Analógico

Como a cartografia é utilizada nos jogos atuais

Começando nos oito bits, diversos métodos foram utilizados para guiar o jogador ao seu objetivo, mas quais são mantidos até hoje e por quê?

Desde o NES, já existiam jogos que utilizavam de georreferenciamento para nos guiar. A questão é que muitos antigamente contavam com a criatividade e capacidade de se referenciar do jogador para que ele fosse sequer jogado. Por que isso mudou e quais as consequências disso?

Conceituando os termos que usaremos

Antes de começar, irei aplicar o conceito de georreferenciamento em um contexto lúdico: basicamente, toda vez que o jogador encontra um ponto de referência comum entre um espaço e o mapa, seja desenhado por ele ou não, ele está se georreferenciando.

Por exemplo:, no começo de The Legend of Zelda (NES), há um rio próximo da primeira área; se mais para frente do jogo passarmos por aquele rio e percebermos que estamos próximos da primeira área, estamos georreferenciados. Seja o mapa utilizado oficial ou desenhado pelo próprio jogador, o georreferenciamento será útil para que ele consiga relacionar o mapa com o espaço em que se encontra.

Nesse sentido, os conhecimentos de geografia, e mais especificamente a cartografia, podem fazer a diferença na forma como os jogadores interagem com os mundos dos jogos. Com o tempo, o design dos mapas e de ferramentas para guiar o jogador foram sendo aprimorados e é importante entender as possibilidades das diversas abordagens do assunto.

Como eram os jogos antigamente?

Durante muitos anos, o referenciamento nos jogos se limitava a, no máximo, descrições — Ou seja, não havia setas no mapa, nem formas de mostrar o caminho. Ou o jogador tinha uma descrição do local aonde ele precisava ir, ou ele não tinha e devia encontrar por conta própria.

Com o passar do tempo, essa escolha de game design foi se aperfeiçoando até chegarmos, por exemplo, a The Elder Scrolls III: Morrowind. Nele, temos um mapa, mas não existem pontos como em Skyrim. Os NPCs descrevem para onde é preciso se dirigir ou simplesmente dizem o nome do lugar. No começo, por exemplo, pedem para que o jogador se dirija a Balmora, uma cidade próxima; basta que ele utilize o mapa para chegar até lá, mas ainda sem setas e pontos.

Existem também casos como os da saga Wizardry, em que é disponibilizado, na caixa, o material para que o jogador desenhe o mapa do jogo. A questão é que, com o tempo, os desenvolvedores perceberam que é mais dinâmico colocar um ponto no meio da tela, mas será que essa é a melhor escolha de game design?

Às custas de imersão, de um tempo para cá, os jogos têm preferido cortar toda a descrição em prol de pontos e setas na tela ou no mapa. Alguns ainda fazem o mínimo, como um NPC dizer que vai adicionar o ponto ''X'' ao mapa, mas outros agem como se o protagonista soubesse a localização exata de absolutamente tudo ou simplesmente entregam essas informações apenas a ele. Como exemplo, podemos citar o jogador sabendo aonde deve ir e o personagem ficando surpreso de ter encontrado a localização, o que também resulta em quebra de imersão.

Alguns jogos recentes buscam mesclar essas escolhas, como Tom Clancy's Ghost Recon Breakpoint, que nos permite escolher se queremos o caminho traçado o tempo todo ou descrições para chegarmos ao objetivo.

Os jogos ficaram mais sofisticados, os mapas também

Existe também uma diferença nos recursos utilizados atualmente nos mapas. Antigamente, os mapas oficiais eram bastante simples, no máximo mostrando a localização de alguns itens. Hoje em dia, eles mostram topografia (relevo do terreno), altitude, temperatura, entre outros detalhes.

Às vezes, estão inclusos até mapas de influência político-militar, como é o caso em Far Cry 4, em que a área de vermelho é o território dominado por Pagan Min; porém, a área não é apenas dominada pelo poderio militar, mas também devido às torres de rádio que propagam um discurso pró-governo e contra o caminho dourado, chamando seus membros de terroristas, denotando também uma influência política na região.

Alguns jogos com level design mais complexo (com maior verticalidade e passagens secretas, por exemplo) tendem a utilizar mapas em 3D. Títulos como Deep Rock Galactic (Multi) e Metroid Prime Remaster (Switch) fazem uso intenso dessas ferramentas, que são extremamente úteis.

