Análise: Com GrimGrimoire OnceMore (PS4/Switch), a Vanillaware revisita as próprias origens

Reedição do primeiro game do estúdio para PlayStation 4 e Switch se adequa a um game design moderno, mas segue pouco convidativo no gênero.

em 29/04/2023


O conceito de “aprendiz de feiticeiro” remonta, pelo menos, desde a idade média, uma vez que Goethe escreveu uma poesia em 1797 com esse nome. Exatamente um século mais tarde, o compositor francês Paul Dukas compôs um movimento sinfônico inspirado pelo poema em questão para, 40 anos depois, a Disney unir as duas produções em uma espécie de videoclipe em Fantasia, quando Mickey Mouse veste o chapéu de seu mestre e perde o controle de sua mágica ao animar uma vassoura para ajudá-lo nas suas tarefas braçais.


GrimGrimoire, por sua vez, foi um dos primeiros jogos da Vanillaware (que posteriormente também produziu Muramasa: The Demon Blade, 13 Sentinels: Aegis Rim e Dragon’s Crown) e se utiliza desse conceito em um jogo de estratégia em tempo real ao colocar uma jovem feiticeira como sua protagonista. Lançado originalmente em 2007 para PlayStation 2, o título finalmente conseguiu se libertar de seus grilhões em uma nova edição remasterizada para PlayStation 4 e Switch com GrimGrimoire OnceMore.



Lillet Blan e o Feitiço do Tempo

Nossa aventura começa com uma garota chamada Lillet Blan, a mais nova caloura da Silver Star Tower, nossa escola de magia comandada por um mago poderosíssimo à la Merlin chamado Gammel Dore. É nessa torre que a garota provinciana irá desenvolver seus talentos mágicos e se envolver em uma trama com direito a um feiticeiro das trevas caído almejando seu retorno e viagem no tempo à moda de Feitiço do Tempo (no original Groundhog Day, aquele filme em que o personagem do Bill Murray se vê revivendo o mesmo dia infinitamente).

Embora essa premissa pareça simples, GrimGrimoire consegue desenvolvê-la com uma complexidade na medida certa, estabelecendo uma trama interessante e envolvente, trabalhando com muita propriedade os personagens apresentados, que variam entre colegas de turma e professores da Silver Star Tower.

Essa dinâmica de retroceder no tempo acaba fazendo com que Lillet Blan tenha que correr para colocar um ponto final na presença maligna do Arquimago Calvaros e, assim, salvar a convivência com seus colegas e o resto de seu aprendizado em bruxaria.



Seu próprio exército de minions!

A jogabilidade de GrimGrimoire acontece toda em tempo real e se baseia em um sistema de invocação em que é necessário coletar mana para invocar novos monstros e familiares que poderão ter várias funções no mapa, seja defendendo alguma posição de acordo com as ordens do jogador, seja ativamente buscando “ninhos” de inimigos para serem erradicados.

Assim, a jogabilidade do game gira em torno de gerenciamento, lançamento de feitiços e combate estratégico. O jogador deve administrar seus recursos, como mana, tempo e produção de unidades enquanto invoca criaturas, pesquisa feitiços e constrói estruturas para defender seu espaço ao mesmo tempo em que manda unidades de batedoras para explorar o mapa (que normalmente fica oculto ao jogador) ou para dar cabo das invocações adversárias.

Para isso, existem quatro tipos de grimórios que seguem um esquema similar a outros RPGs ou jogos de estratégia que se utilizam do ciclo de papel-pedra-tesoura para determinar o equilíbrio entre os poderes. Durante os estágios, o jogador pode selecionar um que corresponda entre os tipos disponíveis (Alchemy, Glamour, Necromancy e Sorcery) e ativá-lo através de um círculo mágico.




A partir daí, é necessário encontrar as fontes de mana e invocar criaturas capazes de coletá-la, o que permitirá novas invocações, seguindo sucessivamente. No começo, a dinâmica se mostra bem simples para permitir que o jogador se acostume com tantas botões e opções, sendo possível completar a maior parte dos desafios simplesmente invocando familiares que batessem forte o suficiente para abrir espaço nos mapas.

