Primeiro, é digno de nota que, exceto pelas ilustrações, Zapling Bygone foi feito pelo desenvolvedor solo Stevis Andrea, do estúdio 9FingerGames. Autodefinido como um “metroidvania distorcido”, o jogo realmente tem algo de ligeiramente inquietante, começando pelo protagonista. Você controla um zapling, criatura alienígena que parece uma gosma verde com tentáculos usados para se locomover, atacar e absorver a essência dos seres ao redor.
A coisa é um fragmento do Zap, uma mente coletiva que chegou ao planeta do jogo após fugir de um parasita que tomou seu lar espacial original, apenas para descobrir que a mesma infecção vermelha chegou ali primeiro.
Ainda que siga os passos do horror cósmico, eu diria que a ênfase do jogo está no niilismo da vida, que é fonte de dor e repulsa. Zapling Bygone não pretende aprofundar o abismo metafísico, preferindo construir retratos da ligação orgânica entre a vida, a dor e a morte.
A cria alienígena de uma era que já se foi
Essas representações filosóficas são alguns dos destaques do jogo, pela maneira como une narrativa e gameplay a partir dos mesmos elementos. O zapling usa os crânios de alguns inimigos derrotados para absorver as características deles, o que acontece de três formas.
Primeiro, crânios de chefes dão habilidades como o pulo duplo, o dash e a escalada, movimentos comuns nos metroidvanias.
Segundo, cada crânio tem compartimentos de formatos diferentes para equipar as variadas mutações encontradas pelo jogo. Elas concedem modificadores, como mais energia absorvida dos inimigos e mais força em troca de menos velocidade de ataque, permitindo configurar o zapling. Não é um sistema profundo, mas é o bastante para alterar levemente a forma de jogar e para testar estratégias em diferentes situações.
O terceiro ponto é que os crânios carregam a consciência de seus antigos donos. O zapling encontrará vários locais de interação que ativam memórias e comentários dos falecidos, adicionando nuances à história decadente daquele mundo.
Essa história é contada por meio de fragmentos narrativos implementados de maneira bem interessante. Além das falas dos crânios e dos NPCs, há dois tipos de memórias a serem encontradas pelas áreas. Um é mais simples: certos fragmentos de crânio são pequenos demais para serem “vestidos” pelo zapling, concedendo apenas uma lembrança específica na forma de texto narrativo que fica catalogado no menu.
As outras memórias são bem criativas, representando histórias ligadas aos chefões na forma de história em quadrinhos. Cada memória achada preenche um quadrinho da página daquela parte do mundo. Não há uma ordem específica; talvez você encontre primeiro o último de uma página, depois o segundo, depois o sexto e, assim, construirá e entenderá aos poucos o que a memória daquele chefe tem a dizer.
As lembranças são um ponto importante em Zapling Bygone. Expressam as expectativas, arrependimentos e desilusões de criaturas mortas e de humanos que vivem nos escombros de uma extinta civilização superior e desconhecida. A memória corrói e enlouquece. A própria consciência é tida como um parasita, um mal indesejável que vem de fora e traz consigo a dor e a corrupção. Sem esperança, o remédio para o mal é também um mal em si mesmo.
Outro ponto que chama a atenção ao caráter alienígena do zapling é a animação procedural dos tentáculos. Ou seja, em vez de animações fixas, Andrea predeterminou uma lógica de movimento que é executada de forma aos tentáculos se adaptarem ao terreno, dando uma sensação mais orgânica ao movimento, que lembra o de uma aranha e reforça a natureza estranha do protagonista.
Um novo lar para contaminar e chamar de seu
O mundo é também estranho, mas não muito distante do que conhecemos: cavernas, esgotos, montanhas e uns locais diferentes para variar um pouco. Honestamente, a estética decadente e a paleta de cores não me agradaram, mas também não me incomodaram e, em alguns lugares, funcionaram muito bem para passar a opressão pretendida.
