Relembrando Paciência (PC) e seu importante papel na popularização dos computadores

Descubra a origem, curiosidades e importância do game que ajudou a difundir o uso das interfaces gráficas no PC.

em 22/05/2023
De tempos em tempos, determinadas inovações são tão impactantes que modificam o jeito com que as pessoas interagem com as tecnologias. Foi assim em 1984, com o lançamento do microcomputador Macintosh, da Apple: seu sistema operacional permitia a usuários leigos manipular dados, programas e informações por meio do uso de um pequeno dispositivo retangular chamado mouse. Uma seta era exibida na tela e o usuário, agora, teria o poder de “apontar” ao computador o que ele gostaria de fazer.


A concorrência teve de correr atrás do prejuízo: a Microsoft – empresa líder em sistemas operacionais para IBM PC – tinha como seu maior sucesso até então o sistema operacional MS-DOS, que era operado a partir de comandos digitados pelo usuário no teclado e exibidos na tela do computador, um jeito bem menos intuitivo de interação para novos usuários.

Tentando alcançar o sucesso de sua concorrente, a Microsoft começou a desenvolver um sistema gráfico que suplementasse o MS-DOS e fosse controlável pelo mouse junto ao teclado: era o nascimento do sistema Windows, em 1985. Após algumas versões que não chegaram a fazer sucesso, em 22 de maio de 1990 a Microsoft conseguiu colocar no mercado uma versão que foi sucesso de público e crítica: o Windows 3.0.

Cartas do destino

Um dos desafios que fabricantes de sistemas enfrentam até hoje é descobrir formas fáceis e intuitivas dos usuários aprenderem a utilizar os seus recursos. A utilização de jogos é um dos melhores métodos para isso, pois alia diversão ao aprendizado. Com o Windows 3.0 não foi diferente: sua instalação era acompanhada dos jogos Reversi e Paciência (ou “Solitaire”, na versão em inglês do sistema), sendo este último uma versão digital do jogo de cartas “solitaire” (ou “patience”).


Surgido no fim do século XVII na região dos Países Bálticos, o jogo era inicialmente utilizado como uma forma mística de ler a sorte do jogador, tal qual é feito por cartomantes e videntes, mas se popularizou de fato como um jogo viciante: até personalidades como Napoleão Bonaparte eram aficionados por Patience.

Os nomes pelos quais o jogo é conhecido têm origem no fato de ele ter sido projetado para ser jogável por uma pessoa só, no seu tempo: por isso os termos “solitaire” (“solitário”) e “patience” (“paciência”).



Klondike

A versão de Paciência desenvolvida pela Microsoft se baseia em Klondike, uma das variações do jogo. Nesta modalidade, utiliza-se um baralho completo (quatro naipes, 52 cartas) e são dispostas na mesa em sete montes de cartas: a primeira (mais à esquerda) com sete cartas, a segunda (ao seu lado) com seis e assim sucessivamente, até o último monte, com uma carta só. As cartas são dispostas com as faces viradas para baixo, com exceção da carta posicionadas mais acima em cada monte. As 24 cartas restantes formam um monte de compra, também com as faces viradas para baixo.

São designados quatro espaços vazios na mesa, sendo que o objetivo do jogo é completá-los com as cartas dos respectivos quatro naipes do baralho, respeitando a seguinte ordenação das cartas: Ás, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, Valete (J), Rainha (Q) e Rei (K).


Para poder completar os espaços vazios designados, o jogador pode remanejar cartas dos sete montes de cartas também respeitando a ordenação descrita. As cartas do monte de compras podem ser viradas uma a uma ou três a três, de acordo com o que o jogador determinar. Ao término das cartas, o monte de compras é “remontado” e a partida continua.

Na versão virtual do jogo, quando o jogador consegue completar os quatro espaços designados da mesa, o momento mais aguardado do jogo ocorre: uma “chuva de cartas” surge na tela do computador, parabenizando o jogador.


