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Análise: Atelier Marie Remake: The Alchemist of Salburg (Multi): de volta às raízes

O remake do primeiro jogo da série Atelier traz a jornada de Marie pela primeira vez ao Ocidente.

Embora atualmente a série Atelier tenha até mesmo lançamentos simultâneos no Japão e no Ocidente, a história nem sempre foi assim. Até Atelier Iris trazer um protagonista masculino e tirar o foco da alquimia temporariamente em prol de uma proposta de JRPG mais tradicional, nenhum dos títulos da série vinha para o Ocidente.

Foi o caso dos cinco primeiros jogos da série, que infelizmente foram lançados apenas no Japão. Nesse sentido, Atelier Marie Remake: The Alchemist of Salburg é um marco importante por trazer ao Ocidente uma nova edição do embrião que deu origem à franquia com uma proposta de visual chibi e um esforço para melhorar a qualidade de vida da obra.

Uma chance de ouro para a pior aluna

Atelier Marie conta a história da jovem Marlone (cujo apelido é Marie), uma garota simples que se mudou para a grande cidade de Salburg para estudar em uma grande academia que é referência nos estudos de alquimia. Porém, infelizmente, as coisas não acontecem de forma ideal e a garota se torna uma aluna infame como a pior que o colégio já teve e os seus sonhos de graduação estão por um triz.

Eis que a professora Ingrid decide dar à garota um teste especial: gerenciar um ateliê durante cinco anos e depois mostrar a ela o fruto do seu trabalho árduo. Cabe ao jogador então botar a mão na massa, colocando a jovem para coletar materiais, estudar livros de referência e criar itens variados para concluir missões que as pessoas deixam na taverna ou diretamente em sua casa no caso de amigos próximos.

Como usual da série, temos uma narrativa mais cotidiana, focada no ir e vir da jovem aprendiz e das pessoas comuns que vivem em Salburg. Porém, ao contrário dos jogos mais recentes, o que temos aqui é uma estrutura mais próxima de um simulador do que de um RPG japonês tradicional, com boa parte dos eventos de história sendo opcionais.

Cara a cara com o caldeirão

Idealmente, o jogador deve melhorar suas habilidades de síntese, ou seja, de criar itens usando matéria-prima. Para isso, é fundamental ter receitas, que são geralmente obtidas quando o jogador lê certos livros, seja comprando-os na loja da escola ou lendo-os na biblioteca. Fazer novas receitas, obter novos ingredientes e descobrir rumores conversando com as pessoas são algumas formas de obter conhecimento, um atributo que influencia essa liberação de novos livros de receitas.

O sistema de criação de itens é mais simples do que o de jogos mais recentes, não incluindo elementos para diferenciar a qualidade individual dos produtos. Nesse formato básico, cabe ao jogador gerenciar o tempo e a quantidade de materiais gastos em um esquema de múltiplos de decimais. Dessa forma, o jogador pode fazer apenas a quantidade necessária para um determinado objetivo ou fazer um pouco mais para ter uma eficiência maior.

Além das ações da própria Marie, podemos contratar fadas que podem coletar materiais e fabricar itens em paralelo. As suas rotinas são customizáveis e o seu ritmo de trabalho bem variável, geralmente demorando mais do que Marie na realização das tarefas, embora haja também aqueles que fazem o serviço de forma igualmente eficiente. Todo mês é necessário pagar pelos serviços desses auxiliares, com valores que variam de acordo com a qualidade da fada.

Outra curiosidade é que o jogo inclui um sistema de utensílios. Inicialmente, Marie tem uma tendência maior a falhar na criação de itens, mas comprando esses itens na loja da academia, é possível reduzir consideravelmente a dificuldade e garantir a síntese. Outro fator que pode afetar a chance de produção é a fadiga, que aumenta conforme o jogador fica muito tempo sem deixar Marie descansar, mas o jogo tende a ser bem gentil.

