O caminho que Street Fighter percorreu em suas três décadas e meia de vida inevitavelmente teve diversos altos e baixos, ainda mais após tudo o que SFV durante a sua estada. Felizmente, Street Fighter 6 chegou para recolocar a franquia nos eixos, sendo um dos melhores títulos de luta lançados nos últimos anos e com certeza um dos mais completos dessa extensa saga.
Porradaria democrática
Muito se falou sobre os controles diferenciados que SF6 traria. Além da maneira usual de jogar, chamada aqui de Clássico, há o Moderno. Ele diminui a complexidade de execução de combos e ataques especiais, mas nem por isso se torna mais vantajoso que o esquema tradicional. A ideia dele é simplesmente se tornar mais convidativo para jogadores novatos, a ponto de eles pegarem familiaridade com o ritmo que os combos exigem até se tornar algo natural para, possivelmente, migrarem para o Clássico.
A ênfase na pluralidade de comandos é tanta, que até mesmo os trials de combos ganharam uma diversificação entre Moderno e Clássico. Os jogadores podem aprender como executar diversas variações para cada layout e extrair o melhor de cada um dos modelos.
Para quem quiser ir além, o Treinamento traz do treino convencional a situações pré-estabelecidas, como aplicar punições, contra-ataques e defesas específicas contra golpes aéreos, entre outros.
Outro ponto muito bem implementado na jogabilidade foi o sistema Drive, que norteia ações como Drive Impact, Drive Parry e Drive Rush. Seu uso é simples e vinculado a uma barra abaixo do medidor de vida, mas, caso o jogador tente abusar do recurso, pagará um preço muito caro, pois esgotar essa barra pode levar ao tonteamento do seu personagem, e a uma possível derrota — e sim, falo isso por experiência.
Há um terceiro tipo de controle, o Dinâmico, que é como se a IA tomasse as decisões ao apertarmos um botão. Este modelo baseia sua ação com base na distância que o oponente está, então sempre haverá uma resposta, seja para uma ameaça próxima ou distante. O resultado sempre será um combo simples, mas completo, que pode até incluir uma finalização com um golpe especial ou Super Art. Entretanto, o Dinâmico está disponível para ser utilizado apenas nos modos offline.
A briga voltou para a rua
Street Fighter 6 faz uma divisão tripartida entre Fighting Ground, Battle Hub e World Tour. No Fighting Ground está o básico para qualquer jogo de luta: temos o Arcade, que traz a livre escolha de personagens para seguirmos sua história; batalhas contra um amigo, podendo variar de 1vs1 até 5vs5; os já citados modos de treino e teste de combos; lutas online diretas, podendo ser ranqueadas ou casuais; e as Batalhas Extremas, que apresentam condições variadas e malucas, como bobinas que eletrificam os combatentes no meio da ação ou um touro que simplesmente sai atropelando quem está no caminho em momentos aleatórios.
As opções single player são variadas e ideais para quem queria algo mais próximo do que a série já foi e o fator replay está principalmente no Arcade. Além das cenas de introdução e final de cada lutador, concluir a série de lutas cumprindo determinados objetivos, como finalizações com Golpes Especiais ou utilizar os recursos de Drive, libera ilustrações na galeria, que sempre valem a pena. Nela, estão contidos conceitos de jogos antigos e dos novos personagens, ilustrados por nomes célebres como Bengus, Akiman, Shinkiro e Ikeno.
Se as ilustrações prezam o legado, o áudio visa à modernidade. Todos os personagens clássicos ganharam novos temas, quebrando o velho estigma de remixarem seus hinos vindouros de Street Fighter II. Além disso, a introdução de comentaristas, como Tasty Steve e James Chen, adiciona uma pitada extra no ambiente para quem curte acompanhar os diversos torneios da Capcom Pro Tour. E para quem não tem familiaridade com o inglês, ou deseja curtir os comentários japoneses, pode fazê-lo sem receio, pois há legendas em português aparecendo em tempo real.