No decorrer da campanha, entretanto, a dificuldade vai dando seus saltos e vai se tornando cada vez mais necessário se utilizar de estratégia e agilidade para coordenar as dezenas de unidades que podem ser invocadas. A variedade de grimórios e familiares possíveis de serem invocados só deixa a situação ainda mais caótica (de uma maneira positiva), visto que também há árvores de habilidade individuais que permitem a evolução contínua das unidades.

No caso das árvores de evolução, nota-se que elas são uma das principais novidades dessa iteração moderna do título, uma vez que, no original, tais habilidades eram desbloqueadas com a própria progressão da campanha, sem depender que o jogador siga pelo caminho e selecione as técnicas de acordo com o perfil de jogo que preferir.




Durante as partidas, há também um relógio correndo que normalmente determina o tempo faltando para completar os objetivos que condicionam a vitória. Algumas fases, inclusive, duram mais de vinte minutos dessa maneira. Por sorte, é possível acelerar o relógio para fazer com que esse mesmo tempo passe mais rápido, algo que também é uma novidade de OnceMore. Bem-vindo como é, tal recurso é um exemplo claro de que um relançamento de um jogo antigo precisa sempre sofrer reajustes para que ele consiga se adequar a novas filosofias de game design e, assim, tornar a experiência cada vez mais atemporal.

Enquanto isso, nos corredores do castelo...

Visualmente, GrimGrimoire é um desbunde, com as ilustrações e trabalho de sprite característicos da Vanillaware, um dos principais bastiões da jogabilidade 2D depois que a indústria abraçou de vez os gráficos e ambientes tridimensionais. Os ciclos de animação de cada unidade são impressionantemente fluidos e passaram por um processo de remasterização muito competente para a edição OnceMore.

Entretanto, nota-se que, enquanto há uma diversidade sólida de unidades com poderes e atributos a serem utilizadas durante as partidas, o mesmo infelizmente não pode ser dito dos cenários. Não é incomum que o jogo logo se torne visualmente cansativo por conta das mesmas estruturas arquitetônicas com paletas de cores bem parecidas entre si, dando a impressão de estar jogando sempre a mesma fase em um looping infinito (o que é uma ironia, dado o enredo do jogo).




Outro problema dos mapas envolve também o manejo das unidades através dos corredores. Com dezenas de unidades invocadas e próximas umas das outras, não é incomum que elas se sobreponham umas às outras, o que dificulta a seleção para eventualmente ordenar algum comando. Existem comandos no controle que facilitam a organização dos familiares, mas não muda o fato de que esse seria um título que teria se beneficiado muito mais no PC, sendo controlado por mouse e teclado do que com um controle.

Com isso em mente, tal tipo de jogabilidade, que exige um manejo mais acurado por parte do jogador, acaba tornando GrimGrimoire um título pouco acessível para o público amplo, já que é necessário um tipo de atenção mais voltado para o gênero em questão.

Uma pérola pouco convidativa das origens da Vanillaware

Apesar dos defeitos pontuais, o que vale de GrimGrimoire OnceMore é que ele é um representante muito capaz dentro de seu gênero, mas ainda um produto bem pouco convidativo para um público mais amplo. Ainda assim, é uma entrada de respeito no catálogo da Vanillaware.

Prós

  • Trama bem desenvolvida e relativamente fácil de acompanhar por conta da escrita bem competente;
  • O sistema de invocações no qual todo o gameplay se sustenta é complexo e diversificado na medida certa;
  • Novidades da edição OnceMore fizeram um bom trabalho ao adequá-lo a filosofias modernas de game design;
  • Trabalho de remasterização visual é impecável e faz jus ao histórico da Vanillaware nesse quesito.

Contras

  • Manejar várias unidades ao mesmo não é fácil com um controle, mesmo que o jogo tente sanar ao introduzir uma série de comandos para filtrá-las;
  • Impressão de similaridade entre os estágios torna o jogo um pouco entediante.
GrimGrimoire OnceMore —Switch/PS4 — Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: PlayStation 4 
Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut
Análise produzida com cópia digital cedida pela NIS America

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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