Análise: Mato Anomalies (Multi) se esforça para ser um Persona, mas fica na tentativa

Embora tenha as melhores intenções, o RPG desenvolvido pelo estúdio Arrowiz sai prejudicado por conta da falta de acabamento.

em 23/03/2023


Há alguns meses, eu analisei Gungrave G.O.R.E. (Multi). Apesar de ter adorado a visão do jogo, que faz uma ode a um estilo de game design característico da sexta e do começo da sétima geração de consoles (às quais seus antecessores pertenciam), considerei-o um pouco problemático pelo fato de tal homenagem não ter entendido que, embora a filosofia da época funcionasse naquele momento, ainda haveria ajustes necessários para serem reutilizados atualmente.


Certo, e o que isso tem a ver com Mato Anomalies? No caso, ambos os jogos foram lançados sob a curadoria da mesma editora, a Prime Matter. Ironicamente, essa mesma problemática de game design anacrônico se faz presente nesse RPG, que tenta trazer uma estética cartunesca asiática para um universo futurista à Blade Runner.



Neofuturismo sólido, embora sem surpresas

Mato é uma cidade oriental neofuturista. Nela, um detetive particular chamado Doe estabeleceu uma rede de clientes e contatos, dentre os quais está Nightshade, uma espécie de informante que gerencia o Hotel Telosma, um dos principais centros do jogo.

Certo dia, Doe é intimado a investigar uma carga de importação que chegaria a Mato, mas acaba dando de cara com o sobrenatural ao ser dragado para dimensões paralelas chamadas Lairs, regidas por monstros conhecidos como Bane Tide.

Em sua primeira incursão, Doe acaba sendo salvo por uma figura misteriosa chamada Gram, que também tem como objetivo acabar com os Bane Tides, o que faz com que o investigador e o samurai se tornem uma dupla clássica das histórias de detetive, com cada um representando, respectivamente, cérebro e músculos.







A partir daí, Mato Anomalies se separa em dois momentos de jogabilidade distintos. Um deles se passa em Mato, onde controlamos Doe de forma mais direta, fazendo contato com clientes e informantes para desenrolar os mistérios envolvendo os Lairs e os Bane Tides, que têm o poder de influenciar diretamente os cidadãos do local.

Nessa etapa, Doe também pode utilizar uma espécie de luva de alta tecnologia capaz de penetrar na mente de outras pessoas, o que, em termos de gameplay, significa ter que vencer um minigame com uma pegada que lembra, por cima, Slay the Spire (Multi).

As cartas têm cada uma seu efeito específico (como causar dano, amplificar a força das cartas seguintes, aumentar a defesa, etc) e devem ser usadas para reduzir os pontos de saúde mental do oponente a zero. Entretanto, enquanto o inimigo pode atacar e desgastar o nosso HP a zero, ele também recebe suporte de outros demônios mentais que trazem suas próprias variáveis para o combate, como recuperação de vida, redução e absorção de dano.




Desta forma, é necessário aprender e dominar as características de cada um dos decks pré-determinados, representados por outros personagens, para avaliar as situações que nos são apresentadas e, então, escolher o melhor baralho, aplicando alguma estratégia eficaz.

O outro momento de jogabilidade se dá quando as missões principais e secundárias da campanha nos levam a explorar os Lairs. Praticamente gritando "mamãe, quero ser Persona", essas sequências são bastante similares a toda a metassérie da Atlus (que envolve também Megami Tensei, Shin Megami Tensei, Devil Summoner, etc) tanto na estrutura de dungeon crawling quanto na própria atmosfera, com seu design de inimigos bastante sinistros.

O problema principal desses momentos de exploração é a linearidade das fases, mais um sintoma dessa filosofia arcaica de game design aplicada em Mato Anomalies. Embora elas não sejam literalmente corredores, o jogador não tem outra opção senão seguir sempre pelo caminho adiante, ocasionalmente entrar em seções que guardam um item diferenciado e são protegidas por monstros. Os mapas são simples demais e a disposição dos inimigos e dos itens não traze variedade ou dinamismo à experiência exploratória.





