Tive a oportunidade de experimentar um pouco do início da campanha no PC e observei um retrato da adolescência desses personagens. Misturando aventura textual com fases rítmicas no limiar entre abstração e concretude, o que pude notar é uma experiência marcada pela música, rebeldia e por um momento importante de decisão de alinhamento político em um mundo distópico.
Dois adolescentes de mundos distintos
No país Petria, White Sands é uma área reservada à elite nacional. É nela que vivem os políticos mais importantes, enquanto indivíduos menos abastados só são mantidos nas proximidades para realizar os trabalhos braçais necessários para a manutenção do lugar. A entrada é bastante restrita e cartazes de propaganda governamental estão espalhados por todos os cantos, alguns dos quais contam com dizeres que incentivam a vigilância e o controle dos vizinhos.
Em meio a isso tudo, dois adolescentes se tornam grandes amigos. De um lado, Zoe é a filha de um dos ministros mais importantes de Petria e uma figura bastante conhecida em White Sands devido à posição social de seu pai, mas também por suas travessuras. Do outro, Kaito é um rapaz que veio de fora junto com sua família para trabalhar nessa área.
Mesmo com atitudes às vezes muito parecidas e uma afinidade forte, Kaito é visto pelos moradores como um arruaceiro, enquanto Zoe parece ser tratada de forma mais amena. Durante o primeiro ato, acompanhei a história pelos olhos dela, mas a expectativa é ver também mais sobre a situação de Kaito no jogo completo. Há alguns indícios das complicações da vida dele e Zoe até chega a desconfiar de seu amigo por conta de algumas atitudes suspeitas que devem ser melhor explicadas no produto final.
O laço de amizade entre os dois é um ponto importante da trama e um forte fator para moldar o futuro deles. O jogo curiosamente tenta mostrar uma discussão entre os dois, com Kaito tentando explicar a Zoe o que ele sabe sobre o mundo fora de White Sands, em uma fase musical chamada “Mundos Separados”. Ela brinca com o posicionamento do jogador como uma representação do conflito da garota para acreditar no seu amigo em detrimento ao que sempre foi ensinada em casa.
Confesso que não fiquei muito convencido da distinção de posicionamentos entre os dois personagens durante a prévia. Entendo que a personagem ter atitudes rebeldes só diz de um desejo por mais liberdade, algo típico de sua idade, e não precisa estar associado a uma vontade de ir contra o sistema. Porém, a condução pareceu um pouco artificial, forçada para que haja esse choque de mundos sem uma coerência lógica ou emocional com as atitudes da Zoe de modo geral.
Quero ver como isso irá se desenvolver no resto da campanha através do sistema de escolhas. No canto superior esquerdo da tela, há uma barra que indica o alinhamento da personagem. De um lado, as decisões parecem estar relacionadas ao desejo de que as coisas continuem dentro do controle e aparente segurança do governo de Petria; do outro, a vontade de ir contra essa estrutura e lutar pela sua liberdade. Futuramente, a estrutura narrativa deve sofrer um impacto significativo dessa polarização de escolhas, mas ainda não foi possível ver isso.
O que de fato deu para notar é que há tópicos políticos como desigualdade social, destruição ambiental e a relação da mídia com a sociedade massificada. Esses assuntos são até naturais para o contexto da trama, então resta ver se eles serão discutidos mais a fundo na trama.
Explorando o mundo com música
Um detalhe que chama bastante a atenção em Mile 0 em comparação com outros jogos de aventura narrativa é como a obra implementa as fases musicais. A ideia é que alguns eventos da trama são representados como um jogo rítmico que brinca com os fatos concretos (ser perseguida por um guarda-costas, por exemplo) e adiciona elementos fantásticos à sua representação, como uma versão gigante do perseguidor ou carros que parecem ter posições meticulosamente arranjadas como obstáculos.A mistura desses estilos é bem agradável e especialmente representativa da fase da vida dos protagonistas. Para dois adolescentes no processo de entender o que querem fazer com o seu futuro e buscando um lugar no mundo que não seja aquele pré-determinado pela sociedade em que vivem, é bastante natural a criação de vínculos com as músicas. É uma fase da vida em que isso é bem comum.
Além disso, é possível dizer que essa combinação é uma forma de mostrar como os mundos dos dois personagens se cruzam através das mecânicas. Kaito vem originalmente de Lost in Harmony, um runner com elementos rítmicos, enquanto o jogo em que Zoe estava presente, o Road 96 original, é uma obra focada em narrativa.Com essa visão estilizada de suas “aventuras”, temos uma forma de sentir a experiência desses dois indivíduos de uma forma muito mais próxima do que o uso exclusivo de palavras e cutscenes permitiria.
No primeiro ato, também tive acesso a alguns minigames que, embora tenham parecido pouco relevantes, ajudaram a desenvolver a personalidade de Zoe e Kaito, como a vez em que Zoe decide entregar jornais e pode causar muita bagunça derrubando as pessoas no caminho.
Potencial para repensar sobre o presente e o futuro
Já em seu primeiro ato, Road 96: Mile 0 mostra o potencial de ser uma aventura envolvente, com discussões interessantes sobre como é a vida em uma sociedade distópica. Com o jogo já chegando ao PC, PS4, PS5, XBO, XSX e Switch no dia 4 de abril, provavelmente restam apenas alterações pontuais para o seu lançamento.Tópicos como desigualdade social, destruição ambiental e distorção midiática em prol de propagandas do governo fazem parte desse pequeno trecho. Resta saber se a trama conseguirá dar espaço efetivo para as escolhas do jogador, bem como se o desenrolar dos acontecimentos será satisfatório para o que foi proposto até aqui.
Revisão: Davi Sousa
Texto de impressões produzido com cópia digital cedida pela Ravenscourt
Screenshots fazem parte do material de divulgação da empresa