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Análise: Shattered Heaven (PC): um roguelike imprevisível e cheio de estilo

É difícil perceber as horas passando enquanto nos aventuramos pelas dungeons deste roguelike com forte inspiração nos RPGs narrativos.

Ano passado, durante a BGS, pude conferir em primeira mão Shattered Heaven, a aposta da Leonardo Production para o cenário de roguelikes. À época, eu comentei que o jogo tinha de tudo para conquistar seu público-alvo, e agora consigo atestar que a proposição é verdadeira.

Um mundo em pedaços

A trama de Shattered Heaven confia em elementos de fantasia sombria (dark fantasy) para prender o interesse do jogador. Sua história gira em torno de quatro tribos amaldiçoadas — Ashram, Sentia, Delham e Flammen —, cujos membros não passam dos 40 anos. Nesse mundo em que Deus não existe, cada uma dessas facções conta com um Vestal, uma espécie de avatar com grandes poderes.

No entanto, as quatro nações não vivem em harmonia e os Vestals devem guerrear entre si pelo direito de reencarnar em outro membro de sua tribo, em um conflito conhecido como Guerra da Ascensão. Nesse contexto, somos apresentados a Andora, a escolhida de Ashram, e seus Campeões: Magni, um cavaleiro nascido da união profana entre duas facções, e Ishana, uma pária de sua tribo e que é possuída pela entidade Limodes.

Ao passo que quero falar mais dessa incrível história, que é, sem dúvidas, o ponto alto de Shattered Heaven, vou me ater ao básico para não entrar em spoilers. Quero deixar claro, contudo, que, neste aspecto, o jogo se aproxima mais de um RPG narrativo, com uma grande dose de leitura — e belíssimas cutscenes dubladas em inglês —, indo ao encontro da proposta da ação frenética, uma das marcas dos roguelikes/roguelites.

Estilos diferentes em um único jogo

O intuito em Shattered Heaven é explorar diferentes dungeons, cujos andares são gerados proceduralmente, para avançar nos diversos capítulos da história, tal qual em um dungeon crawler. Cada porção dessas masmorras é composta por espaços que ativam eventos diversos, como a possibilidade de encontrar itens, ativar buffs e debuffs e até mesmo batalhas contra inimigos. Cada andar também possui um tile especial voltado para a recuperação de HP, configuração dos baralhos dos personagens e outras funcionalidades.

Antes de entrar no mérito dos combates, quero falar um pouco mais sobre as dungeons. Além das configurações procedurais, que garantem um valioso fator de rejogabilidade, cada andar conta com um efeito próprio (também aleatório), o qual pode ser benéfico ou maléfico para o jogador.

Por exemplo, em uma das minhas partidas, eu tive o infortúnio de os inimigos terem uma chance maior de acertar danos críticos; como adendo, podemos ainda escolher uma espécie de desafio (Word of Punishment) que nos recompensa com Dark Bones, uma moeda especial usada para melhorar ainda mais nossa experiência.


A respeito das batalhas, temos confrontos baseados em turnos, mas com jogabilidade baseada em trading card game (TCG). Basicamente, controlamos Andora, Magni e Ishana alternadamente, cada qual com sua própria jogabilidade e característica: a Vestal de Ashram foca em cartas com o efeito Swift para causar dano e sempre renovar sua mão; o grande cavaleiro é responsável por garantir a defesa do grupo; e a feiticeira é especialista em causar debuffs nos inimigos, especialmente quando Limodes entra em campo.

Para garantir que o estilo TCG funcione em combate, esses personagens contam com palavras-chave (keywords) que ditam o funcionamento de seus baralhos. Como gostei mais de controlar Ishana, usarei-a de exemplo aqui: o grande trunfo da maga é Sede (Thirst), um medidor que serve para invocar o espírito Limodes.

Desse modo, suas cartas ganham efeitos aprimorados sempre que a personagem está possuída, como causar Sangramento (Bleeding) em vários oponentes de uma só vez ou recuperar parte do dano causado em HP próprio se o efeito Sanguessuga (Leech) for contemplado. No entanto, Ishana é a personagem mais frágil do grupo e acaba dependente de Limodes para ter melhor aproveitamento em combate.

Como cada personagem tem seus prós e contras, é importante tirar um tempinho para ler os tutoriais disponibilizados. No entanto, essas informações são abundantes e bem-explicadas, fazendo com que o jogo seja simples de entender e permita que o jogador aprenda suas nuances a cada partida, mesmo que isso acabe no sistema de tentativa e erro — um tanto quanto inevitável, já que o fator RNG é o maior empecilho na campanha como um todo.

Para finalizar essa parte dos combates, preciso elogiar as batalhas contra os chefes das dungeons. Eles não apenas são mais desafiadores que os inimigos comumente encontrados durante a exploração, como também colocam à prova os aprendizados do jogador até o momento, em especial a capacidade de ação e reação.

