No One Can Stop Mr. Domino! (PS): a surreal experiência de um endless runner com puzzles

Conheça o excêntrico mundo de uma peça de dominó antropomórfica que anda sem parar e apronta altas confusões.

em 15/07/2023
É sempre louvável quando uma equipe de desenvolvimento de jogos resolve fugir de fórmulas prontas, experimentando inovar e trazer diversão. Se hoje em dia jogos indie são reconhecidos normalmente por tentarem seguir este caminho, na década de 1990 a situação era diferente, até pela maior dificuldade em se lançar jogos comercialmente numa era anterior à massificação da Internet.


Mesmo com todos os empecilhos, determinados estúdios da época tentavam fazer diferente e criar experiências novas e divertidas para os jogadores. É o caso da Artdink, empresa responsável tanto pelo desenvolvimento de jogos mais “convencionais”, como os da série A-Train, quanto por jogos em estilo mais experimental, como Aquanaut’s Holiday e Tail of the Sun.

Nesse contexto, a desenvolvedora decidiu criar um jogo que misturasse conceitos do estilo de jogos endless runner com os presentes em jogos do tipo puzzle. Adicione a esta mistura dominós antropomórficos que andam (!) e um senso de humor pra lá de peculiar e está pronto: em 1998, é lançado No One Can Stop Mr. Domino! para o primeiro PlayStation.

Efeito dominó

No One Can Stop Mr. Domino! é um jogo sem enredo definido, mas com alguns objetivos bem interessantes: o jogador controla Mr. Domino (ou Miss Domino) por uma caminhada frenética em diversos cenários, utilizando para isso os direcionais digitais do controle do PlayStation; já com os os outros botões de face principais, pode ir posicionando peças de dominó sequencialmente pelo caminho percorrido.

Como essa caminhada é contínua, em determinado momento o jogador irá completar o percurso, dando uma volta completa pelo cenário. Já posicionadas as peças, assim que Mr. Domino as toca pelo caminho, um “efeito dominó” de queda poderá ocorrer, derrubando-as em sequência.

O objetivo para avançar para a próxima fase é fazer com que as peças de dominó caiam sobre determinados ladrilhos (triggers) sinalizados no chão. Quando esses triggers são ativados, situações únicas podem ocorrer, dependendo do tema do cenário em questão. E bem únicas mesmo!

Por exemplo, no cenário em que Mr. Domino caminha dentro de uma residência, ao se ativar o trigger próximo ao pai da família que mora ali, o homem leva um soco de um aparelho de televisão em seus “países baixos” (!) e cai sobre o cenário, podendo derrubar outras peças e iniciar um novo efeito dominó. Haja criatividade!

No total, o game disponibiliza seis fases ao jogador, que devem ser concluídas sequencialmente: fase do cassino, dentro de uma mercearia, em uma casa, numa praça ao ar livre, entre os brinquedos de um parque de diversões e, por fim, nos ambientes urbanos de uma cidade.

Caminhando por aí

Conforme o personagem principal vai caminhando pelo ambiente, sua energia vai aos poucos se esgotando. Essa energia pode ser restabelecida ao se passar com Mr. Domino por cima de ladrilhos especiais no cenário. Caso ela chegue ao fim, o antropomórfico personagem se transforma em uma peça comum de dominó, gerando um Game Over ao jogador.

Não há um conceito de “vidas” neste game, mas como são concedidos alguns Continues ao jogador no início da jogatina, esses acabam exercendo esse papel.

O jogador pode dar quantas voltas forem necessárias no cenário até completar a missão, ficando atento ao nível energético do personagem, que vai escurecendo aos poucos conforme sua energia vai se esgotando.

Para aumentar o desafio, são posicionados nos cenários itens que podem retardar o progresso do protagonista, além de alguns NPCs que costumam tentar atrapalhá-lo com atitudes bem questionáveis, como por exemplo atirando objetos no caminho de Mr. Domino.

Outro desafio fica por conta de ladrilhos marcados com a letra “R” no cenário, representando a função “Reset”: caso Mr. Domino passe sobre um, todas as alterações realizadas durante aquela fase são desfeitas, incluindo os triggers que foram acionados.