Aprendizado e sorte

A inclusão do jogo Paciência no Windows foi estratégica: para reordenar as cartas e realizar o objetivo do jogo, o jogador acaba por ter de realizar diversas ações que o ajudam a aprender a manejar melhor o mouse: clicar nas cartas, arrastá-las entre os montes, movimentar a seta do mouse, dentre outras ações, servindo para que o usuário comece a criar confiança e habilidade no uso do mouse para o uso de seu computador.


Coincidentemente ou não, a primeira versão do Windows que já vinha com o Paciência instalado fez sucesso: dois milhões de licenças do Windows 3.0 foram vendidas nos seis primeiros meses, pavimentando um caminho que seria trilhado com muito êxito por versões posteriores, como Windows 95 e Windows XP.

Aparentemente, um jogo originalmente utilizado para ler a sorte dos jogadores se tornou a fortuna da Microsoft.


Desde então, o jogo veio incluído em todas as versões principais do sistema, até o Windows 7. Do Windows 8 em diante, foi substituído por uma coletânea de jogos chamada Microsoft Solitaire Collection, disponibilizada pela Microsoft Store.


Diversão e popularidade

Wes Cherry, que desenvolveu Paciência para a Microsoft, era estagiário da empresa em 1988 quando escreveu o código do jogo e o apresentou aos seus superiores. Em entrevista, Cherry afirmou que teve a ideia de desenvolvê-lo pois não havia muitos jogos desenvolvidos para Windows na época e, apesar do intuito de ensinar o usuário no manejo do mouse, para ele, a inclusão, na verdade, foi mais pela diversão mesmo.



Inclusive, uma das ideias originais de Wes Cherry vetadas pela equipe de gestão da Microsoft era o Boss Key, a programação de uma tecla para “disfarçar” que o usuário estava jogando Paciência, mostrando na tela uma planilha eletrônica fake em seu lugar!


Quem também teve participação fundamental no desenvolvimento de Paciência foi Susan Kare, designer gráfica responsável pela tipografia do Macintosh original. Após sua saída da Apple, Susan foi contratada pela Microsoft para diversos serviços, dentre eles criar o design gráfico de todas as cartas do Solitaire. Bill Gates, ao ser apresentado ao protótipo do jogo, gostou da ideia e aprovou sua inclusão, apesar de considerar Solitaire um jogo bem difícil de vencer.

De fato, o público foi fisgado pelo Paciência: de acordo com dados de telemetria da Microsoft, trata-se de um dos três aplicativos mais utilizados no Windows, à frente de ferramentas de produtividade como o Word e o Excel. Também por isso, empresas em geral acabam desinstalando este e outros jogos de seus computadores, temendo uma potencial perda de produtividade de seus funcionários.

Legado

No 30º aniversário do jogo, foi divulgado que mais de 35 milhões de jogadores costumam jogar Paciência todos os meses e mais de 100 milhões de partidas são jogadas diariamente, mostrando assim que Paciência é um dos jogos digitais mais populares de todos os tempos.

Toda essa popularidade foi notada pelo The Strong National Museum of Play, que, em 2019, incluiu o Microsoft Solitaire no Hall da Fama dos Videogames (World Video Game Hall of Fame), reconhecendo a importância do jogo não apenas na popularização do uso do mouse ou de computadores, mas como parte fundamental da história dos videogames.

Entre janelas e maçãs

Já para o desenvolvedor Wes Cherry, apesar do orgulho de ter desenvolvido um dos games mais jogados do mundo, a inclusão de Paciência no Windows não lhe rendeu nenhum centavo adicional além do que já recebia como programador estagiário.

E, por ironia do destino, o desenvolvedor que ajudou a popularizar o Windows hoje trabalha com “apples”: Cherry saiu da área de TI e fundou, junto à sua esposa, a empresa Dragon’s Head Cider, em que planta maçãs e as utiliza na fabricação de cidras em Vashon Island, no estado de Washington, EUA.


Revisão: Juliana Paiva Zapparol
Referências: CNN, The Verge e Britannica

Entendo videogames como sendo uma expressão de arte e lazer e, também, como uma impactante ferramenta de educação. No momento, doutorando em Sistemas da Informação pela EACH-USP, desenvolvendo jogos e sistemas desde 2020. Se quiser bater um papo comigo, nas redes sociais procure por @RodrigoGPontes.
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