Já o World Tour, modo pelo qual eu particularmente ansiava jogar, trouxe uma nova perspectiva de como contar a história de um jogo de luta. Primeiro, criamos nosso avatar livremente, com as proporções que quisermos, de uma cópia fidedigna do nosso corpo real a medidas que te deixem parecido com qualquer ser bípede que sua imaginação conceber. Depois, escolhemos as roupas e somos inseridos na recém-reformada Metro City — sim, aquela de Final Fight. Para quem ainda não sabia, Final Fight e Street Fighter estão na mesma dimensão “Capcomniana”.
A partir daí, temos que cumprir uma série de missões, que não são das mais complexas, já que é basicamente meter a porrada em quem aparecer pelo caminho. Mas nosso passeio não fica limitado apenas a essa metrópole, pois também podemos dar um breve pulo nas outras nações representadas no game, como Brasil, Itália, Japão, França e o país fictício da vez, Nayshall. Inclusive, vale citar que tanto Metro City quanto Nayshall são bem mais complexos que os demais, por questões de narrativas, ao ponto que os demais países são apenas uma breve passagem, mas isso não é demérito nenhum, levando em consideração o desenrolar da história.
Referente ao World Tour, há duas coisas que podem ser bastante incômodas. A primeira é o grinding relacionado ao seu estilo marcial: à medida que nosso avatar ganha experiência, o estilo de luta utilizado também rende pontos inerentes ao nosso mestre, que são necessários para aprender novas técnicas, como golpes especiais e Super Arts. Então, fatalmente teremos que priorizar um mentor em detrimento aos demais se quisermos ter acesso ao seu acervo inteiro ou mitigar nossa experiência com vários mestres para, assim, compor um estilo único de movimentos diversos.
Só que, justiça seja feita, também tenho que citar quão instigante é utilizar o estilo do seu lutador favorito, mas trocando um ou outro golpe que não nos agrada. Só para vocês terem uma ideia, eu passei boa parte da minha jornada utilizando a lista básica do Ken, mas com alguns movimentos de Marisa, Guile e Luke, e é muito satisfatório ver como ainda assim é possível construir combos sólidos e que realmente parecem algo característico do nosso eu virtual.
A segunda ressalva são os diversos encontros aleatórios com membros de gangues pelas ruas. Podemos combater qualquer pessoa que esteja pelo caminho, literalmente, bastando conversar com ela ou acertá-la com um golpe por motivo nenhum (o que eu confesso que é brutalmente divertido). Porém, há diversas gangues e marginais que aparecem pelo caminho para te surrar e, nos capítulos finais do World Tour, isso começa a se tornar um pouco insuportável, pois ir do ponto A ao ponto B de uma missão demora o dobro do tempo só por desviar o caminho.
Uma última falha deste modo, e talvez bem mais presente na versão de PlayStation 4 que nas demais, é o tempo de carregamento geral. Nas disputas do Fighting Ground, há certa demora para os lutadores serem carregados na tela de seleção de personagem, mas nada comparado às telas de loading do World Tour. Sempre que viajamos de um país para o outro, há uma espera bastante longa para ir de um destino a outro.
Essa lentidão de processamento também é vista na textura das roupas dos transeuntes e na do nosso aspirante a combatente. Sempre que corremos ou entramos em ação, se a camiseta ou blusão, por exemplo, tiver algum tipo de escrita ou estampa, ela aparece como um borrão nos primeiros momentos, ficando visível depois de alguns bons segundos.
Mesmo com todas essas questões, o World Tour se mostrou uma maneira muito criativa de dar continuidade à cronologia da franquia, nos colocando como espectadores in loco de tudo que está acontecendo e envolvendo todos os personagens ao mesmo tempo, de maneira bastante orgânica e sem ser muito forçado.
Sempre que iniciamos uma disputa no meio da rua, independente do local que estivermos, o ambiente automaticamente se transforma no estágio, e os NPCs que estão ao redor passam a acompanhar a ação, chegando até a torcer a favor. Essa naturalidade com a qual as coisas ocorrem dão a importância devida para as localidades, passando realmente a impressão de que não há hora e nem lugar para sair na mão com alguém. É basicamente o termo "Street Fighter" em sua essência.