Adicionalmente, não há encontros aleatórios, o que nos força a enfrentar todos os inimigos pelo caminho, já que não dá para evitá-los. Essa linearidade nos faz questionar até mesmo a curva de dificuldade e a aquisição de experiência, com o intuito de oferecer algum desafio. Com exceção da opção de ignorar ou não as missões secundárias ou de fazer as dungeons extras, fica a dúvida se é realmente possível ficar acima ou abaixo do nível recomendado ao longo da campanha.

No máximo, o maior exemplo de diversidade é o recurso de gerar Lairs proceduralmente, bebendo novamente de Persona ou mesmo Disgaea. Esses níveis aleatórios com certeza são mais complicados do que os principais, mas seria muito mais interessante se a dificuldade fosse aplicada diretamente na campanha.

Assim, os vários capítulos seguem uma estrutura bastante básica que envolve Lairs a serem explorados e novos aliados que vão entrando para o time. Como qualquer sistema padrão de RPG, é necessário montar nossa party e ir evoluindo os personagens para que eles melhorem seus atributos e ganhem novas habilidades. Nenhum sistema realmente diferenciado aqui.



Design retrô: homenagem ou limitação?

Como já constatado, Mato Anomalies é um RPG com um game design que nos remete à era do PlayStation 2 e começo do PlayStation 3. A filosofia de design, então, vai desde o supracitado sistema simplório de combate, passa pelas estruturas lineares das dungeons e acaba chegando até mesmo ao acabamento visual e polimento das animações.

Contudo, quando eu menciono "acabamento visual de sexta geração", me refiro aos jogos exemplares nesse aspecto. Naquele instante, enquanto os gráficos ultrarrealistas em alta definição não eram exatamente a coisa mais fácil ou prática de se fazer. Já havia bastante recurso para desenvolver estilos artísticos variados com maestria, como é o caso de The Legend of Zelda: The Wind Waker (GC) ou Okami (PS2/Wii), que permanecem agradáveis aos nossos olhos até hoje.

Mato Anomalies é bastante similar sob esse ponto de vista. Ele não é necessariamente super detalhado, realista ou sequer moderno, mas dentro de sua proposta cartunesca, é certamente muito agradável, acima da média para jogos de escopo similar.




Por exemplo: os modelos, seja dos mapas ou dos personagens, não exalam complexidade, mesmo para os padrões de hoje, mas a aplicação do design de personagem, bem como a identidade visual e atmosfera, acabam criando um jogo quase que à prova de envelhecimento, como os citados no parágrafo anterior, dadas as devidas proporções e impacto às suas respectivas épocas.

Assim, o game se sustenta puramente por sua identidade visual no todo, uma vez que isso também faz parte da narrativa e consegue maquiar um pouco a jogabilidade arcaica. Se os desenvolvedores tivessem cometido erros na construção dessa atmosfera, Mato Anomalies provavelmente seria intragável e datado logo em seu lançamento.

A única decisão estética realmente questionável é em relação a alguns NPCs aleatórios que foram ilustrados sem olhos. Qual é o motivo disso? Não havia necessidade prática alguma. Se é para destacar ainda mais os personagens principais, isso está errado, já que um título desses teria que confiar no carisma do design de personagem dos seus protagonistas — que não é ruim, ressalta-se.




Agora, um ponto visivelmente atrasado na execução e que certamente se beneficiaria de técnicas mais modernas é a qualidade das animações. Enquanto as exposições estáticas em formato de história em quadrinhos funcionam bem, as cutscenes em si e as movimentações ativas dos personagens poderiam ter recebido um acabamento mais consistente.