Até onde pude perceber, ao adquirir a habilidade de escalada, o mundo passa a ser aberto ao ponto de você poder buscar qualquer dos quatro objetivos marcados no mapa, na ordem que preferir. Isso é bom para a pessoa sentir-se uma exploradora ativa, mas também significa que encontrará algumas mutações que alteram habilidades que ainda não possui, tornando-as temporariamente inúteis.
No fim das contas, a abertura é positiva também porque encaixa muito bem com o modo randômico, que pode ser ativado ao iniciar um novo jogo após concluir uma primeira vez. Nele, os inimigos e mutações são trocados de lugar aleatoriamente, proporcionando uma variação bem-vinda para quem quiser rejogar a campanha.
Esses inimigos comuns não são grande coisa e não devem se destacar na gameplay nem atrapalhar muito a exploração. O zapling absorve a energia de suas vítimas, o que funciona como moeda para comprar itens com os lojistas e, principalmente, para ativar os altares de salvamento e de viagem rápida.
Essa economia tem uma variação muito boa do sistema soulslike: ao morrer, você perde a energia carregada, mas, ao tocar um altar ativado, ele funciona como um “banco” para guardar sua energia automaticamente. Assim, você só perde o que estava carregando no momento, não o total acumulado.
As lutas contra os chefes, por sua vez, são de outro nível. Eu achei bem empolgantes e morri várias vezes em algumas delas. Funcionam pela lógica do aprendizado e treino até conseguir vencer com consciência, calma e um pouco de reflexos, é claro. Como não precisamos de habilidades especiais além da escalada para derrotar os chefes, também creio que podemos enfrentá-los na sequência que quisermos.
Um mundo infectado pelo mapa
Se tem algo de que eu não gostei em Zapling Bygone foi o sistema de mapas. O mapa de cada área é preenchido automaticamente após derrotar o chefe local ou alcançar um ponto-chave. Esse não é o problema, pois deixa nas mãos de quem joga a tarefa de navegar pelos corredores e se guiar pelo desconhecido.
O problema mesmo está nas lacunas do mapa e, principalmente, no fato de ele não diferenciar as salas já visitadas das desconhecidas, o que costuma ser feito em jogos do gênero pelo uso das cores. Assim, o mapa surge de uma só vez e você não tem certeza de quais partes ainda não explorou em busca de segredos ou de simplesmente progredir na história. Abaixo você pode ver um recorte.
No começo, Zapling Bygone deixa marcados no mapa vazio os quatro pontos que o alienígena deve alcançar. Depois disso, porém, não dá indicativos do objetivo a ser encontrado. Eu cheguei a ficar perdido e decidi fazer um pente fino em todas as áreas, já que o mapa não mostra conexões incompletas que clamam por exploração, como é comum em metroidvanias.
Não chegou a ser um trabalho muito demorado, mas foi frustrante por quão desnecessário esse backtracking pareceu. Algo simples como implementar a possibilidade de aplicar marcadores ao mapa solucionaria a questão.
O alien é você
A arte de Zapling Bygone não impressiona, mas tem seus méritos nas páginas em quadrinhos, na movimentação aracnídea do zapling e em algumas imagens bizarras. O caráter livre da exploração é bem-sucedido e até abre margem para jogar no modo randômico e enfrentar mais uma vez as boas batalhas contra chefes. Ainda que não vá se tornar uma referência entre o gênero, este é um título com identidade própria que, na maior parte do tempo, atinge seus objetivos com sucesso e é recomendado a quem aprecia metroidvanias sombrios.
Prós
- Protagonista pouco convencional e com boa movimentação;
- Atmosfera estranha em um mundo alienígena;
- Boa maneira de apresentar o enredo com o uso de quadrinhos e textos curtos;
- Ótimas lutas contra chefes;
- Modos extras, como o randômico.
Contras
- Apenas em inglês;
- Sistema de mapas pouco eficiente;
- A pixel art nem sempre agrada.
Zapling Bygone — PS4/PS5/XBO/XSX/PC/Switch — Nota: 8.0Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Ives Boitano
Análise realizada com cópia digital cedida pela JanduSoft