Vision Soft Reset foi lançado para PC em 2019 e só chegou aos consoles há pouco tempo, em junho. Eu já conhecia a premissa do jogo que o diferencia em ser mais que “apenas mais um metroidvania”: a manipulação do tempo.
Não se trata apenas de uma mecânica interna que a protagonista usa, mas de um design central do qual brota todo o funcionamento do jogo. Ser diferente é sempre arriscado, mas Vision Soft Reset executou seus objetivos com elegância e me deu uma sensação nova dentro do meu gênero favorito.
A oráculo invencível
A protagonista é Oracle, um nome que descreve bem sua capacidade de ver o futuro antes que ele aconteça. A visão premonitória avança até meia hora e consiste em uma possibilidade, de forma que a vidente pode sempre adaptar suas ações para tentar entrever um desfecho satisfatório.
Isso lembra a própria lógica dos videogames: nós jogamos o desconhecido, aprendemos o que está programado para acontecer, voltamos ao começo (ao perder, rejogar ou experimentar algo diferente) e tentamos mais uma vez, agora munidos do conhecimento do futuro.
E se a protagonista do jogo compartilhasse da “clarividência” da pessoa que joga? E se tal capacidade fosse traduzida em mecânicas de manipulação do tempo? E se, para o bem da concisão, o ciclo temporal fosse fechado em um curto prazo? Vision Soft Reset coloca essas perguntas para funcionar e obtém boas respostas.
Oracle tem a companhia de Wally, o principal contato durante a aventura. Em busca de um recurso misterioso em uma ilha distante, ela descobre que ali há um escudo do núcleo planetário, que está danificado e que explodirá em vinte minutos, destruindo todas as formas de vida. Não há para onde fugir, e apenas ela pode vasculhar a ilha em diferentes linhas temporais para descobrir uma maneira de impedir a catástrofe em tão pouco tempo.
O infinito em vinte minutos
O conceito de tempo é enraizado à gameplay de forma muito elegante e tão natural que vamos percebendo gradualmente como ele é um mecanismo orgânico em Vision Soft Reset. Vejo quatro aplicações diretas.
Primeiro, somos introduzidos às premonições de combate: os movimentos e ataques inimigos são simulados em uma sombra cinzenta exatamente um segundo antes de acontecer, o que deixa Oracle e o jogador sempre um passo à frente nas lutas. Nem por isso os chefões são menos desafiadores, levando a batalhas bem interessantes.
A segunda aplicação é o poder da visão: é um medidor no alto da tela que é consumido para fazer o tempo retroagir alguns segundos, como um filme sendo rebobinado. É uma habilidade limitada, mas faz a diferença em muitos momentos, como poder evitar o dano recebido. Por sua própria utilidade, acho que seria bem-vinda uma opção de dificuldade que nos permitisse abusar um pouco mais dela e diminuir parte da frustração que pode vir da tentativa e erro (voltarei a esse ponto depois).
De forma mais inovadora, a terceira aplicação está nas viagens no tempo. Precisamos de um tópico só para isso.
Uma rede de possibilidades
As visões de futuro de Oracle formam linhas temporais possíveis. Na prática, cada vez que se salva o jogo em um local apropriado, um novo ponto de acesso é criado naquela linha do tempo, ao qual o jogador poderá retornar quando quiser.
É como se Visual Soft Reset se glorificasse no save scumming, um termo pejorativo para o ato de criar cópias de salvamento visando evitar arrependimentos futuros, uma porta de saída para más decisões, game over e para obter recompensas sem o custo necessário, como conseguir os três finais de Bloodborne sem ter que jogar três campanhas e facilitar a obtenção da platina. Sim, isto é uma confissão.
De volta à análise, digamos que o jogador passe por três pontos de salvamento, sendo o do começo, outro após três minutos e o último em seis minutos, mas decide tentar outro caminho. Isso fica gravado em um mapa mental no menu e pode ser usado para retornar ao ponto de três minutos para continuar dali em diante. Aquela linha do tempo não será alterada, mas ramificada. Aos poucos, uma enorme e abrangente rede toma forma.
Creia-me, é mais intuitivo do que parece. Logo você se transportará para determinado checkpoint de acordo com a quantidade de minutos que você quer para realizar sua intenção. Vai até retornar ao começo sem nenhum receio nem sensação de perda de progresso.
Na verdade, o ponto inicial é vantajoso, pois o jogo não tem a intenção de te obrigar a adivinhar um puzzle de vai e vem em momentos precisos. A fórmula dá abertura para começar de novo e nunca deixa o jogador longe de qualquer lugar.
Independente do quanto você regredir, o jogo sempre mantém todo o conhecimento adquirido, como o mapa e os dados que destravam melhorias do seu traje cibernético, o que certamente agiliza as viagens de retorno, popularmente conhecidas como backtrack.
As aquisições físicas, porém, sempre retornam ao nível real de quando se passou por aquele ponto de salvamento. Isso quer dizer que Oracle perde os eventuais aumentos de vida e do medidor de visão, o que adiciona um pequeno fato de risco.
