Produzido pelo desenvolvedor argentino Matías Schmied, conhecido como maitan69, e publicado pela Whitethorn Games, RE:CALL é um jogo de aventura e mistério em que temos como principal mecânica a possibilidade de alterar o passado para resolver os mistérios do presente.
Contando com personagens carismáticos, uma excelente trilha sonora e quebra-cabeças envolventes, RE:CALL é um excelente achado dentro do mercado indie sul-americano. Mas nem tudo são flores.
Efeito borboleta
Bruno Gallagher é um jovem depressivo que vive sozinho em seu bagunçado apartamento. Sem amigos e traumatizado por conta de sua infância sofrida, o jovem passa a sentir uma sensação estranha, como se estivesse sendo observado e seguido por um fantasma. Um certo dia, Bruno se vê como o centro das atenções da cidade após testemunhar um assassinato.
Ao ser interrogado pela polícia, Bruno começa a contar sobre o que lembra do acontecimento. Mais do que isso, ele se vê capaz de modificar o passado e percebe que o fantasma tem alguma relação com isso. Tudo o que ele alterava sobre a história original passa a ser verdade e modifica o presente. Dessa forma, o protagonista tenta encontrar uma maneira de resolver o crime e descobrir a identidade do assassino.
Durante os acontecimentos ele conhece Dominik NewOrder, um misterioso homem que age de forma suspeita e parece entender o que está acontecendo com Bruno. Ao longo da história, precisamos desvendar uma série de crimes que aparentemente estão interligados enquanto tentamos sobreviver em meio ao processo.
Começo empolgante e problemas com ritmo
É possível dividir RE:CALL em duas partes bem distintas entre si. A primeira consiste em jogo concentrado em resolução de puzzles, no sistema de escolhas e na construção dos personagens; a segunda deixa de lado sua principal mecânica, dando relevância a trechos de stealth e um desenvolvimento um pouco atrapalhado de sua história.
Sobre a história, não entrarei em mais detalhes além dos que já citei. Qualquer informação a mais pode prejudicar a experiência, pois cada detalhe pode ser importante para resolver algum mistério. Mas é importante citar que o jogo possui um certo problema de ritmo.
Os quatro primeiros capítulos da aventura, dos sete existentes, focam no amadurecimento de Bruno com seus poderes, nos mistérios que envolvem Dominik e na conturbada relação do protagonista com os demais jovens da cidade. E durante esse tempo, vamos entendendo os curiosos poderes de Bruno, resolvendo diversos puzzles e descobrindo os acontecimentos que levaram o protagonista a estar nesta situação. É importante ressaltar que toda essa construção é feita de uma maneira muito boa, com excelentes diálogos, personagens carismáticos e uma história bem amarrada com inúmeras reviravoltas.
No entanto, a segunda parte sofre em se manter atrativa. Ao realçar longas e desinteressantes seções de stealth, RE:CALL perde completamente o ritmo de sua história, tornando-a muito aquém de sua primeira parte. Ao praticamente ignorar seu sistema de escolhas, até mesmo os puzzles, que antes eram elaborados, tornam-se triviais.
Apesar desse problema, a conclusão da aventura conseguiu ser bem feita. Os belos gráficos em pixel art e os seus extravagantes personagens caricatos escondem uma história muito madura, que envolve assuntos sérios como bullying, assédio, traição e amor. Uma pena não ter legendas em português, o que pode afastar alguns jogadores.
E vale ressaltar também a qualidade da trilha sonora. As músicas instrumentais em um estilo lo-fi acompanham a história de maneira impecável, transmitindo intensidade, terror, mistério e calma em cada uma de suas cenas.
Um interessante sistema de escolhas
O gameplay de RE:CALL pode ser descrito da mesma forma que fiz com a história. A primeira parte tem um foco maior nas partes de investigação, desenvolvendo seu sistema de escolhas e trazendo puzzles progressivamente mais complexos.
Em determinados momentos, quando Bruno resolve usar seus poderes, teremos a possibilidade de mudar o passado para criar eventos alternativos no futuro. O que encontramos no chão era uma arma ou uma pedra? Quantos tiros você ouviu? De que direção o suspeito veio? Para cada pergunta, duas ou mais possibilidades são disponibilizadas para o jogador.
A questão é que apenas uma sequência de eventos resultará na resolução do puzzle, mas, até lá, teremos que combinar as diferentes possibilidades e eliminar todas as dúvidas de Bruno. Mesmo que seja um jogo linear, essa mecânica é extremamente divertida e combina muito bem com a história do jogo.
Mas para a segunda metade a coisa muda de figura. A mecânica de escolha se torna subutilizada, trazendo o foco do jogo para seções de stealth que, no geral, são simples e desinteressantes. Basicamente, temos que escapar do cone de visão de soldados por alguns corredores desnecessariamente longos. Mesmo não estragando o jogo, considero essa uma escolha bem decepcionante, visto que quebrou completamente o ritmo da aventura.
Um bom produto com escolhas duvidosas
RE:CALL é um excelente jogo de mistério que combina uma história envolvente com um gameplay bem elaborado. O game oscila em seu ritmo, com sua segunda metade apresentando uma dinâmica muito diferente do que foi proposto em seu início, mas o saldo final é muito positivo. Os personagens são bem construídos, a trilha sonora é maravilhosa e a forma que os mistérios se desenrolam a partir das nossas escolhas o torna um excelente jogo.
Prós
- A história é bem elaborada e possui reviravoltas muito interessantes;
- A trilha sonora é excelente;
- Os personagens são muito carismáticos e bem desenvolvidos;
- A mecânica de alterar o passado é bem utilizada, principalmente na primeira metade do jogo.
Contras
- A segunda metade quebra completamente o ritmo da aventura, subutilizando a mecânica de escolhas;
- Ausência de localização para português;
- Trechos de stealth longos e tediosos
RE:CALL — PC/XBO/XSX/Switch — Nota: 8.0Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Vitor Tibério
Análise feita com cópia digital cedida pela Whitethorn Games