Afterimage se sobressai entre seus pares em dois pontos principais que já destaquei no título: é um dos maiores e mais bonitos que os metroidvanias têm a oferecer. Enquanto a beleza é incontestável, esbanjando suas cores e sons por toda parte, as enormes proporções do mundo são uma faca de dois gumes.
Ao mesmo tempo que a campanha dá muita satisfação em explorar suas centenas de segredos em cenários estonteantes, a longa duração compromete o ritmo da narrativa e pode afastar jogadores que preferem uma experiência mais coesa e direta.
Remanescentes de um mundo destruído
Anos atrás, a terra de Engardin sofreu um cataclismo conhecido como A Destruição. A humanidade quase encontrou seu fim e os remanescentes habitam os locais que ficaram de pé, como a Cidade do Descanso, procurando recursos e pesquisando o que resta do antigo conhecimento mágico.
O centro de todo o imaginário do jogo está no ciclo espiritual de vida e morte, concretizado no Fluxo de Almas, um mar ao qual as almas dos mortos retornam antes de poder assumir nova vida. A representação do mar não é apenas metafórica: Afterimage realmente usa a água como o meio no qual as almas fluem. Esse tema perpassa todo o contexto, enriquecendo a mitologia do mundo.
A protagonista Renee consegue atravessar o fluxo através de árvores espirituais, o que justifica o fato dela sempre retornar da morte, em vez de se misturar ao mar, e poder viajar rapidamente entre lugares distantes. Por isso, ela atua ajudando as almas a seguir seu caminho e também refinando a energia dos cadáveres para que elas encontrem o rumo para o fluxo.
Afterimage significa pós-imagem, uma impressão que permanece depois que o estímulo cessou, como um rastro de algo que não existe mais. No jogo, isso pode ter vários sentidos, mas foi traduzido diretamente como Remanescência para mostrar a fonte dos poderes que Reene aprenderá ao longo da jornada, obtendo-os de almas que já se foram.
A jovem é sempre acompanhada de uma entidade enigmática e desbocada chamada Ifree, responsável pelo humor da história com seus diálogos atrevidos. A moça, no entanto, não tem memórias além de viver com sua senhora, a mestremaga Aros, que investiga a Destruição. O estopim vem no começo da campanha, quando Renee e Ifree presenciam seu vilarejo devastado por chamas e uma garota misteriosa roubando a alma do cadáver de Aros, o que dá início a uma longa busca repleta de mistérios.
Todos os textos estão traduzidos para português brasileiro, mas sofrem de muitos erros ortográficos e de concordância de gênero, carecendo de revisão. A apresentação narrativa traz grandes imagens estáticas dos personagens, que não possuem variações para mostrar suas emoções, mas isso é compensado pelo fato de todas as falas serem dubladas, algo raro em metroidvanias.
Várias vozes em inglês são caricatas, mas sempre podemos perceber o empenho na entonação para caracterizar os personagens, soando de forma que, no geral, é um bom trabalho e uma bela adição ao jogo que o estúdio chinês Aurogon Shanghai conseguiu implementar após a campanha de financiamento coletivo em 2022. Também estão disponíveis dublagens em japonês e chinês.
Mesmo destruída, Engardin continua linda
Vamos direto ao ponto: Afterimage é um dos metroidvanias mais bonitos que há. Eu diria que, nesse aspecto, ele fica atrás apenas de Ori and the Blind Forest e sua maravilhosa sequência. Os cenários pintados são impressionantes em suas cores vívidas e detalhes abundantes; são também profundos, com camadas à frente do plano principal e várias outras por trás, dando sensação de grandeza e movimento aos ambientes.
A vegetação revela o cuidado dos artistas em fazer Engardin esbanjar uma natureza vistosa, transbordando em ramos, galhos e flores em toda parte. Os inimigos também chamam atenção com sua variedade estética e são tão detalhados que, por vezes, tive que me aproximar da tela para entender como alguns são exatamente. Na verdade, todos os elementos gráficos são minuciosos e se adequam às peculiaridades de cada área, construindo locais ricos e coerentes.
Infelizmente, é perceptível que a resolução dos elementos de cenário nem sempre condiz com o refinamento das ilustrações, gerando algumas texturas pixelizadas, principalmente quando estão em primeiro plano. Isso apenas arranha ocasionalmente a execução da direção de arte de Afterimage, que é seu maior destaque, mas não o único.
As músicas, em geral, seguem a doçura e melancolia que embala os cenários deslumbrantes, combinando muito bem para fazer da permanência naquele mundo algo ainda mais mágico e misterioso. Sem dúvida, com tanta exuberância, Engardin é um lugar agradável de se estar e me fez querer ver o máximo do que o jogo tem a oferecer, apesar de como o conteúdo pode ser excessivo e levar a algumas falhas.
Mais pode ser menos
Voltando à faca de dois gumes, a história de Afterimage acaba sendo atrapalhada pela estrutura do mundo, que quebra o ritmo. Em vários momentos, senti-me apenas passando de uma área à seguinte sem qualquer contexto, alheio ao motivo de estar ali ou mesmo de saber se estava mais próximo do objetivo central.
Engardin é enorme. Após mais de 30 horas de jogo, ainda me deparei com áreas inteiramente novas para desbravar. Há mais de 20 áreas e a maioria tem as proporções da que você pode ver na imagem abaixo.
São dezenas de chefes e centenas de itens, então é muito bom que o mapa tenha o recurso de indicar a quantidade total de cada área para facilitar o gerenciamento do que já foi encontrado e quanto falta. Além disso, desde o começo o jogador tem várias opções de marcadores para aplicar lembretes ao mapa, o que eu recomendo fortemente que seja feito sempre que você encontrar algo inacessível.
