Sonic anda em alta nos últimos anos. Em 2017, Sonic Mania (Multi) mostrou que “clássico” significa relevante, e não apenas antigo. Em 2018, a editora estadunidense IDW lançou a série em quadrinhos Sonic the Hedgehog, que dura até hoje e está sendo lançada no Brasil (veja minha análise dos primeiros três volumes).
Em 2020 e 2022, vieram os dois filmes para o cinema, que podem não ter arrasado quarteirões, mas foram bons o bastante para garantir um terceiro longa em 2024 e decretar o fim da maldição que impede que filmes baseados em videogames sejam minimamente decentes.
Mais recentemente, em novembro de 2022, foi lançado Sonic Frontiers (Multi). Apesar das críticas mistas, a recepção foi consideravelmente melhor do que em relação a seu antecessor da série principal, Sonic Forces (Multi), de 2017.
Agora, a Netflix lançou Sonic Prime, uma série animada em CGI que dá continuidade ao momento favorável do mascote da Sega. São apenas oito episódios e, a princípio, achei que seria de bom tamanho. Ao assisti-la, no entanto, fiquei dividido entre pensar sobre como ela poderia ser mais curta e como precisa de mais tempo de tela. Não, não é exatamente uma contradição; explicarei mais adiante.
Correndo a toda...
O primeiro episódio tem 43 minutos, quase o dobro do tempo dos demais, que variam de 21 a 26 minutos. A introdução não perde muito tempo em apresentar o problema que dará início à história, uma cena que já vimos nos trailers: o Dr. Eggman está prestes a conseguir o lendário Prisma do Paradoxo, mas Sonic avança com tudo para impedi-lo e é tragado pelo prisma, inespera levado para para uma versão alternativa de sua realidade. Em três minutos de série, ele já está lá.
Há um motivo para essa celeridade e não é pressa nem ausência de contexto ou de preparação, mas sim o formato proposital dos episódios iniciais, de estrutura levemente cíclica, seguindo um vai e vem que, em momentos-chave, retorna ao começo para mostrar os acontecimentos pelo ponto de vista de outro personagem, preenchendo as lacunas.
Ela não é nada complexa ou possui reviravoltas surpreendentes, mas cumpre bem o trabalho de tornar a simplicidade mais interessante ao sair da linearidade e fazer o espectador aumentar gradativamente sua compreensão da narrativa e das relações entre os personagens.
Visualmente, o resultado mantém-se na média e, de vez em quando, destaca sua estética com cores neons do rastro do Sonic e dos outros e com pernas tão rápidas que assumem o formato do símbolo do infinito. Gostei de como tudo que é relacionado ao prisma brilha com aberração cromática — o efeito de refração da luz em diferentes cores sobrepostas.
Sonic Prime implementa com orgulho sua origem no videogame, contando até com algumas cenas em pixel art e a sonoplastia dos jogos antigos, como os sons de coletar anéis, saltar em uma mola e ser espetado em espinhos. É tão surreal quanto familiar ver Green Hill, o lar de Sonic, com sua característica geologia xadrez, um loop clássico e até anéis enfileirados no ar sem qualquer lógica aparente.
Referências a gameplay também dão as caras. Quando o ouriço é atingido, por exemplo, ele perde os anéis que carregava (mas a série logo abandona isso). Além disso, Sonic traz consigo seus principais movimentos dos games, spin dash e homing attack. Ademais, seus sapatos e luvas manifestam aparências e capacidades diferentes em cada mundo que ele visita.
...por outros mundos...
Esses mundos são como as zonas temáticas que conhecemos nos jogos do roedor ligeirinho. O primeiro é o que tem melhor desenvolvimento e traz os vilões da trama toda, isto é, o Conselho do Caos, um grupo que domina com poder totalitário a cidade distópica mecanizada de Nova Yoke.
Os membros do Conselho remetem a uma espécie de família Eggman: tem o bebê sádico que fala por grunhidos, o adolescente petulante e indisposto, o trintão pedante, o idoso que não é mais o mesmo de antigamente e o líder de meia-idade, de fato chamado Dr. Eggman. Eles são enfrentados em guerrilha pelos rebeldes, bem no estilo da Resistência de Sonic Forces.