Além de cartas e baralhos

Sempre que uma dungeon é completada com sucesso, voltamos ao hub de Shattered Heaven, no qual podemos salvar o jogo e gerenciar nossos recursos, como itens, poções, cartas e personagens. Inclusive, eles possuem uma vasta árvore de talentos, com habilidades ativas e passivas, que podem ditar o rumo das batalhas; para obtê-las, precisamos, primeiro, ter êxito na exploração.

Nesse hub, também temos acesso a eventos extras, tais quais diálogos entre os personagens — não apenas o trio que controlamos — e a lore do jogo, sendo que todas as informações-chave ficam marcadas no enorme glossário disponibilizado, assim como os tutoriais. Por fim, podemos conferir as missões principais e secundárias, aumentando ainda mais as recompensas para explorar as dungeons. 

Por falar em recompensas, as batalhas também trazem objetivos adicionais, como terminar o combate sem nenhum debuff na equipe, não usar determinados tipos de cartas e assim por diante. Todos esses pormenores trazem, de fato, um grande fator de rejogabilidade, já que completar essas tarefas gera satisfação pessoal ao jogador.

Uma belíssima apresentação audiovisual

Embora a arte geral e algumas ilustrações das cartas não sejam muito caprichadas, a apresentação de Shattered Heaven é satisfatoriamente caprichada, em especial as cutscenes dubladas. Pode-se notar o grande carinho que a Leonardo Production teve com a produção deste roguelike, que cativa com seu visual sombrio e soturno. Também quero chamar a atenção para a ótima trilha sonora, em especial nas dungeons e nas batalhas, que realmente ficam na cabeça.

Contudo, há algumas ressalvas a fazer, mesmo que poucas. Primeiro: durante as telas de carregamento, senti alguns “engasgos” ao retornar ao jogo e ao passar os diálogos manualmente. Outra crítica é em relação aos controles: embora o jogo seja controlado pelo mouse, algumas teclas acabaram pulando turnos nas batalhas ou cancelando comandos, mas em nenhum momento vi a opção de usar o teclado para controlar as ações nas configurações.

Também senti que os menus mereciam mais polimento. Mesmo com um acesso relativamente fácil, a ausência de descrição ao mover o cursor para cima dos ícones fez falta: até eu entender o que cada um fazia, precisei ir e voltar nos menus algumas vezes.

Por fim, o jogo não conta com suporte ao português brasileiro; contudo, essa é uma reclamação que até mesmo jogadores italianos fizeram no Steam — e isso porque a Leonardo Production é uma desenvolvedora italiana. Como Shattered Heaven ainda está em Acesso Antecipado na plataforma da Valve, espero que os responsáveis levem em consideração todas as críticas feitas em relação à performance do jogo e as corrijam o mais rápido possível.

Um roguelike que vale a pena ser experimentado

Com forte inspiração em RPGs narrativos, Shattered Heaven traz uma incrível aventura de fantasia sombria que mistura os gêneros dungeon crawler, roguelike e TCG. Apesar de um começo um tanto arrastado devido aos tutoriais, logo as peças se encaixam e o jogador fica livre para aprender na prática; inclusive, é muito fácil perder a noção do tempo enquanto exploramos as dungeons desse rico universo criado pela Leonardo Production.

Claro, ainda há algumas melhorias a serem feitas, mas, considerando que o jogo ainda está em Acesso Antecipado, há esperança de que as correções devidas não demorem a chegar. De todo modo, Shattered Heaven é um título que com certeza abraça o público que deseja.

Prós

  • Apresentação audiovisual satisfatória, em especial as cutscenes dubladas;
  • Jogabilidade que mistura dungeon crawler, TCG e roguelike com maestria;
  • Narrativa cativante fortemente inspirada em RPGs narrativos;
  • Glossário e tutoriais extremamente competentes que estão disponíveis a qualquer momento;
  • Os diversos objetivos e missões, fora e durante as batalhas, tornam a exploração extremamente satisfatória;
  • Alto valor de rejogabilidade;
  • É possível escolher a dificuldade antes de começar a explorar as dungeons;
  • Presença de um hub no qual é possível gerenciar recursos, personagens e também conhecer mais a lore do jogo.

Contras

  • Algumas artes não são tão caprichadas;
  • Menus de difícil navegação;
  • Jogável apenas com o mouse, embora algumas teclas influenciem nas ações e não haja indicativo sobre elas nas configurações;
  • Sem suporte ao português brasileiro;
  • Início de campanha arrastado.
Shattered Heaven — PC — Nota 8.5
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Leonardo Interactive

Também conhecida como Lilac, é fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas. Icon por 0range0ceans
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