Uma rotina de missões

Além da síntese de itens, o jogador também precisa acumular dinheiro e explorar o mundo exterior em busca de experiência e materiais. De modo geral, enquanto o prazo de cinco anos não expira, o jogador deve completar missões secundárias totalmente opcionais para poder manter um ritmo sustentável. A professora Ingrid envia algumas missões ocasionalmente para incentivar o jogador a explorar os vários sistemas, mas o mais comum é visitar o bar em busca de pedidos da população por itens e há também alguns momentos em que parceiros de equipe podem visitar o ateliê pedindo itens específicos.

Algumas dessas quests podem ser resolvidas viajando para uma determinada região e realizando coleta enquanto outras exigem o processo de síntese por se tratar de itens impossíveis de obter de outra forma. Tendo acesso a apenas uma cidade e duas lojas fixas, o esforço para conseguir os itens é necessário.

Felizmente, a descrição das missões é bem clara e é fácil conferir onde conseguir itens específicos através de menus relacionados acessíveis com um botão só. Outra comodidade herdada de lançamentos mais recentes é o sistema de desafios do sistema que pede que o jogador faça coisas como “viajar X vezes para um determinado lugar” ou “completar tal porcentagem da lista de itens”. Ao cumprir essas tarefas, que servem como um bom direcionamento para o formato “sandbox”, o jogador pode ficar mais forte em algum atributo como recompensa.

O jogo também lista com clareza as condições de eventos de história para que o jogador possa se programar para fazer aqueles que interessam mais ou tentar concluir todos. Como alguns detalhes são mais obscuros, esse sistema é uma ajuda muito importante. Infelizmente, porém, Atelier Marie Remake mantém o exato formato original em que certos encerramentos têm prioridade quando o jogador atinge os requisitos de vários deles. Ou seja, não é possível selecionar o final desejado, uma característica que havia sido introduzida à série em Atelier Ayesha justamente para evitar que o jogador ficasse impossibilitado de ver um final alternativo que ele também desbloqueou.

Ainda no quesito detalhes de implementação de qualidade de vida, Marie Remake inclui uma opção “Modo Ilimitado” que elimina o deadline de cinco anos, retirando com isso alguns eventos dependentes da mecânica em prol de uma experiência mais confortável para novatos. Pessoalmente, aconselho o uso do formato normal pois o desafio de equilibrar a sua rotina é um dos pontos mais interessantes do jogo, mas é uma opção útil para quem quiser jogá-lo de forma casual.

Batalhas rudimentares

Dentro do ateliê temos o ponto de save do jogo e fora dele começa um esquema de tempo, que ainda é o mesmo até no formato Ilimitado. Só de sair de casa e voltar imediatamente, Marie perderá um dia da sua vida. Além da produção de itens e de retornar ao ateliê, a ida a áreas fora de Salburg e a coleta de recursos são formas de consumir tempo.

Porém, simplesmente andar por aí, interagir com personagens, ativar eventos e até mesmo a mudança de telas dentro de uma mesma área não levam a penalidade nenhuma. Ou seja, dá para ficar à vontade para navegar por todas as áreas de Salburg antes de partir em uma jornada para coletar itens na floresta local.

A saída implica em custos de ida e de volta que variam de acordo com a distância. Uma vez dentro do mapa, o jogador terá a chance de coletar materiais em pontos específicos, tentar fazer uma busca genérica (que tenta extrair mais recursos na base da sorte) e enfrentar inimigos visíveis que podem ser evitados contanto que o jogador não encoste neles.

Caso o jogador encoste no inimigo ou o atinja com o seu bastão, o combate é iniciado. As batalhas seguem o esquema de turnos, sendo necessário que o jogador controle seus aliados em uma ordem determinada pela sua agilidade. As opções de ação são ataque básico, defesa, poder especial que consome magia e itens. Dessas opções, apenas a última possui grande variedade, o que é razoável tendo em vista que o título é focado na criação desses produtos, mas é uma pena que os personagens não contam com mais maleabilidade em acesso a magias e outros poderes.

