Dead Space (Multi): comparado ao original, como o remake justifica sua existência?

Um retorno digno na hora certa ou um “mais do mesmo” desnecessário?

em 10/02/2023

Remakes
são parte da indústria de videogames há bastante tempo. Um exemplo bastante conhecido é a recriação dos três primeiros Super Mario Bros. em Super Mario All-Stars (SNES), apenas uma geração depois. Esse tipo de adaptação sempre esteve presente em outros campos criativos, como o cinema e a literatura, mas o caso dos jogos tem a particularidade de que sua produção é um processo dependente da tecnologia e, por isso, eles são criados não apenas em função das capacidades técnicas, mas também das barreiras.

Em muitos casos, os jogos finalizados retêm um potencial adormecido que poderia ser despertado com o passar das gerações. E se tivessem sido feitos sem aquelas limitações? O que se pode realizar com esse potencial de refinamento? A forma como um remake responde a essas perguntas é parte de sua validade.



O mal que habita nos últimos de nós

Para avaliar o remake de Dead Space, podemos levantar dois casos distintos como referências. O primeiro é o do muito elogiado Resident Evil 2 (Multi), que pegou o esqueleto de seu jogo-fonte e refez completamente o corpo, o funcionamento e a aparência, criando algo novo sem perder a identidade.
O segundo é e o controverso The Last of Us Parte I (PS5/PC), já debatido aqui no GameBlast por Alexandre Galvão. Essa produção se ateve à aparência e aos efeitos, como a física, mas, como jogo, é um gêmeo idêntico ao original, embora mais bonito.

Em comparação, Dead Space fica no meio-termo. Ainda é o mesmo jogo de 2008, mas com diferenças consideráveis para 2023. Talvez possamos começar apontando o que muda nas capas. Veja abaixo.



A capa do primeiro jogo é icônica e muito eficiente. Ela dialoga tanto com o nome do jogo, “espaço morto”, ao ilustrar uma mão decepada no espaço, quanto com a mecânica inovadora de desmembrar os monstros para matá-los, ao invés de atirar na cabeça, como é comum em jogos de tiro.

O remake, por sua vez, segue a linha clichê de apresentar o protagonista com arma na mão, mas por trás dele vemos o verdadeiro ambiente do jogo, os corredores sombrios da Ishimura. É uma capa genérica, mas ainda a considero melhor que as dos outros títulos da série.



Reformando a nova casa antiga

A mudança mais óbvia no remake é no campo gráfico: Dead Space está deslumbrante. Essa parte é melhor ver com os próprios olhos e você poderá conferir no vídeo do canal ElAnalistaDeBits, ao final do texto.




Para além da reforma da fachada, o interior teve modificações. A maior parte da Ishimura corresponde à arquitetura da original, mas as diferenças não são poucas. Elas vão de algo simples, como locais maiores e novas conexões, a salas inteiramente novas.

Talvez a principal modernização tenha ocorrido na mecânica de gravidade zero, que implementa a melhoria de Dead Space 2 (Multi) de flutuar livremente pelos ambientes de zero-G, um grande avanço em relação ao primeiro título.

Para fazer isso funcionar no remake, certos recintos e segmentos de gameplay foram reformulados, alguns completamente, como dois trechos em que Isaac, de dentro da Ishimura, assume os controles de canhões externos para destruir asteróides e enfrentar um chefão.  O remake leva o jogador até o centro da ação, ao invés de apenas presenciá-la indiretamente enquanto mira por trás de uma janela.






Outro ponto de relevo é que o antigo Dead Space era uma via de mão única em que cada setor da nave estava contido em um capítulo fechado. A nova versão da Ishimura é um grande corpo interligado pelo sistema de transporte, permitindo ir e vir entre as estações; até os restos mortais que você deixou para trás ainda estarão lá quando voltar. Como dito, o mapa ainda é muito semelhante, mas agora há objetivos opcionais para encontrar ao revisitar certas áreas. Não é nada profundo, mas é uma adição bem-vinda.

A verdade é que o jogo ainda é majoritariamente linear; basta ver como o mapa sempre tem traçado o caminho até o objetivo para entender que Dead Space não quer que você se aventure muito fora da trilha programada, sob o risco de se frustrar diante da grande quantidade de portas trancadas que só serão acessíveis quando a história decidir.



Por outro lado, algumas áreas bifurcadas deixam o jogador escolher para qual lado vai primeiro, como quando surge a nova mecânica de disjuntor por meio do qual o jogador precisa decidir qual porta ou sistema vai receber energia e qual ficará desativado. Isso cria um impasse interessante em uma parte: antes de atravessar um local infestado de Necromorfos, você precisa desligar o oxigênio ou as luzes. Escolha.

Os ajustes não param por aí. A economia foi alterada, os itens tiveram suas localizações reorganizadas e as armas receberam melhorias especiais e árvores de habilidades mais elaboradas. Também é bom o fato de que agora nenhuma porta requer o gasto de um valioso Nódulo de Energia para ser destrancada.

Há ainda a adição do modo New Game Plus como incentivo a maximizar todos os equipamentos na segunda rodada da campanha, contando com dificuldade aumentada, um novo tipo de inimigo e também um final inédito.



