The King of Fighters ‘99 (Arcade) — A beleza experimental da pancadaria

O sexto KOF mexeu até demais no seu sistema de combate, mas foi o ápice audiovisual da franquia na era clássica da SNK.

em 10/07/2023
The King of Fighters havia se provado uma franquia de qualidade durante a segunda metade dos anos 90. O que começou como um jogo de luta crossover entre grandes personagens da SNK se tornou seu próprio monstro, iniciando sua própria história, criando seus próprios personagens e sistemas. Após o incrível final da Saga Orochi em 97, KOF tomou o ano de 98 com uma edição que focava em melhorar seu gameplay e poli-lo o máximo que podia, resultando no que é tido por muitos até hoje como o melhor jogo da franquia.

Para o ano 1999, muitas coisas estavam mudando no mundo. O temido bug do milênio, o lançamento de filmes revolucionários como Matrix e o estudo da genética em ascensão, todos esses temas tendo a ver com tecnologia. O próximo milênio prometia grandes avanços no ramo, e a SNK viu isso como uma ideia para a nova saga de The King of Fighters. Saía de cena a mitologia, a magia e os torneios festivos da Saga Orochi, e entrava uma nova era de clonagem, roupas tecnológicas e problemas financeiros. Assim foi lançado, em setembro de 1999, The King of Fighters ‘99.

Mudando as coisas de lugar

KOF ‘99 era um jogo bastante experimental em suas mecânicas, focando em juntar os sistemas Advanced e Extra, presentes nos dois jogos anteriores. A esquiva — movimento que revolucionou o combate da franquia — funciona de forma bem curiosa. Ao executá-la para a frente, os lutadores não rolavam, mas faziam um movimento de desvio curto e era possível executar um ataque ao final do trajeto. Já executando a esquiva para trás, o esquema era ainda mais peculiar, pois os lutadores deslizavam para trás e, em seguida, davam um salto rápido para a frente, voltando quase para a mesma posição anterior. Dominar essa mecânica era complicado e, muitas vezes, proporcionava uma grande desvantagem para quem o usasse.

O uso dos Desperation Moves (ou DMs, os super especiais) era permitido quando uma de três barras estivesse disponível. Estar com a vida abaixo de 25% dava acesso infinito aos DMs e, caso o jogador tivesse uma barra cheia, podia utilizar os Super Desperation Moves (SDMs), especiais mais poderosos.

Uma das duas mecânicas exclusivas estava na sistema de buff (ou “estourar a barra”, como era conhecido nos fliperamas). Se antes era resumido a aumentar força e dar mais hit stuns no oponente, ficou separada entre Counter Mode e Armor Mode. Ao custo de três barras, a primeira dava mais dano ao lutador, uso ilimitado de super especiais enquanto durasse o modo e a possibilidade de cancelar especial em DMs, enquanto o segundo dava mais dano, mais defesa e super armadura, ou seja, o usuário se tornava imparável se não fosse derrubado por ataques baixos ou múltiplos acertos em sequência, enquanto não era possível utilizar qualquer DM durante o modo. Counter Mode durava 20 segundos, enquanto Armor Mode dura apenas 10 segundos e, ao final do uso, a barra de especial entrava em cooldown.

Me dá uma mãozinha aqui!

A outra mecânica, a principal que esteve presente durante toda a saga NESTS, era o sistema de assistência conhecido como Striker. Os times, antes organizados em três membros, agora são compostos de quartetos, onde o quarto componente é um auxiliar que pode ser chamado durante o combate. O lutador pode atacar o oponente diretamente, curar, encher a barra de especial ou esvaziar a barra do oponente, e cada personagem se comporta dentro dessas possibilidades. 

As assistências durante o combate era algo que se tornava comum no gênero dos jogos de luta, especialmente dentro de Marvel vs. Capcom, mas em KOF ‘99 esse sistema era bastante limitado. A ajuda só podia ser chamada de 3 a 5 vezes durante a partida inteira, apenas em posição neutra na luta (ou seja, parado), e o uso era um tanto inflexível devido à previsibilidade ao acioná-la.

O futuro e um enredo bem esquisito

Os vilões e anfitriões dos torneios dessa nova saga eram da NESTS, uma organização criminosa com foco em clonagem, biotecnologia e robótica. Após a grande batalha contra Orochi em KOF ‘97, a NESTS achou Kyo Kusanagi desacordado. Ciente do grande poder do lutador, a organização realizou experimentos com o DNA dele, tanto para fazer clones idênticos quanto para aplicar seus genes em outros humanos.

Um desses humanos foi K’, que, após receber o DNA de Kyo, pôde manifestar e utilizar fogo pela mão direita, mas sendo obrigado a usar uma luva para segurar o destrutivo poder que as chamas podem acarretar em alguém que não faz parte do clã Kusanagi. Ele trabalha com Maxima, um ciborgue criado pela organização, para achar possíveis ameaças no torneio de 99.

