Tchia é uma maravilhosa aventura de mundo aberto que foi lançada ontem (21) para PC, PS4 e PS5, já inclusa no PlayStation Plus Extra/Deluxe. Junto com o pequeno estúdio Awaceb, o diretor Phil Crifo criou uma versão de fantasia contemporânea baseada em sua terra natal, Nova Caledônia. Esse arquipélago é um território francês na Melanésia, no Oceano Pacífico, e foi feito um incrível trabalho para transformá-lo em um jogo rico, criativo e belíssimo.
GameBlast: Você deve estar bem ocupado na reta final para o lançamento de Tchia na próxima semana. Muito obrigado por ceder do seu tempo para a entrevista. Primeiro, que tal se apresentar?
Phil Crifo: O prazer é meu! Obrigado por me receber. Sou Phil, cofundador e diretor de jogos da Awaceb. Somos um pequeno estúdio com sede em Montreal [no Canadá]. Eu sou originalmente da Nova Caledônia, uma pequena ilha francesa no meio do Oceano Pacífico.
GB: Agora, vamos começar do início: como surgiu a ideia de Tchia e como o jogo tomou a forma que tem hoje?
PC: O ponto de partida da filosofia de design de Tchia vem das maravilhas de explorar e passear quando [eu era] criança. Ao pensar nisso e na infância em geral, a primeira coisa que vem à mente geralmente é correr, escalar coisas, pular para cima e para baixo. Apenas se movimentar e explorar seu ambiente quando criança é incrivelmente divertido e queríamos emular esse sentimento no jogo.
GB: Podemos ver o DNA de The Legend of Zelda: Breath of the Wild em Tchia. Que outros jogos são sua fonte de inspiração?
PC: Sim, há um lado da Tchia que partilha um DNA comum com a série Zelda no sentido de que ambas partem da ideia de contar uma história épica baseada em fantasias infantis. Miyamoto diz que Zelda foi inspirado por seu tempo explorando cavernas quando criança, da mesma forma que Tchia foi inspirado por minha infância crescendo em Nova Caledônia e pela inocência e leveza que isso implicava. Fora isso, não acho que pretendíamos emular um jogo ou gênero muito específico, foi mais um caso de abordagem do tipo "o que funciona aqui e pode funcionar para Tchia".
GB: A mecânica de Transferência de Alma é central para Tchia e o diferencia de outras aventuras de mundo aberto. Como essa mecânica entrou no projeto e como você decidiu que funcionaria até mesmo em cocos e bananas?
PC: A mecânica de Transferência de Alma passou por várias versões ao longo do desenvolvimento; primeiro foi uma habilidade simples de telecinese, depois evoluiu para possessão, mas Tchia permanecia no lugar; então, atingiu sua versão final, na qual Tchia realmente se transporta para dentro do alvo.
Isso foi inspirado pelo fato de que o folclore e as lendas da Nova Caledônia costumam girar em torno de metamorfos, animais antropomórficos, animais falantes etc. Então, isso pareceu tematicamente apropriado, além de ser super divertido.
Com Tchia, o objetivo desde o início era construir um jogo que parecesse uma caixa de brinquedos. Queríamos que ele imitasse a sensação de ser uma criança e mexer nas coisas, e a física desempenha um papel importante nisso. Nós projetamos a Transferência de Alma com isso em mente, e restringi-la a apenas um punhado de objetos não parecia fiel à nossa filosofia de design, então queríamos torná-la possível para quase todos os itens e animais que você pudesse descobrir.
GB: Tenho algumas perguntas sobre Nova Caledônia. Você sempre enfatiza que o Tchia é um jogo sobre sua terra natal. Está no subtítulo, no nome do estúdio, em cada trailer e também na introdução do jogo. O que isso significa para você e a equipe? Você considera o próprio jogo um produto ficcional da expressão artística e cultural de Nova Caledônia?
PC: Do ponto de vista da construção do mundo, Nova Caledônia oferece uma fonte de inspiração muito rica e única, sejam paisagens, flora, fauna, tradições, idiomas, música… Acho que o aspecto mais proeminente dessa influência cultural, quando você inicia o jogo, é o fato de que todos os diálogos que você ouvirá estão nos idiomas locais: Drehu e francês. Isso dá a impressão de que você está embarcando em um novo tipo de aventura, em um mundo novo e original.
Acima de tudo, queríamos muito fazer um jogo que ressoasse com qualquer pessoa no mundo. Ao referenciar demais Nova Caledônia ou muito especificamente, correríamos o risco de alienar um público mundial que não está familiarizado com a ilha. Portanto, embora existam alguns paralelos, Tchia ocorre em nossa versão fantástica da Nova Caledônia, onde nomes de lugares, pontos de referência e personagens são todos fictícios, mas suas inspirações do mundo real ainda brilham.
Não queríamos atender apenas aos locais, mas também não queríamos fazer disso um anúncio de turismo. Foi uma linha tênue, mas estou super feliz com o resultado, acho que acertamos. Aqui está um exemplo de como recriamos um dos marcos do jogo, baseado [na formação rochosa conhecida como A Galinha] em Hienghène.