O feitiço do tempo
Superficialmente, pode parecer uma ideia semelhante ao gênero roguelite, mas em Vision Soft Reset não há nada de aleatório ou procedural. Ao contrário, nesse design tudo é minimamente calculado para encaixar no grande relógio que cronometra as ações de Oracle em seus infinitos vinte minutos.
No fim das contas, todo esse emaranhado pode ser explicado como as muitas possibilidades que levam a diferentes linhas temporais previstas por Oracle assim que ela chegou à ilha onde se passa o jogo. Ela “vê” o que vai acontecer e “reseta” seus passos para seguir por outro caminho, como descrito no nome do jogo (“Vision Soft Reset”. Sacou? Sacou?).
Disso vem a quarta influência do tempo: a previsibilidade de eventos fixos. Certas coisas acontecem em momentos específicos, como uma passagem trancada que descobrimos que fica aberta nos dois primeiros minutos. Passar por ali, portanto, requer retornar ao início e seguir diretamente para aquele local a fim de descobrir o que existe do outro lado. Desse gradual entendimento do mundo, cresce a confiança de que 20 minutos (renováveis) são o suficiente para amarrar as pontas soltas.
Corra, mas sem pressa
Há alguns pontos em que Vision Soft Reset poderia ser melhor. Para mim, logo de cara, é o visual pouco atraente. A pixel art é retilínea, os cenários de fundo são imóveis, as áreas carecem de detalhes que lhes deem mais personalidade de lugar e Oracle merecia algumas animações mais fluidas.
No primeiro contato com a campanha, senti estranheza em três aspectos. Um está na imagem que parece levemente tremida ao avançar pelos cenários; talvez seja uma questão de taxa de quadros por segundo, uma vez que logo eu me adaptei e deixei de perceber esse suposto incômodo.
Outro aspecto está no pulo pouco da protagonista: parece sem peso e, ao mesmo tempo, pouco flexível, como se realmente viesse da era 16 bits. Não tem prejuízo real e é até adequado ao design de plataforma, mas requer se acostumar aos pulos. Por fim, o terceiro ponto é o tiro em apenas quatro direções, sem diagonais, o que certamente impacta na precisão das batalhas contra inimigos.
Mesmo que haja uma decisão de design por trás disso (talvez tiros em oito direções deixassem algumas lutas mais fáceis), vejo como uma ausência descabida a essas alturas da evolução de jogos de plataforma 2D cujo ataque principal é o disparo de uma arma.
Para fechar as ressalvas, considerarei uma possibilidade vinda do próprio design de voltar no tempo. Se você pensou que a ideia de regresso leva a algum grau de repetição, acertou. No entanto, a repetição não é completa, sendo servida em porções pequenas ao gosto do viajante do tempo.
Mesmo assim, caso sinta-se sem rumo, como pode acontecer em metroidvanias, perambular por diferentes espaços-tempo baseando-se em tentativa e erro pode levar a uma incômoda frustração de estar andando em círculos sem chegar a um destino.
Por isso, é preciso levar em conta que Vision Soft Reset se revela como um grande puzzle resolvido aos poucos, cujo prêmio é a satisfação do aprendizado e de sentir que domina um local mais pelo entendimento que pela força destrutiva. Logo, precisa ser encarado com o espírito curioso de explorar, experimentar, descobrir caminhos e soluções.
Não se preocupe, este metroidvania único dá as ferramentas para atingir os objetivos, e o mundo conciso leva a travessias ágeis, transformando o jogador em um paradoxal speedrunner sem pressa, dotado de todo o tempo que precisa.
Um metroidvania de identidade própria
Vision Soft Reset usa sua proposta de manipulação do tempo como uma ferramenta refinada para lapidar um design de mundo sucinto e intrincado. O local mapeado é como um enigma que toma forma aos poucos e é revelado pela capacidade de abordá-lo por vários ângulos abertos nas numerosas linhas do tempo que podemos revisitar a qualquer momento. Voltar ao ponto de partida é sempre um passo à frente quando temos todo o tempo necessário para salvar um planeta em menos de vinte minutos.
Prós
- É uma experiência de metroidvania que se afasta do lugar-comum e se destaca pela execução de ideias diferentes;
- O conceito de tempo é usado de forma inovadora que perpassa toda a gameplay e dá protagonismo às mecânicas que o envolvem;
- Design de mundo conciso, eficiente e engenhosamente criado em torno das habilidades aprendidas, fazendo o jogador sentir-se um speedrunner mesmo que não o seja;
- Ótimo desafio em aprender a percorrer aquele mundo em rumos e tempos diferentes para otimizar suas ações;
- As batalhas contra chefes são exigentes e diferentes entre si.
Contras
- Pixel art de pouco apelo visual;
- O movimento de Oracle tem pouco peso, gerando menor sensação de controle durante saltos.
- Ausência de tiro diagonal;
- Ficar perdido pode levar à frustração do backtracking por tentativa e erro.
Vision Soft Reset — PS4/PS5/XBO/XSX/PC/Switch — Nota: 8.5Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Ives Boitano
Análise produzida com cópia adquirida pelo redator