O objetivo da NESTS é coletar a energia dos lutadores para alimentar um exército de clones do Kyo, em busca de dominação mundial. Ela envia convites para os lutadores mais conhecidos dos jogos anteriores e, assim, alguns ficam curiosos por quem está sendo responsável pelo novo torneio, enquanto outros sentem uma possível nova ameaça nos novos responsáveis.

Os lutadores da vez

O elenco de The King of Fighters ‘99 apresentou seis novos personagens, incluindo os já mencionados K’ e Maxima. Além deles, havia Whip, um membro do time Ikari que possuía uma relação misteriosa com a NESTS; Bao, um integrante do time Psycho Soldier e prodígio das artes psíquicas; Jhun Hoon, o rival de Kim Kaphwan que completava o time de mesmo nome; e Krizalid, o chefe final.

Devido à mudança de trios para quartetos, muitos times foram remanejados. Personagens como Takuma Sakazaki e Kasumi Todoh retornaram à franquia — Takuma estava em KOF ‘98, contudo aqui é marcado o retorno em um jogo canônico —, enquanto a lutadora de kung fu Li Xiangfei, de Real Bout Fatal Fury 2, fez sua estreia na franquia.

A parte curiosa do elenco está na presença de dois clones Kyo na seleção, ambos representando o moveset do Kusanagi de KOFs anteriores com algumas alterações. Já o próprio Kyo está no game assim como Iori Yagami, porém nenhum dos dois era para estar jogável ou sequer vivos em The King of Fighters ‘99, pois em edições de teste feitas no Japão eles não estavam presentes, o que causou uma revolta entre os fãs. A SNK teve que colocar os dois ícones às pressas no jogo, aparentemente só dando tempo para fazer um redesign e novos movimentos para Kyo, já que Iori não teve grandes mudanças.

Colírio para os olhos (e ouvidos)

O final dos anos 90 foi um deleite para jogos 2D na parte visual. Jogos como Jojo’s Bizarre Adventure, Street Fighter III, Garou e The Last Blade mostravam o ápice do que a pixel art era capaz naquele momento, e KOF ‘99 é um dos exemplos.
A ambientação de KOF ‘99 foge dos torneios povoados e da sensação de “festival de luta”, e abraça algo mais suburbano ou incomum, já que em todos os cenários a luta ocorre em lugares como becos, pista de avião, museu, etc. São poucas fases perto de KOF ‘97 e ‘98, mas um detalhe acaba fazendo bastante diferença: o fundo mudava em alguns rounds, um detalhe que realça a beleza visual de The King of Fighters ‘99.
O cenário do parque tem três variantes, com tempo fechando gradativamente durante os rounds. Um dos cenários mais lindos dos jogos de luta.
Quanto aos lutadores, teve poucas mudanças em partes gráficas e em design. Como era comum no gênero, os sprites são majoritariamente reaproveitados com alguns retoques e animações adicionais, mas que ainda são bem bonitos até hoje.

W.W.III (Tema do Time Ikari)

Tears (Tema de Kyo Kusanagi)

Dear Falling Angel (Tema de Krizalid)


Outro departamento que o jogo não deixava a desejar era a de música. Até hoje o debate de muitos fãs da franquia é de quem é o detentor do título de melhor trilha sonora da série, e na maioria das vezes é uma briga entre a edição de 1996 e a de 1999. Claro, é questão de gosto, mas não dá pra negar a qualidade absurda das músicas que embalam as batalhas do game, que contam com uma grande variedade de gêneros e ritmos. Da heróica “The Way to Rebirth” à melancólica “Tears”, o time de som da SNK estava bastante inspirado.

176th Street (Tema do Time Fatal Fury)

Legado e ports

KOF ‘99 foi o último jogo da série no PS1 e, considerando as devidas limitações, é o melhor port da franquia no 32-bits, com os cortes de animação não alterando o gameplay do jogo, telas de loading menos demoradas e alguns conteúdos extras como galeria de arte. 

Mas o destaque foi a adaptação para o Dreamcast. Intitulado The King of Fighters ‘99 Evolution, o console da Sega recebeu um tratamento de luxo do jogo com cenários refeitos em 3D, incluindo novas variantes de round e outros completamente inéditos, mais opções de strikers, algumas mudanças leves no sistema de combate e praticamente zero espera em tempos de carregamento. Mais tarde, essa versão foi incluída na coletânea The King of Fighters - NESTS Collection, lançado apenas no Japão, para PS2.
Os especiais possuem efeito de transparência nessa versão Evolution.
Mesmo não sendo o mais lembrado e jogado da série, The King of Fighters ‘99 era algo mais experimental que acabou se tornando único na franquia. Seu sucessor do ano seguinte resolveu todos os problemas e encerrou bem a era da SNK clássica, mas a atmosfera mais opressiva ficou exclusiva a esta edição.


Revisão: Ives Boitano

Estudante de enfermagem de 25 anos, está nesse mundo dos joguinhos desde criança. Fã de games com vibe mais arcade e arqueólogo de velharias, mas não abandona experiências mais atuais. Acompanha a mídia de podcasts, dublagem e ouvinte assíduo de VGM. Pode ser encontrado como @AlecFull e semelhantes por aí.
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