O melhor ponto de encontro
Se no offline tudo vai bem, no online é melhor ainda. O Battle Hub, que foi efusivamente promovido e testado em diversos períodos desde o ano passado, é a ideia que mais deu certo em Street Fighter 6. Aqui, o nosso avatar do World Tour pode percorrer um grande saguão e interagir com outros lutadores de qualquer lugar do planeta, além de, obviamente, sair na mão em rede.
Todas as batalhas online que fiz transcorreram sem nenhum tipo de problema ou lentidão, com direito a diversas revanches pareadas em um estalar de dedos. Você encontra um oponente, se senta em um dos fliperamas e a magia acontece instantaneamente. Jogadores de controles Clássicos e Modernos podem se digladiar tranquilamente, assim como donos de diferentes plataformas, sem nenhum tipo de vantagem ou desvantagem.
Para quem quiser mostrar o poder do seu alter ego, o centro do hall de cada servidor é destinado para quem deseja realizar uma Batalha de Avatares. É bom lembrar que, além dos comandos e estilo escolhidos, os dados de experiência e força que eles possuem no World Tour também é levado em consideração. Isso fez com que eu terminasse com um vexaminoso recorde de duas vitórias em seis lutas nessa modalidade até a publicação deste texto, mas não nego que foi tão divertido quanto utilizar o elenco base.
Por fim, e por questões de legado, foram inseridas máquinas clássicas de outros jogos da Capcom, para quem quer passar um tempo curtindo uma nostalgia sem compromisso. Estão disponíveis clássicos como Captain Commando, Final Fight, Magic Sword: Heroic Fantasy, Mega Man: The Power Battle, Street Fighter II, Super Street Fighter II Turbo, SonSon e Vulgus. A disponibilidade delas varia com o dia, mas, infelizmente, só podem ser curtidas sozinhas.
Double Perfect!
Street Fighter 6 veio para ser uma virada definitiva não só para a série, mas para os jogos de luta em geral. Tanto a experiência para quem quer aproveitar sozinho quanto para quem quer passar horas em disputas em rede não deixa a desejar em absolutamente nada, e isso faz SF voltar ao patamar de excelência no gênero que ele nunca deveria ter deixado de apresentar.
O mérito deste triunfo pode ser totalmente creditado à maneira como a história dos personagens foi utilizada no World Tour, à acessibilidade que o jogo trouxe a quem nunca encostou em um jogo de luta e ao funcionamento impecável do Battle Hub. Um combo perfeito para quem esperava o retorno de Ryu e cia.
Prós
- O controle Moderno é inclusivo, mas não garante vantagem absoluta sobre o Clássico, servindo até mesmo de transição para quem está começando;
- Diversas opções de treinos, focadas para o estudo de situações;
- O sistema de Drive é fácil de ser assimilado, mas sem se tornar uma mecânica quebrada;
- Extensa galeria;
- Finalmente Ryu, Guile, Ken e os demais veteranos ganharam músicas novas;
- World Tour é uma maneira criativa de dar continuidade à trama da franquia;
- Diversas opções e liberdade total para criar seu avatar e customizar sua lista de movimentos;
- Battle Hub promove uma grande conectividade entre jogadores;
- As batalhas online correm de maneira instantânea, como se fossem locais;
- Adição de jogos clássicos da Capcom para serem aproveitados a qualquer momento.
Contras
- A quantidade de gente te caçando no World Tour pode irritar um pouco;
- O grinding de habilidades e experiência com os mestres é mais demorado que a do avatar;
- Telas de loading demoradas e atraso no carregamento das texturas das roupas dos personagens no World Tour.
Street Fighter 6 — PC/PS4/PS5/XSX — Nota: 10Versão utilizada para análise: PS4
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise feita com cópia digital cedida pela Capcom