GB: A Nova Caledônia é um território francês. O que isso representa hoje, do ponto de vista das relações históricas e coloniais? Você e Thierry Boura são descendentes de europeus, mas o foco de Tchia é mais em outras etnias do arquipélago. Como essa pluralidade de diferentes povos reflete em sua identidade como neocaledônios?
PC: O clima político em torno da independência da França pode ser bastante tenso em Nova Caledônia. Houve um referendo há alguns anos que resultou na permanência sob o guarda-chuva francês, mas foi um período bastante intenso. Saí de lá quando tinha 19 anos, então tive a oportunidade de passar um tempo longe, dar um passo para trás e perceber toda a riqueza de Nova Caledônia. Acho que a maioria dos moradores que não viajam nunca percebe a sorte que tem, aquele é um lugar incrível para se viver.
Tchia apresenta uma protagonista [do povo] Kanak, mas nós realmente tentamos fazer um jogo que representasse as várias culturas contemporâneas de Nova Caledônia; essa riqueza é o que eu acho que a torna um lugar tão inspirador para basear uma história. Você conhecerá personagens de várias etnias e isso reflete como foi crescer lá, para nós.
GB: O mar em Tchia é deslumbrante e muito detalhado, moro a 500 metros da praia em uma região tropical do Brasil e posso afirmar isso. Qual a importância do mar para o Awaceb e como foi se mudar da Nova Caledônia para Montreal?
PC: O oceano foi a primeira coisa que abordei quando começamos a fazer o jogo, porque sabia que a aparência da laguna é 90% do que torna um cenário tropical tão único e bonito. Mudar para Montreal (e para a Europa antes disso) definitivamente foi uma verdadeira mudança de cenário, mas depois de passar toda a minha infância em Nova Caledônia. Vejo isso como uma aventura, algo para me manter atento, é realmente empolgante.
Além disso, eu realmente acredito que você só consegue realmente perceber a beleza e a riqueza de um lugar indo embora por um tempo e deixando a nostalgia fazer seu trabalho. Acho que não poderíamos ter feito o mesmo jogo se estivéssemos morando em Nova Caledônia.
GB: Vários pontos do jogo remetem à infância, como ser uma história contada para crianças, a própria idade da protagonista e o clima lúdico. Até as opções de acessibilidade permitem desligar cenas que podem ser chocantes para alguns jogadores (o vilão Meávora foi inesperado!). Desde a primeira vez que vi a Transferência de Alma, sabia que meus filhos iriam adorar. Houve uma intenção de atingir esse público? Além disso, como o estúdio pretendia apresentar seu trabalho para um público mais amplo?
PC: Nunca pretendemos fazer um jogo para crianças. Era mais sobre fazer um jogo sobre a infância. Sempre admirei a forma como os filmes da Pixar podem ter uma leitura dupla, na qual as crianças podem apreciar a bela aventura, mas os pais também podem encontrar significados e temas mais profundos dentro da mesma história. Foi o que tentei fazer com Tchia e ficaria imensamente feliz se o jogo fosse jogado por crianças ao lado dos pais e vice-versa.
GB: Tchia já está polido o bastante para o lançamento. Existem outros planos, como atualizações, ajustes ou novos conteúdos? Um modo de foto seria ótimo em um mundo de jogo tão exuberante (talvez seja o céu mais bonito que já vi em um jogo), ou você acredita que entraria em conflito com a mecânica de fotografia analógica do jogo?
PC: Discutimos muito sobre um modo de foto padrão, mas ainda sinto que a mecânica da câmera de filme serve a esse propósito (embora com um pouco menos de conveniência, mas é isso que dá o charme, em minha opinião). Queremos tornar a experiência o mais suave possível, portanto, corrigir bugs e polir [o jogo] é o foco principal no momento, não queremos que as pessoas sejam distraídas da experiência por causa de problemas técnicos. Fora isso, não posso dizer que temos grandes planos para atualizações ou DLC, mas nunca se sabe!
GB: A PlayStation incluiu Tchia como o único título independente em seu Showcase de 2021, juntamente com muitos AAA, como God of War Ragnarök. Desde então, eles promoveram Tchia em seu canal no YouTube e no PlayStation Blog, incluindo-o no catálogo PS Plus Extra/Deluxe no dia do lançamento. Como ocorreu essa interação?
PC: Ainda não tenho certeza, para ser honesto! (risos) Acho que eles realmente gostaram do jogo no início e, conforme continuávamos refinando e polindo, eles perceberam que talvez fosse melhor do que esperavam. Eu certamente espero que eles estejam felizes com o produto final, porque o suporte deles foi incrível durante o desenvolvimento. Fui uma criança que jogava no PS1 e ainda me belisco ao pensar que mostramos o jogo em enormes apresentações de PlayStation, é irreal!
GB: Estamos no final da nossa entrevista e quero agradecer pelo seu trabalho no jogo e pela sua atenção. Há mais alguma coisa que você queira nos dizer?
PC: Muito obrigado, acho que não tenho nada mais de importante a dizer, então só vou agradecer a todos por lerem isso e jogarem Tchia! Siga-nos nas redes sociais e entre em contato, somos uma equipe pequena e adoramos ouvir pessoas que ressoam com o que fazemos.
Saúde!
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli