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Análise: Nukitashi (PC): uma ilha paradisíaca pode ser o pior dos infernos para um jovem virgem

Visual novel da Qruppo traz uma visão cômica sobre uma ilha tomada por uma “lei dos pervertidos”.

Visual novels eróticas são um estilo bem comum de obra, especialmente no Japão, onde é possível encontrar milhares de jogos que vão desde os “nukige” (obras focadas mais estritamente nisso) até os “plotge” (cujo foco principal é na trama, mesmo que haja sexo em algum momento). Desenvolvido pela Qruppo, Nukitashi é um jogo que brinca com as expectativas que as pessoas colocam sobre o sexo e os conteúdos pornográficos em uma trama estapafúrdia e hilária.

Vítimas de uma lei perversa

Nukitashi conta a história de um grupo de pessoas que mora na ilha Seiran, um local que parece ter se tornado muito próspero em detrimento da recessão econômica, graças ao turismo sexual. Como parte de um grande projeto, a ilha passou a ter uma lei que não apenas liberava atos sexuais em público, como também incentivava a promoção de hábitos promíscuos.

Com o tempo, a população passou a tratar o tópico como algo normal do seu cotidiano, remodelando toda a ilha, suas instituições e cultura para se tornar uma espécie de paraíso para pervertidos. Porém, a verdade é que essa estrutura é forçada de cima para baixo e a imposição do sexo reforça a marginalização de minorias nessa sociedade.

O protagonista e sua irmã mais nova são bons exemplos disso, tendo seus motivos para querer evitar o sexo imposto na ilha como mandatório. Para o rapaz, eventos do passado fizeram com que ele ficasse traumatizado. Já a moça tem uma predileção por se envolver sexualmente com outras garotas, só se interessando pelo seu próprio irmão no que diz respeito a relacionamentos dessa natureza, o que faz com que ela seja estigmatizada em uma sociedade que nem reconhece a sua sexualidade e desejo de dizer não aos rapazes que se aproximam dela.

Em meio a uma ditadura do sexo que toma conta até mesmo da escola em que estudam, os dois decidem fazer tudo o que for possível para se manterem em segurança. Com o tempo, eles descobrem outras pessoas que também foram marginalizadas por diversos motivos e montam uma equipe chamada “No Love No Sex”, com a missão de enfrentar as imposições e encontrar uma misteriosa garota que supostamente seria a chave para acabar com a lei de uma vez por todas.

Entre os aliados, temos Nanase Katagiri, uma garota venerada como uma das maiores “vadias” (algo visto como um elogio na ilha) do colégio, mas basta conhecê-la de verdade para notar que sua reputação é uma máscara que ela coloca para sobreviver na ilha. Já Hinami Watarai é uma veterana cuja aparência infantil (loli) faz com que todos a ignorem, já que a pedofilia é tratada como um dos maiores crimes da ilha. Por fim, Misaki Hotori é uma garota insegura sobre seu peso e que tem a misteriosa habilidade de desaparecer totalmente do radar das outras pessoas.

Uma trama de humor

O conceito de Nukitashi é propositalmente ridículo e a obra abraça essa ideia estúpida para questionar as nossas perspectivas sobre sexo e provocar risos com as bobagens dos personagens. As interações entre eles constantemente provocam risos e a própria narrativa envolve coisas como o protagonista usando vibradores para lutar contra as garotas da SHO, grupo do governo responsável por fiscalizar o cumprimento da lei, e sua ramificação escolar, a FS (Future SHO).

A discussão sobre a pressão social/governamental e outros temas referentes ao sexo é muito interessante e a proposta exagerada vai aos poucos se tornando algo de fácil abstração para pensar também a realidade. Há algumas pequenas inconsistências narrativas que a trama até tenta explicar, mas falha em ser convincente, a exemplo de como os personagens são esquecidos pelos membros da SHO após os enfrentamentos.

Também há certa hipocrisia na forma como os personagens abusam uns dos outros em suas piadas e no próprio tratamento da questão do sexo. Bons exemplos disso são o fato de que não há quase nenhum homem relevante entre as ilustrações do jogo e que não há uma personagem relevante assexual, um tópico que seria perfeito para a discussão central, mas atrapalharia a criação de uma rota “recompensadora” para o jogador na perspectiva tradicional de um eroge.

De forma geral, porém, alguns elementos como a hipocrisia dos personagens principais são até bem-vindos para mostrar como as coisas são mais ambíguas do que podem parecer a princípio. Além disso, a narrativa demonstra muito claro conhecimento sobre as estruturas usuais e estereótipos de jogos similares, oferecendo uma perspectiva meta que reforça o humor da trama de forma inteligente.

Exagero e detalhes técnicos

Em termos do texto, vale destacar que Nukitashi dá uma ênfase bem grande em retratar as piadas de forma exagerada e a tradução se esforça bastante para manter o tom ao longo da narrativa. Em alguns casos, há adaptações que fazem mais sentido para um contexto moderno e ocidental, o que me pareceu uma boa escolha para que as piadas fossem facilmente absorvidas. Há alguns errinhos de digitação pequenos, mas nada que atrapalhe significativamente a experiência.

Como já usual, o jogo é vendido no Steam em uma edição censurada e é necessário usar o Johren para obter um patch que restaura o conteúdo. No caso de Nukitashi, temos um corte severo não apenas das cenas de sexo explícito, como de praticamente toda a experiência. Sem o patch, temos apenas uma introdução das circunstâncias dos dois irmãos de forma profundamente vaga, ou seja, não há nem mesmo uma demonstração do que a obra tem a oferecer de fato, apenas uma casca vazia.

Com a obra completa em mãos, vale destacar o aspecto visual do jogo, cujo estilo de arte tem uma estética fofa e colorida. Há momentos de combate que envolvem o uso de uma tela que simula um visor especial altamente tecnológico, mas é especialmente interessante notar como os diálogos aproveitam o posicionamento dos personagens na tela e suas faces expressivas para dar uma impressão dinâmica às interações. A trilha sonora também ajuda a reforçar o tom de humor da maior parte da trama, com muitas batidas alegres, mas também oferece músicas solenes para momentos mais dramáticos e comparativamente sérios.

Paraíso ou distopia?

Nukitashi é uma forma exemplar de pensar o que é possível fazer com o conceito de sexo em uma visual novel. Com um humor impecável, personagens carismáticos e um roteiro genuinamente bem escrito, é uma obra que demonstra maestria em sua discussão e é francamente imperdível.

Prós

  • Discussão sobre temas relevantes a respeito de sexo, controle governamental e pressão social;
  • A narrativa e as interações entre os personagens são bastante engraçadas;
  • Bom aproveitamento da tela para fazer cenas dinâmicas de diálogo;
  • Trilha sonora ideal para os momentos de humor e os mais sérios.

Contras

  • Leves inconsistências narrativas;
  • Raros errinhos de digitação;
  • Edição do Steam sem o patch corta quase todo o jogo.

Nukitashi — PC — Nota: 9.0

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Shiravune


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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