Na era de ouro dos fliperamas, os jogos de luta eram melhorados através de lançamentos em curtos espaços de tempo, seja corrigindo problemas como bugs e desbalanceamento, ou reaproveitando o trabalho feito para arrancar mais uma grana dos jogadores. Era uma era sem internet e tecnologia para fazer upgrades.
Um desses exemplos é Real Bout Fatal Fury, que corrige os problemas apontados pelo público em Fatal Fury 3 e dá um encerramento para a rivalidade entre Terry Bogard e Geese Howard, tornando-se um pontapé para uma nova era da franquia.
King of Fighters com novas regras
Real Bout foi lançado 9 meses após seu antecessor, e a história segue a mesma premissa. Alguns meses após o incidente dos Pergaminhos da Imortalidade — que se revelou ser apenas uma lenda —, Geese decide iniciar outro torneio King of Fighters, convocando todos os envolvidos nos eventos de FF3 e outros lutadores conhecidos que estavam ausentes: Kim Kaphwan, Duck King e Billy Kane, seu guarda-costas. O objetivo é simples: resolver as pendências com Terry Bogard de uma vez por todas.
Com esse elenco de renome, o clima de torneio é renovado em Real Bout. Os cenários se afastam um pouco das fases mais experimentais da prequela e as lutas acontecem em locais com público, seja em um ringue sobre a água ou num metrô, evocando uma atmosfera de briga de rua.
Todos os ambientes são visualmente deslumbrantes e detalhados, cada um com três variações que refletem a passagem do tempo. No entanto, essa abordagem substitui as fases individuais para cada personagem, como em Fatal Fury 3; aqui, há apenas cinco cenários, sendo o último deles destinado à luta final.
A Geese Tower é a única fase que não tem canto, ou seja, é "infinita". |
O detalhe que torna a construção dessas arenas bastante intrigante é a nova mecânica introduzida: o Ring Out, um elemento comum em jogos de luta 3D daquela época raramente visto na vertente 2D. As bordas da área de combate contam com uma barreira que pode ser destruída por meio de golpes diretos ou pela pressão exercida por um lutador encurralado. Uma vez que a barreira cede, o primeiro lutador a sair da área perde instantaneamente o round.
Combos e mudanças
Apesar de reutilizar os personagens e seus sprites, Real Bout trouxe uma mudança bastante drástica ao layout implementado no segundo título da série. Em vez do tradicional conjunto de quatro botões, foi adotado um novo padrão de três botões separados em soco, chute e ataque forte, com variações para cada lutador. A alternância de planos, que permite movimentar-se entre o plano frontal e traseiro que trabalham em torno do plano principal, agora tem um botão dedicado, eliminando a necessidade de qualquer tipo de combinação.
Essa alteração trouxe vantagens para um novo sistema de combos, que é mais sofisticado e mais fácil de ser executado. As sequências podem ser montadas previamente em forma de corrente, envolvendo socos, chutes e ataques fortes, ou então serem criadas manualmente, explorando as habilidades únicas de cada personagem.
Uma adição ao sistema de combate foi a introdução da barra de especial. Essa barra opera com base na vida do lutador, dividida em segmentos de vida amarela e vermelha. Quando a barra de especial é ativada enquanto o lutador está na vida amarela, ela entra no modo S.Power, proporcionando alguns segundos para executar um Desperation Move (DM)
Em situações de HP crítico, o modo P.Power é desbloqueado, permitindo a ativação de um Super Desperation Move (SDM), além de conceder acesso total aos DMs nesse estado. A execução desses super especiais é consideravelmente mais simples do que em Fatal Fury 3, especialmente no que diz respeito aos SDMs, que anteriormente exigiam comandos mais complexos.
O impacto da fúria
Com as novas ferramentas, o ritmo dos combates é bem mais acelerado e resolve boa parte dos problemas do jogo anterior, trazendo uma jogabilidade mais gostosa e responsiva, o mais refinado da franquia até então. Essa sensação mais dinâmica é auxiliada tanto pelas animações bem fluidas dos personagens quanto pelos efeitos de poderes e golpes, hit sparks e até sangue que cai durante os embates, sendo os mais exagerados da série até aquele momento.
Outro detalhe que chama muita atenção na apresentação audiovisual de Real Bout é o aspecto sonoro. As músicas dos personagens que retornaram são reaproveitadas de FF3 — evidenciando as restrições de tempo no desenvolvimento do título —, enquanto os novos personagens contam com faixas excelentes que, como é habitual, soam de maneira fantástica no sintetizador do Neo Geo (e nas versões em CD, com instrumentação de maior qualidade)
N.D.R. (Billy Kane)
Seoul Town (Kim Kaphwan - Arranged)
O que se destaca de forma diferente no aspecto sonoro reside nos efeitos sonoros, que seguiram uma direção mais enfática. Os sons de golpes são altamente impactantes, e os ataques especiais oferecem um retorno sonoro que transmite a sensação de que o golpe teve um impacto real, e esse efeito é ainda mais acentuado quando se trata de DMs ou SDMs.
O combate real em outras plataformas
Real Bout Fatal Fury foi um dos três primeiros jogos da SNK a serem portados para o PlayStation, e acabou sendo o melhor trabalho de port dentre eles. Loadings aceitáveis, cortes de animação que não interferem no gameplay e acesso à trilha sonora rearranjada fazem essa edição ser bem respeitosa em relação ao original. Infelizmente, ficou restrito ao mercado japonês, já que o trabalho de baixa qualidade nas versões de KOF ‘95 e Samurai Shodown III para o console acabou não sendo bem aceito no ocidente.
O Sega Saturn, rei dos games 2D, teve um questionável trabalho de adaptação de Fatal Fury 3, no entanto, obteve uma redenção em RB. Utilizando o cartucho com 1MB de expansão de RAM, os cortes foram mínimos e os loadings são toleráveis. Também ficou apenas no Japão.
Especiais mais espalhafatosos são em menor resolução no PS1. |
O legado dos Lobos Famintos
Real Bout Fatal Fury foi o final da saga iniciada na primeira entrada da franquia, dando um ponto final à batalha entre os Bogard e Geese Howard, que cai de sua torre pela segunda vez. Terry até tenta segurar o mafioso, mas o orgulho do vilão é mais alto e sua vida é encerrada de forma definitiva na franquia.
Mas o que parece apenas um repeteco do final do primeiro game acaba sendo uma semente para o futuro, pois Geese deixou um filho: Rock Howard. Órfão, Rock perdeu a mãe para uma doença na qual o antagonista não quis ajudar no tratamento e Terry, vendo que o destino do garoto poderia ser tão sombrio quanto o do pai, resolveu adotá-lo para pôr um fim a essa linhagem maldita.
Essa história só teria continuidade em 1999, com o lançamento de Garou: Mark of the Wolves. Após Real Bout Fatal Fury, a franquia teve dois dream matches — jogos não canônicos focados principalmente no aprimoramento da jogabilidade — que pegaram a base desse título e a expandiram. Essa trilogia de Real Bout é uma das mais cativantes para se experimentar no gênero, com elencos excelentes, visuais atrativos e um maior dinamismo nos controles, e todos esses elementos já estavam presentes no início dessa nova era.
Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut