Blast from the Past

Viewtiful Joe: 20 anos de um dos jogos mais estilosos da sexta geração de consoles

Na ascenção do fotorealismo, um herói cartunesco veio conquistar os videogames da sua maneira.



O cel shading foi uma das novidades mais legais que a sexta geração de consoles popularizou. Mesmo que tenha sido aplicado aos games pela primeira vez em Fear Effect no primeiro PlayStation, a técnica passou por uma boa maturação durante essa era, trazendo uma nova leva de jogos que resgataram um visual mais cartunesco e artístico que havia se perdido na transição do 2D para o 3D mais simples da geração PS1.
E usando essa tecnologia tão interessante, a Team Viewtiful, uma equipe da Capcom liderada por Hideki Kamiya (a mente por trás de Resident Evil 2 e Devil May Cry), lançou Viewtiful Joe 20 anos atrás para Gamecube e um ano depois para o PlayStation 2, criando não só um personagem como um estúdio que viveu pouco mas fez grandes clássicos cult.

Pancadaria cinematográfica 

Viewtiful Joe é um beat 'em up, um gênero já em declínio na época de seu lançamento. Desde o final dos anos 90, os jogos estavam focando em experiências mais profundas, com apelo cinematográfico e mais carregados de história, mas aqui temos um game focado em algo mais direto ao ponto. O jogador controla um "herói por acaso" numa jogabilidade 2D focada em bater em tudo que se mova pelo caminho, coletar pontos e derrotar chefes entre fases. Mas é justamente na forma de se fazer essas coisas que torna Viewtiful Joe um tanto especial.


O jogo traz na sua estética uma mistura de cinema com os tokusatsu, famoso gênero representado por obras como os Super Sentai (de onde Power Rangers veio) e Kamen Rider. Joe, o protagonista, é justamente um herói de tokusatsu: capacete com visor, roupa de lycra colada, cheio de poses estilosas e com direito a henshin (transformação), tudo isso aliado a personagens em estilo SD (super deformed ou chibi) interagindo em um universo altamente lúdico.

O jogo começa com Joe tendo um encontro com Silvia no cinema, onde é exibido Captain Blue. De repente, um monstro do filme sai da tela e acaba sequestrando Silvia para dentro da produção, e Joe sem entender vai ao resgate dela. 

Dentro do filme, o rapaz encontra Captain Blue, que dá o poder da transformação a Joe através de um dispositivo, o V-Watch. Nasce daí Viewtiful Joe, o herói vermelho que terá que passar por sete fases atrás da amada socando e chutando tudo que vê pela frente.

Desde o começo a parte visual se destaca em Viewtiful Joe. Todo o cenário é construído com texturas desenhadas e muitas vezes chapadas, dando a impressão de que tudo é cenográfico. O cel shading dá a aparência necessária para tudo parecer um desenho com bordas grossas, sombreamento preto e uma iluminação com gradiente bem evidente.

Abraçando a ideia de se passar dentro de um filme, as cutscenes rolam com uma interface de rolo de filme na parte superior e inferior da tela, como se tudo aquilo fosse uma película jogável. Elas rodam in game e, infelizmente, não são tão bem animadas, mas ainda sim são divertidas, com voice over dignas de um desenho animado real.

Luzes, câmera, AÇÃO!

Joe irá contar majoritariamente com seus socos e chutes, que podem ser intercalados livremente durante os combos, além de possuírem variações de acordo com os toques no direcional, como um gancho feito com baixo + soco. Para abordagens defensivas, é possível se esquivar de um ataque prestando atenção no aviso que antecede o ataque. Se um ataque vier por cima, basta dar um toque pra baixo, e vice-versa.

Mas o que faz o combate de Viewtiful Joe tão divertido está nas três mecânicas principais do game — os Viewtiful Effects (ou VFX), que "editam" em tempo real o combate ao custo de uma barra exclusiva. Gastar totalmente essa barra fará Joe se destransformar, ficando alguns segundos sem poderes e mais frágil. Os poderes são:

  • Slow: um efeito de slow motion que deixará tudo lento para o jogador. Os inimigos são literalmente despedaçados ao serem atacados com esse efeito, podendo ser arremessados para alguma direção e dando um belo efeito rebote em quem estiver pela frente, além de ser bastante efetivo contra adversários que giram ou usam armas de fogo.
    Além disso, Joe esquiva automaticamente de um ataque durante o uso dessa habilidade, mas um valor considerável da barra de VFX é gasto nessa ação.
  • Mach Speed: é o inverso aqui, Joe irá acelerar e ficar tão rápido que os combos serão ininterruptos e poderá bater em mais de um inimigo ao mesmo tempo. Fazer uma sequência longa de golpes deixará o herói e tudo que tocar em chamas.
  • Zoom in: fará com que a câmera dê um close em Joe, abrindo um leque de outras habilidades, como um pulo com dano ascendente e chutes giratórios. Perfeitos para terminar um combo ou para continuar uma sequência, dependendo do uso.