Algo bastante incômodo é a passada desregulada dos personagens principais. Quando essa característica não é ajustada adequadamente, o modelo na tela parece estar "deslizando" enquanto anda, como se não tivesse peso em seus passos e não percorresse a distância correta de acordo com o tamanho de cada passo. Se essa questão fosse corrigida, a percepção do movimento geral pelo jogador seria muito melhor.

Outra característica do passado que deveria ter ficado lá é o uso constante de paredes invisíveis e recursos baratos e inorgânicos para evitar que o jogador acesse certas localidades. Impedir que o personagem entre em determinados lugares simplesmente separando-os por um degrau é uma ideia meio constrangedora, que debocha da cara do jogador.




Em relação a outros tropeços, Mato Anomalies até busca contorná-los. Embora não sejam soluções definitivas, é perceptível que a equipe de desenvolvimento está ciente dos problemas e tenta mitigá-los de alguma forma.

Como o jogo sabe que o próprio combate é tão simplista que pode ficar enfadonho, ele decidiu inserir um mecanismo de batalha automática como compensação. Pode parecer algo meio sacana, uma vez que o correto seria tentar trabalhá-lo melhor, mas se Disgaea 6 (Multi) fez isso mesmo sendo uma marca forte, não vejo o que impede um modesto indie de fazer o mesmo. Ainda assim, poderia haver uma melhora no sentido de trazer a possibilidade de configurar, em termos táticos, algumas das ações nessa modalidade.

A falta de equilíbrio nos trechos de batalhas mentais através do jogo de cartas também foi reconhecida. Embora haja a opção de pulá-las completamente, isso pode ser mais frustrante do que a solução das batalhas automáticas, já que simplesmente sugerir fugir do problema sem o estímulo para resolvê-lo pode parecer um pouco ofensivo.




No fundo, parece até que Mato Anomalies está completamente ciente de seus defeitos. Como provavelmente não seria possível saná-los — e, se foi por falta de tempo, expertise técnica, mão de obra ou ainda vontade, segue uma incógnita —, ele remedia a si próprio com paliativos pontuais que certamente tornam a experiência mais consistente, embora não inócua. Ainda nessa analogia médica, é como se ele tivesse escolhido não fazer uma cirurgia para se curar definitivamente e preferisse tomar medicamentos pelo resto da vida.

Um RPG com boas intenções, mas falta singularidade

Em resumo, Mato Anomalies não é um jogo ruim, mas a impressão que fica é que tudo nele poderia ser significativamente melhorado. O combate funciona, mas falta variedade e algum sistema que o diferencie dos demais exemplares do gênero.

A história é interessante e consegue entreter, mas falta alguma ideia singular que a torne única. A apresentação consegue carregar o título, mas poderia ter recebido um acabamento mais atencioso para tornar tudo ainda mais cativante.




Dito isso, mesmo que Mato e Gungrave G.O.R.E tenham sido tocados independentemente por estúdios diferentes — ou seja, pura coincidência —, é muito curioso como ambos compartilham dos mesmos problemas e ainda têm a mesma empresa tocando o serviço de colocá-los efetivamente no mercado.

E aí, o que eu disse sobre o shooter lá em novembro do ano passado também vale para esse aqui: por mais que eu tenha adorado me aventurar por Mato e pelos Lairs, chega a ser um pouco complicado recomendá-lo para além de seu nicho, que, no caso, é o de amantes de RPGs com uma pegada animezona que já se aprofundou bastante no iceberg temático, uma vez que, para o público mainstream, a simples recomendação de um Persona já dá conta do recado por ser um produto bem mais consistente no geral.

Prós:

  • Construção atmosférica no ponto;
  • História que joga seguro dentro de seu contexto;
  • A apresentação carrega a maior parte do jogo nas costas.

Contras

  • Repetitivo como um todo, carece de diversidade;
  • Faltou acabamento nas animações;
  • Não tenta se sobressair com individualidades diante de jogos mais competentes no mercado.
Mato Anomalies — PS5/PS4/XBO/XSX/PC/Switch — Nota: 6.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Prime Matter

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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