A importância do level design em relação a construção do mapa

O level design é uma parte vital para uma abordagem mais verossímil de um mapa (3D, no caso, não o cartográfico).

Far Cry 2, por exemplo, se passa em uma parte central da África, continente majoritariamente tomado pela savana e por florestas tropicais/subtropicais. O jogo não utiliza um mapa e sim uma carta cartográfica (a diferença resumida é que a carta pode ser dividida em vários mapas menores, enquanto o mapa é uma ''peça'' só), e cada área dessa carta é facilmente identificável. Seja por um rio, pelo caminho que segue a estrada ou pelas bases presentes, o jogador não precisa de um ponto no mapa para saber onde está, já que o level design verossímil permite que ele se georreferencie corretamente.

Obras como Terranigma e Dragon Quest III também são bons casos desse aspecto. Ambos têm o modelo da Terra como base para seus próprios mapas. Portanto, você tem bioma, cultura, clima, etc, para cada região do mapa do jogo. Esse tipo de level design e design de mundo aumenta a imersão e a ''personalidade'' como um todo, pois torna a experiência verossímil, ainda mais com um ambiente baseado na Terra, com regiões que falam português, etc.

O conceito de georreferenciamento abordado anteriormente é vital para que haja um level design verossímil, já que mesmo que o mundo não se passe em um planeta como a Terra, é necessário que ele tenha noções de referenciamento para que o jogador possa se localizar.

Querendo ou não, implementar um level design que te faz depender do mapa o tempo todo também pode quebrar a imersão, pois dá a sensação de que aquele ''mundo é desnecessário'', já que basta seguir o caminho pré-estabelecido pelo desenvolvedor e não explorá-lo de forma orgânica.
Existem alguns aspectos técnicos que podem ajudar no incentivo à exploração (como draw distance,  cujo conceito eu abordo em uma análise técnica sobre o port de NieR Automata para Switch, a qual sou co-autor), mas escolhi me limitar aos aspectos geográficos do level design.

Qual seria o ideal?

A fim de buscar o equilíbrio entre o uso de habilidades cartográficas e a dinâmica de gameplay, existem alguns jogos que fazem um uso inteligente dos recursos cartográficos para tornar a gameplay mais imersiva, sem sacrificar a imersão.

Um bom exemplo desse recurso é disponibilizar um mapa e apontar a descrição para encontrar um objetivo. Porém, guardar essa descrição em um log pode ser o ideal para que não seja preciso ficar repetindo o diálogo toda vez que quisermos checar a descrição novamente. Outro ponto é que não dá para o jogador se localizar se o level design não for construído com georreferenciamento em mente.

Em Elden Ring, cada região tem um clima, bioma, topografia, entre outras características bem distintas umas das outras, fazendo com que sequer precisemos de um ponto no mapa para saber onde estamos. Na vida real, não é diferente: existem rochas em formatos específicos, árvores maiores do que as outras, áreas mais secas, áreas mais úmidas, inclusive na mesma cidade. Fazer um mapa inteiro parecido, com nenhuma ou poucas partes que se destacam é negligenciar a diversidade natural que existe aqui fora para criar um mundo inverossímil. 


A geografia é um campo do conhecimento vasto, cujas aplicações dentro dos vídeogames podem ser bem interessantes. Você já teve que usar georreferenciamento para se localizar em algum jogo? Comenta aqui embaixo. Eu mesmo já precisei usar em vários jogos de sobrevivência!

Revisão: Davi Sousa
Referências: DAGEOP e USGS

Graduando em Geografia, fotógrafo e colecionador de retrogames. Depois de ser introduzido aos JRPGs em 2021, tem desbravado as fantasias nipônicas da Square Enix, Nintendo, Falcom, entre outras. Alguns jogos me chamam atenção pelos motivos mais aleatórios possíveis (como o chocobo na cover art de FFV), enquanto outros apenas por ter menos 30h de duração. Acompanho o trabalho de artistas como Fumito Ueda, Miyazaki, Shimomura, entre outros. Fotografias virtuais, clipes e screenshots de quase tudo o que jogo podem ser encontrados no meu Twitter; Alguns ensaios e prévias podem ser checados no Medium; Tudo o que jogo, joguei e vou jogar (bem como várias listas) está disponível no Backloggd.
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