Os ports Neo Geo para os 16 bits (Parte 1): Fatal Fury e Art of Fighting

Dos grandes gabinetes aos pequenos consoles de mesa, o início de duas grandes franquias da SNK marcou os consoles de quarta geração.

em 19/06/2023
O Neo Geo era uma plataforma muito poderosa para sua época. Lançado pela SNK em 1990, inicialmente como uma placa de fliperama chamada Multi Video System (MVS), o hardware permitia o uso de cartuchos intercambiáveis e contava com jogos impressionantes tanto em termos visuais quanto sonoros, recebendo suporte até 2004 — praticamente presente durante a quarta, quinta e quase final da sexta geração de videogames.


Percebendo o potencial desse sistema no mercado mais abastado, a SNK decidiu adaptá-lo para criar um console doméstico chamado Advanced Video System (AES). Enquanto a versão arcade do sistema era acessível nos fliperamas, na versão caseira tanto os cartuchos quanto o próprio console eram consideravelmente caros.

Diante da inacessibilidade desse sistema, a solução comum para jogar os jogos do Neo Geo era recorrer às máquinas espalhadas por botecos e casas de fliperamas por aí, ou nos ports disponíveis para consoles mais baratos. Embora essas versões tivessem algumas limitações e cortes em relação ao hardware original, muitas delas ainda apresentavam características únicas.

Nesta primeira parte, vamos conferir os ports de Fatal Fury e Art of Fighting, duas das franquias mais importantes da SNK, nos 16 bits.

Fatal Fury: King of Fighters (1991)

Plataformas/Produção: Super Nintendo (1992, Takara/Gabrain) e Mega Drive (1993, Takara/Gabrain)
O primeiro jogo da Neo Geo a ser lançado em outros consoles foi Fatal Fury, marcando a estreia da SNK no gênero de jogos de luta. Desenvolvido por Takashi Nishiyama, o mesmo criador do primeiro Street Fighter, o jogo apresenta o emblemático trio de personagens Terry Bogard, Andy Bogard e Joe Higashi. Eles participam do torneio King of Fighters com o objetivo de derrotar Geese Howard, o chefe do crime em Southtown e assassino do pai adotivo dos irmãos Bogard.

Fatal Fury introduziu várias inovações, como a troca de planos durante os combates e cutscenes entre algumas lutas, além de abrir caminho para a criação do universo compartilhado da SNK, que geraria muitos frutos no futuro.



A versão de Super Nintendo de Fatal Fury ficou notavelmente negligenciada. Embora visualmente agradável, a trilha sonora ficou adaptada de forma pobre e o gameplay sofreu com falta de fluidez. Além disso, o sistema de troca de planos ficou de fora, e há loading antes de cada luta (sim, Super Nintendo).



No Mega Drive, a situação é um pouco pior. Parece que as lutas ocorrem num chão com sabão. Executar os especiais é mais complicado, contudo o sistema de planos está presente. É visualmente inferior ao SNES, e os personagens Hwa Jai e Billy Kane, além das fases bônus, foram cortados. As vozes diferem do original, e as músicas sofreram uma adaptação razoável.

Art of Fighting (1992)

Plataformas/Produção: Mega Drive (1993, Sega), Super Nintendo (1993, Takara/Monolith Corp.), PC Engine CD (1992, Hudson Soft/AlfaSystem)
Art of Fighting foi o segundo jogo de luta da SNK e trouxe novidades bem interessantes para o gênero e para a própria empresa. Barra de especial, Desperation Moves (os “super especiais”), efeitos de zoom, detalhes como hematomas durante a briga e modo história mais robusto para sua época. Não envelheceu bem, porém é um elemento-chave para a evolução dos jogos de luta.


AoF no SNES é interessante no audiovisual. O zoom está presente de forma amenizada, com alguns truques de Mode 7, as músicas foram remixadas para se adequarem ao padrão do hardware sonoro do console (e algumas composições melhores que o original), além do epílogo para o final do jogo, que terminava com “To be continued?” no Neo Geo. Infelizmente os comandos não saem como deveriam, problemas de hitboxes são frequentes e, por conta do zoom, os cenários carecem de detalhes.


A Sega fez sua própria conversão no Mega Drive. É possível jogar no layout de controle do arcade (soco, chute, provocação), contudo, no menu, dá pra trocar pelo esquema de soco e chute separados por fraco e forte, como em Fatal Fury. O zoom está ausente, as melodias ficaram razoáveis e há cortes bem severos na fluidez dos quadros de animação, mas o que dói são as vozes, sendo um dos piores exemplos de áudio digitalizado nos 16 bits.

A adaptação para o PC Engine (restrito ao Japão, como todos os ports seguintes dessa plataforma), usando o periférico de CD do console, ficou excelente. Era um dos jogos a utilizar o cartão de expansão de memória RAM do PCE, feito especialmente para conversões de arcade, e o resultado disso está nos enormes sprites retirados diretamente do Neo Geo, com o sistema de hematomas faciais e todas as animações. Para simular o efeito de zoom, a saída encontrada foi alternar dois tipos de resolução de tela de acordo com a distância entre os lutadores. Não é tão suave, mas funciona.

O grande porém nessa qualidade toda está nos efeitos sonoros que, por limitações, ficam por conta do chip de som do PC Engine. São bem contrastantes os barulhos “8 bits” com as músicas em qualidade de CD, porém ao menos as vozes estão em alta qualidade.


Fatal Fury 2 (1992)

Plataformas/Produção: Super Nintendo (1993, Takara/Gabrain), Mega Drive (1994, Takara/Gabrain), PC Engine CD (1994, Hudson)
Fatal Fury 2 trouxe várias melhorias perante a prequela. O combate ficou melhor, a parte audiovisual era um deleite para sua época, o elenco de personagens trouxe ícones como Kim Kaphwan e Mai Shiranui, e agora era possível jogar com 8 lutadores logo de cara. A SNK correu atrás das novidades de Street Fighter II e deu sua própria identidade ao game.

Houve um capricho maior na versão de SNES. Os controles funcionam como deveriam, assim como hitboxes, apesar de ocasionais ocorrências de slowdown. Os cenários e personagens são bem detalhados, entretanto os lutadores são pequenos. O pesar ainda fica no som, pois poderia ser melhor.

O último jogo da Takara publicado no Mega Drive foi feito com bastante empenho. Os sprites e cenários são grandes e detalhados, apesar da baixa quantidade de cores e uso excessivo de dithering, e as melodias casaram muito bem com o característico chip FM do console da Sega.

E é no gameplay que está o brilho de Fatal Fury 2 no Mega. O original não tinha sistema de combos, mas esse port veio após Fatal Fury Special chegar aos arcades, e a Takara liberou essa característica para essa edição. Isso torna o combate mais dinâmico e divertido, e ainda há um menu de cheats, permitindo alterações nas mecânicas como habilitar juggling e comandos fáceis. Todavia, as lutas podem ficar enfadonhas devido ao baixo dano que os ataques dão.


O PC Engine recebeu a adaptação quase perfeita do Neo Geo, devido ao uso de expansão de RAM. As músicas foram refeitas usando todo o benefício do CD, sendo exclusivas a esse port, e todas as vozes foram mantidas. Todavia, assim como em Art of Fighting, os efeitos sonoros deixam a desejar.

Fatal Fury Special (1993)

Plataformas/Produção: Super Nintendo (1994, Takara/Gabrain), PC Engine CD (1994, Hudson), Sega CD (1995, JVC/Funcom)
Fatal Fury Special era o upgrade de FF2, trazendo ao elenco Tung Fu Rue, Geese Howard e, de forma surpreendente, Ryo Sakazaki de Art of Fighting, algo que abriu brecha para o nascimento de The King of Fighters. Também era possível realizar combos desta vez, deixando o combate mais diversificado.

Takara deu sua despedida do Super Nintendo aqui e nesse port está o melhor trabalho da Gabrain na plataforma, com os lutadores em maior tamanho, cenários detalhados e gameplay responsivo. O som é um aspecto interessante por ser um dos poucos jogos do SNES a suportar Dolby Surround, algo bem avançado para o console. Porém, toda a parte sonora possui reverb (eco) acentuado como consequência da compressão de áudio.

A edição de Sega CD é a grande decepção dessas versões. Em imagens estáticas, a conversão parece de boa qualidade, no entanto basta jogar para ver os quadros de animação dos sprites, cenários e elementos de fase cortados, sons digitalizados com baixíssima qualidade para o add-on e gameplay dolorosamente lento. Provavelmente, FFS ficaria bem melhor estando num cartucho. E como curiosidade, esse trabalho foi feito pela Funcom, aquela de Conan Exiles.

No console da NEC, FFS marcou a despedida dos jogos da SNK nessa plataforma e, novamente, temos um port de qualidade. A Hudson tentou lidar com os efeitos sonoros deixando eles com mais impacto, mas ainda é o mesmo contra de FF2 no que tange a sonoridade.

Art of Fighting 2 (1994)

Plataformas/Produção: Super Nintendo (1996, SNK/Saurus)
Art of Fighting 2 não mudou muito a fórmula do primeiro jogo, além de melhorias como a velocidade do jogo, o visual e a possibilidade de escolher todo o elenco no modo single player. O jogo marcou a criação do elo narrativo entre AoF e Fatal Fury como um universo só, através do boss secreto Geese Howard, o maior vilão de FF. 


O único port dessa época de AoF2, fora de Neo Geo AES e CD, foi no Super Nintendo, apenas no Japão. Os sprites dos personagens estão num bom tamanho, o zoom continua presente e o ritmo do gameplay é mais lento que a versão de arcade.

TO BE CONTINUED?

E esta é a parte 1 das conversões do Neo Geo para os 16 bits. Com esses jogos caindo nas mãos de desenvolvedoras tão diferentes, mesmo com a Takara sendo a publicadora mais comum, é bem curioso que todas as versões diferem bastante umas das outras. Eram tempos em que cada hardware precisava de sua devida atenção pelas diferenças, algo impensável de fazer hoje em dia.

Revisão: Ives Boitano

Estudante de enfermagem de 24 anos, está nesse mundo dos joguinhos desde criança. Fã de games com vibe mais arcade e arqueólogo de velharias, mas não abandona experiências mais atuais. Acompanha a mídia de podcasts, dublagem e ouvinte assíduo de VGM. Pode ser encontrado como @AlecFull e semelhantes por aí.
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