Além do que os olhos podem ver

Uma melhoria fundamental foi a voz de Isaac Clarke, que era um protagonista silencioso. Eu nunca gosto desse recurso, então minha opinião é tendenciosa, mas posso afirmar com certeza que a mudança foi significativa, muito mais que apenas encaixar algumas falas no meio dos diálogos. Todo o roteiro do jogo foi reescrito para corresponder ao papel central do herói e aprimorar o tom da narrativa.

No original, Isaac passava o jogo inteiro solucionando os mais diversos problemas na Ishimura a mando de seus colegas Hammond e Daniels. Ele era essencial à sobrevivência de todos e a diferença é que agora demonstra saber disso. Isaac foi moldado em um personagem mais palpável, com ideias, questionamentos, receios e objetivos, alguém decidido que tem consciência do perigo em que se encontra e não medirá esforços para sair dali com vida.



Assim, o protagonista deixa a passividade do silêncio e assume posição de autonomia e até liderança, tomando iniciativa para resolver boa parte dos problemas apresentados pelos outros. Afinal, é ele quem mais conhece as possibilidades técnicas e sua capacidade como engenheiro.

Até uma personagem nova foi introduzida. Ok, ela não tem muita relevância, mas dá sua pequena contribuição para reformular uma cena. Por sinal, algumas partes da história, que antes aconteciam em tempo real e o jogador presenciava por trás de vidraças, foram remodeladas em formato cinematográfico com transições orgânicas entre gameplay e cutscene, o que as deixou muito mais interessante.



Altman seja louvado!

Mesmo que o jogo original se sustente bem em vários aspectos, o remake é melhor em tudo e talvez isso baste para alguns, mas podemos ir um pouco além e refletir sobre Dead Space enquanto franquia. Para isso, chamo novamente The Last of Us Parte I para auxiliar na comparação. Vamos levar três coisas em consideração sobre ele.
  1. Foi relançado 9 anos depois do original, mas apenas 2 anos após o último jogo da franquia, The Last of Us Parte 2 (Multi).
  2. Foi produzido pelo mesmo estúdio do original, Naughty Dog, que tem papel estável dentro da divisão PlayStation Studios e ainda cria jogos com o DNA do estúdio.
  3. Na época do lançamento, a franquia contava com uma série de TV marcada para estrear em breve e um jogo multiplayer em desenvolvimento.


Ou seja, esse retorno foi “a volta dos que não foram”. Comparado a isso, a marca Dead Space ia muito mal (eufemismo para “estava morta”). Vejamos sobre a recriação pelas mãos do Motive Studio.
  1. Foi lançada 14 anos após o original e 10 anos após o último jogo da série.
  2. Foi desenvolvida por outro estúdio porque a EA desfez o Visceral Games em 2017.
  3. A EA afastou-se dos games de campanha para um jogador, focando em multiplayers.
  4. A série teve três títulos principais e dois jogos spin-off lançados entre 2008 e 2013, em uma única geração.
Com a repercussão morna do terceiro título, a série de Isaac Clarke ficou esquecida numa gaveta, até que o encerramento do Visceral Games acabou também com as esperanças dos jogadores de qualquer interesse da EA em produzir mais uma incursão sanguinolenta ao abismo da Unitologia. Dead Space, então, entrou para a longa lista do purgatório dos jogos que leva os apreciadores a dizer: “por que a [preencha com o nome da dona] não faz mais um [preencha com o nome do jogo]?! Venderia muito!”. Todo mundo já disse isso alguma vez.




O que fez a EA, aquela mesma publisher que ao longo dos anos gerou polêmicas em posicionamentos contra jogos para um jogador, tomar a iniciativa agora? De forma simples, podemos dizer que, assim como o sucesso de Resident Evil 4 em 2005 incentivou a empresa a dar luz verde para o projeto de survival horror de Glenn Schofield em Dead Space, o sucesso do remake de Resident Evil 2 foi um bom argumento para a viabilidade do retorno da franquia espacial.

Com a boa receptividade do público para esse tipo de retorno e o peso do nome de uma obra que já fez sucesso, Dead Space é uma aposta segura para a EA diversificar seu catálogo com mais um jogo single player de alto perfil que, de quebra, tem potencial para dar novo fôlego a uma série enterrada.

Minha conclusão é que Dead Space estava morto no espaço, mas foi resgatado, tornou-se completo e superou a morte com algo que, para mim, é bem-sucedido em ser um remake digno. Penso que isso é justificativa suficiente.



Eu prefiro recriações mais profundas, como Resident Evil 2, então acho que Dead Space poderia ser  ainda melhor, mas também poderia ser pior e não teria funcionado tão bem se o Motive tivesse apenas transposto o jogo de 2008 para a roupagem da nova geração, como The Last of Us Parte 1. Eles seguiram o caminho do meio e deu certo.

Resta saber se essa árvore dará mais frutos. Só o futuro dirá, mas é incerto. Com o lançamento de Dead Space, os devs do Motive já iniciaram o próximo projeto, um jogo de Iron Man anunciado anteriormente. A fila anda.

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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