É muito interessante que, neste caso, o jogo apresenta na tela todas as ações se desfazendo como se estivesse voltando no tempo. É a chance, por exemplo, do homem da fase da casa ser “des-socado” pelo aparelho de televisão!

Uma peça leva a outra

Para cada partida nas fases de No One Can Stop Mr. Domino! são computados pontos ao jogador pelas ações que este fez naquela sessão. Acionar triggers, derrubar peças de dominó e correr mais rápido com o personagem na fase (pressionando o direcional digital para cima) são algumas das ações que aumentam essa pontuação. 

Em casos nos quais os triggers forem acionados em sequência, em um literal “efeito dominó”, a pontuação atribuída pode dobrar, triplicar, e assim sucessivamente.

Essa pontuação é importante pois, ao término das fases, ela é inserida em um ranking. Caso o jogador obtenha boa pontuação nas fases, ao término da última, ele pode desbloquear personagens adicionais com características próprias, com mais ou menos velocidade e energia.

Complexo, mas divertido e bem humorado

De fato, até entendermos o processo de posicionamento das peças pelo cenário, as mecânicas de ativação dos triggers e dos efeitos dominó, provavelmente presenciaremos diversos Game Overs nessas primeiras tentativas. Mas após se acostumar com os controles, trata-se de um jogo bem divertido e desafiador na medida certa.

Os fatores desafio e diversão, gerados pela mistura interessante das características de um puzzle com um endless runner foram muito bem elencadas em um comercial impresso para o jogo nos Estados Unidos, intitulado Os cinco estágios do “vício em Mr. Domino”:


Um dos destaque de No One Can Stop Mr. Domino! fica por sua conta das ações especiais ocasionadas pela ativação dos triggers. Como cada fase tem sua temática própria, são várias as situações no mínimo estranhas que podem acontecer, às vezes beirando o nonsense, mas que rendem boas gargalhadas a quem joga pela primeira vez. Afinal, já não basta por si só a premissa de uma peça de dominó sair andando por aí…

Uma caixa de cereal com a pintura do quadro “O Grito” que grita no meio da mercearia, uma mãe que coloca uma bomba (!) para assar em um forno, um asteroide que cai no meio de uma praça pública, até um pombo que voa por cima do personagem e faz… aquilo, tudo pode ser causado ou motivar um efeito dominó.

Don’t stop “do-mi-now”

No One Can Stop Mr. Domino! foi lançado no início do ano no Japão e, após passar por processo de localização, no segundo semestre nos Estados Unidos e Europa. Na época de lançamento do jogo, houve uma campanha de marketing interessante em terras nipônicas, incluindo o lançamento de mochilas, camisetas e outros itens contendo Mr. Domino e os outros personagens do jogo, como forma de divulgação do game.


O jogo em si não obteve muita repercussão comercial nem de mídia ao redor do globo, apesar de ter obtido boas avaliações da imprensa de games da época; porém, seu legado fica nítido ao se observar a influência de diversos aspectos de sua jogabilidade e características de gameplay em sucessos mais recentes do gênero endless runner após o revival do interesse nesse gênero de jogos na década de 2010, com games como Temple Run e Subway Surfers.

São tentativas como a realizada pela Artdink que abrem portas para desenvolvimentos futuros e estabelecimento de novos jeitos de jogar para gêneros já estabelecidos; talvez se o jogo fosse lançado a partir da década de 2010, levando em conta já a ascensão dos dispositivos móveis e a predileção por jogos casuais neste tipo de dispositivo, obtivesse um reconhecimento maior.

Mas, em se tratando de desafios recheados de situações absurdas e diversão na medida certa, com certeza ninguém pode parar essa pecinha ambulante mesmo!

Revisão: Thais Santos

Entendo videogames como sendo uma expressão de arte e lazer e, também, como uma impactante ferramenta de educação. No momento, doutorando em Sistemas da Informação pela EACH-USP, desenvolvendo jogos e sistemas desde 2020. Se quiser bater um papo comigo, nas redes sociais procure por @RodrigoGPontes.
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