Vale destacar que toda batalha termina em um período de coleta, gastando um dia do calendário, então pode ser interessante evitar o confronto em algumas situações. Afinal, o tempo é algo para cuidar bastante e isso se reflete também no sistema de estações, que faz com que alguns itens só possam ser encontrados em meses específicos. Há até uma flor bem especial que só surge durante o eclipse solar anual, limitando consideravelmente o acesso do jogador a ela.

Apesar desses detalhes, assim como foi o caso das habilidades em combate, o jogo é relativamente escasso em termos de conteúdo. A principal dificuldade seria tentar fazer tudo em uma única tentativa, especialmente levando em conta as travas para os múltiplos finais. Porém, encontrar todas as receitas, coletar todos os itens e batalhar contra todos os monstros são coisas bem tranquilas de realizar. O título inclusive só tem quatro chefões (todos opcionais), o que é um número baixo para o usual do gênero.

Repensando um estilo gráfico fofo

Enquanto o Atelier Marie original era um jogo 2D em estilo isométrico, o seu remake segue um formato 3D chibi, ou seja, os personagens têm um cabeção e um corpo pequeno de tal forma que eles ficam desproporcionais e reforçam a fofura dos personagens. Embora nem sempre esse estilo seja bem aplicado em outros jogos, aqui vemos um trabalho bem polido, fazendo os modelos de forma bem expressiva e agradável.

Durante as cenas de diálogo, há geralmente o uso de ilustrações 2D feitas com base nos concepts do ilustrador Benitama. Em comparação com o 3D e até mesmo com boa parte dos visuais de animações japonesas, aqui temos proporções mais realistas em desenhos detalhados que reimaginam as artes de Kohime Ohse presentes no jogo original, que tinha um traço mais arredondado e fofinho em comparação. Essas novas ilustrações 2D ainda são animadas de forma a ganhar vida própria.

Chama a atenção também a trilha sonora que inclui tanto novos arranjos quanto as músicas originais. Em busca de evocar um espírito de época com uma sensação medievalesca, há músicas baseadas em Bach e Johann Pachelbel. As outras composições tendem a ser mais simples e focadas majoritariamente em batidas alegres que ajudam a manter a atmosfera leve e agradável, o que veio a ser um dos principais atrativos da série.

Por fim, gostaria de destacar também que o jogo inclui alguns minigames. Ao coletar alguns itens raros ou fazer uma receita específica, o jogador pode ter que procurar o queijo escondido pelo rato, bater em punis (os slimes de Atelier) com martelos, etc. São elementos interessantes para quebrar a repetição da experiência um pouco.

Um RPG simples, mas com o coração no lugar certo

Atelier Marie Remake: The Alchemist of Salburg traz de volta um título que em essência é uma proposta bem simples, especialmente quando o comparamos com o que temos no mercado atualmente. Mesmo nesse contexto e com o apoio de vários ajustes para melhorar a qualidade de vida da experiência e modernizá-lo graficamente, temos um RPG encantador em mãos e torço que mais títulos da franquia antes disponíveis apenas no Japão possam receber um tratamento similar.

Prós

  • O gerenciamento de materiais, dias e fadas exige bom planejamento do jogador em relação a sua rotina de tarefas;
  • Missões e requisitos para eventos são listados claramente nos menus, ajudando o jogador a ter direcionamentos em potencial;
  • Opção sem deadline ajuda novatos a aproveitarem o jogo de forma mais confortável;
  • Ilustrações 2D muito bonitas, detalhadas e bem animadas;
  • Visual 3D chibi bem polido;
  • Trilha sonora que brinca com músicas clássicas e batidas alegres;
  • Minigames ajudam a quebrar a mesmice.

Contras

  • O conteúdo que pode ser visto no jogo é relativamente escasso, sendo fácil fazer tudo exceto pelos múltiplos finais em uma única jogada;
  • Esse problema também se aplica à diversidade limitada de habilidades e ações em batalha;
  • Impossibilidade de escolher entre os múltiplos finais cujas condições foram satisfeitas.
Atelier Marie Remake: The Alchemist of Salburg — PC/PS4/PS5/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC

Revisão: Heloísa D’Assumpção Ballaminut
Análise produzida com cópia digital cedida pela Koei Tecmo


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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