Muito do material é opcional para a campanha, mas, na verdade, mesmo o que não é obrigatório será necessário ao progresso da maioria dos jogadores para conseguir subir de nível e sobreviver às áreas mais avançadas devido aos seus requisitos muito altos. Para quem gosta de explorar, como eu, isso não será um problema de verdade, mas atrapalha a conexão do jogador com a linha narrativa principal.
O progresso começa cadenciado em missões menores, mas a campanha não demora a apontar um objetivo muito distante que interrompe esse fluxo, passando a funcionar quase como um mundo aberto no qual você apenas explora a esmo até eventualmente esbarrar com o próximo ponto da trama. Esta fica diluída em um mapa gigantesco, o que diminui o impacto da linha narrativa na experiência como um todo.
Isso não é problema em jogos incríveis como Hollow Knight e Elden Ring, em que você se sente vasculhando um mundo enorme na busca por um objetivo longínquo, mas em Afterimage essa sensação entra em contradição com a proposta de conduzir uma narrativa mais focada, que traz Renee e Ifree conversando entre si e com outros que encontram pelo caminho na intenção de que o jogador entenda o desenrolar da trama.
Excesso supérfluo
Os problemas das proporções não param por aí e afligem também a progressão de personagem. Por exemplo: estranhamente, Renee inicia apenas com o dash para trás, e não para frente, que é importante como esquiva nas lutas. Isso parece uma habilidade recortada para ser apresentada posteriormente como recompensa de progressão, mas que, no fundo, só torna o combate das primeiras horas um tanto desengonçado e lento.
Ainda, para manter o fluxo das melhorias da protagonista, ela tem uma árvore de habilidades com ramificações para cada tipo de arma e outros upgrades pouquíssimo generosos, chegando a desbloquear aumentos de parâmetros de apenas 1%.
O design da árvore também é limitado pelo design de RPG: a evolução de nível é requisito para acessar algumas melhorias, o que torna o crescimento linear, sem requerer planejamento nem dar margem para gerenciamento de builds para além de focar em suas armas de escolha.
As centenas de equipamentos também seguem a lógica linear e a maioria das armas e armaduras se tornam obsoletas assim que encontramos outras com números mais altos. Também os acessórios fornecem bônus humildes de 2 a 5% e sua escolha não faz grande diferença.
Afterimage tem até uma mecânica de melhoria de armas com o uso de itens, o que, na prática, é irrelevante. Ainda posso citar como excesso supérfluo as dezenas de tipos de itens que só servem para serem vendidos.
Uma mecânica que ficou aquém do esperado foi a de magias, que nem mesmo merece o nome de sistema. Você equipa um dos artefatos mágicos para obter um ataque a distância que consome muito MP e permite apenas lançar o feitiço míseras três ou quatro vezes. Após isso, é preciso esperar a barra de pontos de magia recarregar; mude de artefato quando conseguir um mais forte, alguns são um pouco diferentes, e pronto. Afterimage tem muito mais pontos fortes que fracos, mas as magias definitivamente são um fraco.
A impressão é que tentaram preencher um jogo colossal com muitas ideias que nem sempre foram bem desenvolvidas e, na verdade, algumas são até desnecessárias e não chegam a comprometer a experiência que, no geral, é rica, profunda e divertida para quem gosta de explorar fantasias deslumbrantes.
Em atualização
Uma atualização de lançamento foi lançada na versão do Steam, mas ainda chegará às plataformas PlayStation, então não pude conferir as mudanças em primeira mão. O que sei é que são melhorias significativas no ritmo inicial da aventura, permitindo que os jogadores encontrem algumas habilidades mais cedo, inclusive a de viagem rápida. Mudanças em hitbox de inimigos, preços de itens e capacidade de inventário também estão na lista desse update. As mudanças decorreram de feedback de jogadores e os devs continuam trabalhando em modificações.
Se é grandioso ou só excessivo, vai depender do que você prefere
O estúdio Aurogon Shanghai certamente criou em Afterimage uma obra de muito empenho e beleza. A intenção de produzir um metroidvania tão vasto e denso nem sempre contribui para o jogo como um todo, mas entrega muito conteúdo digno de ser explorado, admirado e enfrentado.
Os mais curiosos serão recompensados com muitas descobertas em cenários impressionantes, mas os que se incomodam com backtracking e falta de direcionamento podem se frustrar com as grandes distâncias entre os pontos de Engardin.
Prós
- Um mundo muito maior que a média dos metroidvanias;
- Uma infinidade de conteúdos e segredos para descobrir;
- A arte visual requintada, cheia de cores e detalhes, faz cada cenário ser digno de elogios e o jogo como um todo ser um dos mais belos no gênero;
- O combate começa lento, mas se torna um dos pontos fortes, especialmente nos muitos chefes;
- As músicas seguem o tom de beleza do visual;
- A construção de mundo é detalhada e bem desenvolvida, ainda que o ritmo da narrativa seja inconstante;
- Totalmente dublado em inglês, japonês e chinês, algo raro no gênero;
- Textos em português brasileiro.
Contras
- A longa duração e a abertura da campanha afetam o fluxo da narrativa, deixando-a dispersa e um tanto confusa;
- O mapa enorme e a limitação de viagem rápida podem tornar o backtracking um ponto negativo a quem quer uma experiência mais coesa;
- Alguns sistemas têm relevância reduzida e não contribuem ao jogo como um todo;
- Resolução baixa em algumas texturas de cenários;
- Diversos erros ortográficos em português.
Afterimage - PS4/PS5/XBO/XSX/PC/Switch - Nota: 8.5Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Modus Games