Em cada mundo, Sonic encontra versões alternativas de seus amigos, nem sempre próximos de uma representação dos personagens originais. Deixo essa parte para cada um ver por si só e decidir o que acha dessas personas.
O pessoal que dá as caras na primeira temporada para formar a turma de amigos do “borrão azul” são Tails, Amy, Knuckles e Rouge. Ok, Rouge “amiguinha da galera” parece destoar da personagem, mas ela mantém a personalidade provocadora de quem faz as coisas à sua própria maneira e contribui bastante ao elenco. O gato Big também está por ali, coadjuvante como sempre.
Sonic Prime endossa o tema de preservação da natureza contra a exploração predatória e a industrialização desenfreada, presente na série Sonic desde sua estreia e, nesta animação, surge principalmente em Nova Yoke e na selva do segundo mundo.
Para mim, a parte da selva é um dos pontos baixos. Enquanto a parcela de Nova Yoke tem tom mais dramático de “tudo ou nada” e os personagens levam a situação a sério, na selva, a história puxa para a comédia-pastelão e infantil e não afeta o todo da temporada, parecendo mais um “filler” sem muito a acrescentar além de uma zona extra para variar um pouco a aventura. A turma toda é bem boba e parece seguir um clima mais na direção da série Sonic Boom, a qual nem meus filhos deram muita atenção.
A outra dimensão mostrada é a do mar pirata e fica no meio-termo, mas ainda investindo na bobice em algumas partes, como acontece com frequência em produções que miram mais o público infanto-juvenil.
...sem um destino certo
Aqui está o maior problema da série até agora: ela acaba, mas não tem final. A Netflix encomendou 24 episódios, que provavelmente serão lançados em três temporadas de oito. A segunda temporada ainda não foi confirmada, então não fazemos ideia de quando poderemos ver a continuação dos eventos inconclusivos que marcam o começo de Sonic Prime.
O último episódio acaba de forma tão súbita quanto cada um dos capítulos anteriores, o que o faz depender de continuação direta. Mesmo que cliffhangers sejam mais a regra do que a exceção em séries em geral, a primeira temporada de Sonic Prime não encerra um arco inicial nem mesmo as questões isoladas que foram levantadas ao longo de suas mais de três horas de duração. É como se uma história longa fosse partida a esmo, sem critério estrutural aparente.
O atenuante é que, espera-se, o problema da incompletude será desfeito quando a sequência tiver sua vez. Gostei de Sonic Prime de forma inconstante: primeiro mais, depois menos, de novo mais e, depois, na frustração de ser deixado na expectativa.
Disto veio minha impressão ambígua de que Prime poderia fazer mais com menos se mantivesse o fluxo narrativo sem bifurcar para “sidequests” como na selva. Ao mesmo tempo, faltou um ponto de virada que funcionasse como encerramento do primeiro ato e transição para o segundo.
Gostei mais de Sonic Prime que os filmes live action, porque acho que o formato de animação cai melhor para as histórias de um ouriço azul corredor, uma raposa voadora de duas caudas e um cientista ditador com fixação por ovos e robôs. Porém, tenho que levar em consideração que eu represento apenas a fração do público-alvo que corresponde aos adultos com relação afetiva com os jogos de Sonic. E quanto à demografia principal, ou seja, as crianças?
Meus filhos amaram. Tive que regular para ver apenas dois episódios por dia, prolongando a curtição. Eles já são familiarizados com alguns games do herói e as histórias em quadrinhos, viram os filmes e têm camisetas. Fanboys, no sentido literal aplicável a meninos empolgados que consideram que sua coisa favorita é sempre a experiência mais recente. Já prevejo que Heitor, de 8 anos, vai começar a perguntar do trailer da segunda temporada, assim como ele pergunta do futuro terceiro filme desde que saiu do cinema após Sonic 2.
P.S.: como o mais velho está de férias e o mais novo está doente, usaram esses estados de exceção para assistir à temporada inteira mais uma vez, em um dia. Ponto para Sonic Prime.
Revisão: Raquel Nascimento Everton