Papetura é lindo. Visualmente magnífico. Esteticamente espantoso. Artesanalmente estonteante. Eu poderia colocar cada cenário do jogo aqui e ele seria impressionante como todas as imagens abaixo. O motivo para isso é que tudo nele existe de verdade e foi feito em esculturas de papel.
Esse é mais um daqueles milagres de jogos feitos por uma pessoa só. O polonês Tomasz Ostafin é um arquiteto que ama videogames e queria fazer o seu próprio. Para isso, fundou o estúdio Petums e, sabiamente, teve auxílio de um amigo, Juraj Mravec, para criar o excelente design de som. Também conseguiu a colaboração do compositor tcheco Tomáš Dvořák, conhecido como Floex, para as belas músicas instrumentais que acompanham a narrativa.
Em 2015, Ostafin chegou a tentar uma campanha de financiamento coletivo no Indiegogo, mas ficou muito longe da meta. Isso não impediu o desenvolvedor solo do Petums de recortar e colar seu projeto dos sonhos até o lançamento de Papetura no Steam, em 2021. Com o suporte da publicadora Feardemic, o jogo chegou ao Switch em 2022 e, agora, aos outros consoles.
A Feardemic é especializada em publicar jogos voltados ao medo e horror e, de fato, há algo de estranho e sombrio em Papetura, mas fica apenas na sensação. Até meus filhos de oito e quatro anos jogaram, envolvidos pela beleza profunda em alta resolução que acalenta nossos olhos e almas.
A questão “games são arte?” não se discute, se joga
Não houve um único momento em que não estive deslumbrado com a arte cuidadosa que preenche cada centímetro da tela com inusitadas colagens de papel de um mundo onírico feito de branco, luz e sombras.
A iluminação é um espetáculo à parte; da brancura ao calor amarelado, tudo foi feito também com materiais reais. Não satisfeito em construir as maquetes para os elementos ali, dos cenários aos insetos, seu criador também fez a instalação elétrica para que houvesse luz minuciosamente posicionada em seu mundo manufaturado. Não acredite em mim, veja com seus próprios olhos o vídeo de making of ao final desta análise para se assombrar com a engenhosidade vertiginosa que só a devoção do amor pode produzir.
É raro vermos o difícil caminho do artesanal, concreto e tangível tomar o lugar da etérea produção digital que domina os padrões e o imaginário de nosso século de refugiados no mundo virtual. Ainda mais raro quando essa escolha envolve criar uma obra física que só será completa no próprio mundo eletrônico. É a clássica escolha arbitrária do artista que fez assim porque buscava um resultado que falasse por si só, sem precisar de justificativa.
Avançando na agradável aventura point-and-click, a cada novo cenário eu exclamava em voz alta: “que jogo lindo!”. A movimentação do protagonista Pape é lenta, o que é comum no gênero e muito adequada à contemplação de uma obra-prima como esta.
Também é adequada à duração do jogo, pois a pressa seria uma inimiga acusadora da brevidade de Papetura. Finalizei em quase uma hora e meia e confesso que estava na expectativa de ter pelo menos as duas horas especuladas na descrição oficial do jogo. Não posso deixar de apontar o fato da curta vida, como uma chama que surge, brilha forte com todo seu calor e se apaga. Todavia, ainda acho totalmente compreensível. Afinal, quantos anos Petums levaria para construir mais meia hora de jogo e, ainda assim, ser considerado curto?
Não que o resultado final precise de muito mais para satisfazer a expectativa da experiência, mas fiquei surpreso quando vi que estava no clímax. Pensei que seria algo com jeito de longa-metragem, mas se aproxima mais da forma de um conto de fadas que acaba tão diretamente quanto começou.
A tênue linha entre a luz e as chamas
Não quero levar a narrativa a longas distâncias de interpretação. Para mim, é suficiente a certeza de que não quero deixar a sombra com mãos de fogo queimar aquele mundo tão magnífico. Todos os seres são feitos da mesma celulose que dá forma ao chão e às paredes. Se o lugar queimar, a vida também virará cinzas. Os habitantes e seu mundo compartilham de um só destino.
Tura é o companheiro de jornada de Pape e parece um espectro de gato preto surreal que serve para guardar itens e para arremessar o que imagino ser bolinhas de pelos. Essa é a mecânica principal, que será usada para ativar “botões”, atrair criaturas e até pescar. Isso, juntamente à interação de clicar nos locais marcados por ícones, torna o progresso muito intuitivo, como em puzzles em que é necessário acertar a sequência das interações e nas variações de gameplay que encontramos no curto percurso. Sim, conseguir itens e trocá-los por outros está incluído.
Em caso de dúvida, há um botão dedicado a fornecer dicas, que surgem na forma de imagens didáticas (por isso meus filhos conseguiram jogar). Falando em imagens, elas são o foco de Papetura e não há uma única palavra além do título e dos merecidos créditos. É sério, nem o menu de pausa precisa de palavras. O pacote como um todo é bem composto e cativante.
Tanto trabalho para tão pouco tempo valeu a pena? Não tenho dúvidas. E você?
Papetura é um dos mais belos trabalhos em videogame que já tive o privilégio de conhecer. É único e apaixonante, mas um tanto melancólico quando penso nele como a lembrança de algo que foi bom enquanto durou, o que não foi muito. Feito para jogar de uma vez só, a gameplay de point-and-click não pretende desafiar, embora ainda demande pensar um pouquinho a cada passo, o bastante para dar a sensação de estar alcançando um objetivo. Entre nesse mundo sabendo de duas coisas: é incessantemente fascinante e propositalmente breve.
Prós
- Estética visual de beleza única, totalmente manufaturada em papel;
- A iluminação real dá ainda mais substância ao papel, parece um jogo que se pode tocar;
- A música complementa o encanto;
- A história é muito simples, mas eficientemente contada por imagens e amplificada pelo mundo ao redor;
- Mecânicas de gameplay simples, mas intuitivas e dinâmicas.
Contra
- O clímax me pareceu apressado e eu esperava que durasse um pouquinho mais.
Papetura – PS4/PS5/XBO/XSX/PC/Switch – 9.0Versão utilizada na análise: PS5
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Feardemic