando cada vez mais popular no mercado para proporcionar conexões de melhor qualidade, e funciona muito bem.
Durante as duas primeiras semanas, o matchmaking era o maior problema na experiência online. Mesmo com a indicação de jogadores ativos em modalidades ranqueadas e casuais, o jogo não conseguia sincronizar os jogadores, além de bugs como travamentos. Contudo, na atualização vigente durante a produção desta análise (v1.11), boa parte dos problemas de sincronização foram resolvidos.
A Statera Studio está comprometida em lançar atualizações frequentes para corrigir os problemas relacionados ao online, assim como os mencionados problemas de controles. Além disso, eles estão atentos ao feedback dos jogadores para solucionar quaisquer outros problemas técnicos que surjam, o que é bastante louvável.
A fluidez e o som dos baixinhos
O maior destaque de Pocket Bravery reside no seu aspecto visual. Atualmente, é raro encontrar jogos que se aventuram a explorar estilos artísticos mais ousados, como era comum nos anos 90, mas utilizando de suas limitações orçamentárias para criar uma identidade visual única e cativante.
Os personagens têm um estilo chibi ou super deformed (SD), o que significa que são bonecos baixos e cabeçudos, fazendo uso de técnicas de animação como esticar os membros durante os ataques, e apresentar expressões faciais bem visíveis durante as lutas. A produção se concentra na fluidez dos quadros de animação de cada personagem, resultando em movimentos suaves e visualmente atraentes.
Os cenários também merecem destaque, seguindo a simplicidade do estilo chibi, mas prestando muita atenção aos detalhes, como easter eggs e elementos do ambiente. Além disso, cada estágio possui uma introdução específica, o que remete um pouco ao estilo visto em produções como Capcom vs. SNK (Multi).
Já as melodias que acompanham a ação são bastante variadas. Cada fase possui seu próprio tema musical, e a diversidade de gêneros é notável, abrangendo desde rock pesado até temas tribais, pop e eletrônica, e até mesmo uma música estilo “abertura de anime” cantada em inglês e português, acompanhada por uma introdução animada de qualidade.
Além disso, o jogo conta com dublagem em português. É extremamente divertido ver um jogo de luta com os personagens pronunciando os nomes dos golpes na nossa língua ou utilizando termos em outros idiomas de forma abrasileirada.
O carinho da peleja
Pocket Bravery não apresenta grandes inovações ao gênero e pode não atingir o mesmo destaque dos grandes nomes da indústria. No entanto, é uma pancadaria carismática com um estilo visual diferenciado, contando com personagens cativantes e uma história muito interessante e bem escrita. Apesar de alguns problemas técnicos que podem atrapalhar, oferece uma experiência mecânica divertida e funcional. Uma grande homenagem aos jogos de luta e mostrando o talento de mais um estúdio do nosso país.
Prós:
- Apresentação visual diferente com bastante atenção aos detalhes;
- Conteúdo single player garante boas horas de jogatina;
- Gameplay simples, mas funcional;
- Suporte ativo do desenvolvedor através de atualizações e resposta ao feedback do público é sempre muito apreciado;
- Dublagem de boa qualidade e feita com carinho;
- Opções de acessibilidade são sempre bem-vindas.
Contras:
- Janela de comandos muito restrita;
- Online pode apresentar alguns bugs, mas as atualizações estão lidando bem com esse fator;
- Alguns problemas técnicos ocasionais, como travamentos;
- Progresso do modo história não é salvo na nuvem.
Pocket Bravery — PC — Nota: 8.0
Revisão: Heloísa D’Assumpção Ballaminut
Análise feita com cópia digital cedida pela PQube