Essas habilidades (na qual duas delas podem ser combinadas) também são usadas nas próprias fases, que são estruturadas com sessões com algum objetivo, como derrotar todos os inimigos em tela, chegar ao final de uma parte, resolver algum puzzle simples, derrotar algum chefe e por vai. Se a sessão tiver uma plataforma voadora, por exemplo, o jogador pode usar Mach Speed para subir a plataforma ao fazer suas hélices girarem, ou então usar Slow para descê-la e pará-la. Outro uso bem interessante é em elementos do cenário, como uma goteira caindo de um cano: desacelerando o tempo, a gotinha virará uma enorme bola de água que será pesada o suficiente para apertar um botão. A variedade de ambientes e situações rolando em cada episódio é alta, com direito até a batalha de mecha.
Esse jogo vai bem longe nos acontecimentos da reta final.
Para Joe ficar mais forte durante a jogatina, o jogador poderá obter os V-Points. Eles podem estar espalhados pelo cenário como coletáveis, no final de combos elaborados com o uso dos VFXs, e dentro do sistema de rank entre sessões que vai de D (menor rank) a V (maior rank). Esses pontos são usados numa loja em “intervalos” de algum momento grande para outro, e podemos gastá-los com upgrades, novos movimentos, bugigangas, vidas e outras coisas que serão bem úteis devido à alta dificuldade da aventura — ao menos no modo Adults, o "hard" do jogo.
As coisas são bem caras aqui, é bem provável que o jogador passe a primeira jogatina sem adquirir tudo.
A trilha sonora é altamente anos 2000, carregada no techno e utilizando samples de jeito criativo como o tema da parte de cidade na segunda fase, que utiliza buzinas e freios de carro no ritmo da melodia. E para casar com a ideia de assistirmos a um programa ou filme, até sons de plateias podem ser ouvidos a cada entrada de Joe no início de cada fase.

Creativity Lover

Inicialmente, Viewtiful Joe fazia parte do infame Capcom Five, uma iniciativa da desenvolvedora japonesa com a Nintendo para trazer cinco jogos exclusivos ao Gamecube. Foi uma iniciativa falha, já que dessas cinco produções apenas uma ficou exclusiva ao "fogãozinho" da Nintendo, enquanto um outro jogo foi cancelado antes de sequer sair do papel.


A Capcom ficou bem satisfeita com a boa recepção da crítica de Viewtiful Joe e deu liberdade total ao Team Viewtiful, passando a ser chamado de Clover Studios (Clover sendo uma abreviação de Creativity Lover) e que, posteriormente, agiria como uma subsidiária da Capcom. Esse estúdio desenvolveu mais cinco jogos: a sequência de Viewtiful Joe, dois spin-offs da franquia e dois outros jogos exclusivos para PS2 — os clássicos cult Okami e God Hand. 

Por mais interessantes e criativos que fossem esses produtos, todos eles sofreram do mesmo mal do fracasso comercial. Em 2006 a Clover foi desmantelada, com alguns de seus colaboradores sendo absorvidos pela empresa-mãe e outros saindo totalmente de lá, como o CEO Atsushi Inaba. Hideki Kamiya, Shinji Mikami e Tatsuya Minami saíram da Capcom pouco tempo depois. 

Os quatro se juntaram e fundaram a Platinum Games em 2007, herdando muito do legado deixado pela Clover Studios. A consequência disso foram ótimas produções como Vanquish, Bayonetta e Metal Gear Rising Revengeance, tornando o estúdio uma referência em jogos de ação.

"Just Go for It!"

Viewtiful Joe não ficou só em seus próprios jogos, pois em 2004 foi lançado um anime de 51 episódios onde apenas 26 episódios vieram para o ocidente. Foi exibido no Brasil pela Cartoon Network e pela Rede TV!.

O herói também apareceu como personagem jogável nos jogos de luta Tatsunoko vs. Capcom e Marvel vs. Capcom 3, com o moveset todo baseado nos movimentos dos jogos originais e até com o rolo de filme aparecendo em alguns especiais.
Com direito ao cel shading, Joe combinou bastante com esses crossovers!
E como falamos dela, a Platinum Games não desenvolveu algo exatamente parecido com Viewtiful Joe em mecânica, mas criou algo bem semelhante tematicamente com The Wonderful 101, um jogo de ação onde o foco é controlar hordas de heróis coloridos inspirados em heróis de tokusatsu. 

Sendo um dos jogos que melhor envelheceu da saudosa "geração PS2", Viewtiful Joe trouxe uma pancadaria bastante criativa e carismática, com visuais belíssimos e uma linda homenagem a um gênero de ação popular até os dias de hoje. Atualmente, resta torcer para que um dia vejamos o vermelhinho num relançamento, remake ou quiçá em uma nova aventura, ouvindo o brega — mas icônico — "Henshin-a-go-go, Baby!" mais uma vez.


Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut

Estudante de enfermagem de 24 anos, está nesse mundo dos joguinhos desde criança. Fã de games com vibe mais arcade e arqueólogo de velharias, mas não abandona experiências mais atuais. Acompanha a mídia de podcasts, dublagem e ouvinte assíduo de VGM. Pode ser encontrado como @AlecFull e semelhantes por aí.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


Disqus
Facebook
Google