Análise: Tactics Ogre Reborn (Multi) traz de volta um dos maiores clássicos dos RPGs estratégicos

Eis “a joia da coroa dos RPGS táticos”.

em 10/11/2022
Embora Final Fantasy Tactics seja o JRPG tático de propriedade da Square Enix que primeiro vem à cabeça de muitos jogadores, antes dele tivemos a série Ogre cujo impacto no gênero estratégico deve sempre ser valorizado. Como parte dos esforços de revitalização do gênero durante este ano, a Square Enix traz agora ao PC (Steam), PS4, PS5 e ao Switch uma nova edição de Tactics Ogre: Let Us Cling Together.
 
Intitulado Tactics Ogre Reborn, o jogo tenta agora resgatar o brilho desse clássico e demonstrá-lo para uma audiência mais nova que pode não ter familiaridade com a sua proposta. Originalmente lançado em 1995 no Super Famicom, o jogo havia sido lançado no Ocidente apenas em 1998 já em sua edição de PS. Um remake foi lançado para PSP em 2010 no Japão e 2011 no Ocidente, trazendo várias melhorias de qualidade de vida e ajustes que foram revistos em Reborn.

A força da convicção

Tactics Ogre conta a história do jovem Denam Pavel, um rapaz advindo da província de Golyat. Junto com sua irmã Catiua, o seu melhor amigo Vyce Bozeck e um grupo de ex-cavaleiros do Reino de New Xenobia, ele se torna uma figura central do grupo de resistência de Walister. Após o bem sucedido resgate do duque Juda Ronwey, Denam se vê diante de uma trama complexa de eventos políticos que testarão a sua lealdade e ambição.
 
Sem entrar em muitos detalhes sobre a trama para evitar spoilers, destaco que se trata de uma história bem complexa e instigante. Os diálogos são pequenos e diretos ao ponto, oferecendo contexto suficiente para que o jogador entenda as posições de cada um em um conflito que já está em andamento bem antes dos eventos que vemos. Há também textos adicionais no Warren Report para explicar melhor o que está acontecendo.

Há uma riqueza praticamente incomparável de detalhes históricos assim como de perspectivas de personagens de todos os lados do conflito. Poucos jogos do gênero conseguem ter tamanha desenvoltura e elegância no desenvolvimento de sua narrativa, ainda mais fazendo isso sem exagerar na quantidade de diálogos, evitando fazer uma trama rocambolesca. Da mesma forma, essa agilidade poderia enfraquecer o desenvolvimento dos personagens, fazendo com que tudo se resumisse a um campo de batalha forçado, mas esse claramente não é o caso.
Em particular, chama a atenção a maleabilidade da história, que conta com várias escolhas e alguns desdobramentos específicos baseados em situações específicas de gameplay. Determinados momentos chave dão origem a ramificações na narrativa e somos forçados a lidar com as consequências das nossas ações.
 
O que Denam enfrenta no seu caminho é um abismo que constantemente questiona a sua convicção. Não se trata de um homem só que carrega em seus ombros o destino do mundo, mas da capacidade de moldar o seu próprio ideal de futuro e lutar por ele. Isso faz com que a narrativa dê não apenas peso à escolha dele, como destaque a fragilidade de sua posição diante das intempéries do contexto geopolítico em que está inserido.

A luta constante

Tactics Ogre é um RPG estratégico com batalhas táticas baseadas em turnos. No controle de até 12 personagens (usualmente com limites menores), cabe ao jogador movimentar suas unidades pela malha quadriculada do campo de batalha. Os turnos são individuais e fatores como classe, equipamento e efeitos de suporte afetam a agilidade (RT) dos personagens.
 
Uma vez no seu turno, o jogador pode se movimentar, atacar inimigos e objetos em sua área de alcance e usar habilidades como magias (de cura, dano ou suporte). Cabe ao jogador saber explorar as possibilidades da sua equipe e movimentá-la adequadamente pelo campo. Vale destacar que as áreas são muito bem desenhadas, contando com vários elementos geográficos que interferem na movimentação, como corpos d’água, plantas, casas e relevos íngremes.
A questão geográfica afeta em especial o uso de ataques de longo alcance. As flechas e projéteis mágicos possuem trajetórias específicas que dependem de fatores físicos como altura e obstáculos no caminho. Isso implica que nem sempre o alvo desejado pode ser atingido e é importante ficar atento a isso no mapa.
 
Apesar de haver uma indicação de trajetória como uma linha no mapa, a interface gráfica principal que se sobrepõe aos elementos da tela não indica esse elemento com clareza. Ela pode mostrar um “100%” de acerto para um inimigo que nunca será atingido por conta de seu posicionamento, uma falha grave que pode induzir o jogador ao erro, especialmente no início quando ainda está se acostumando com o sistema. Esse problema também se aplica a outros fatores como ataques duplos consecutivos, quando o jogo aponta apenas o valor esperado do dano de um golpe. Esse tipo de dissonância da informação é um fator bastante negativo para um jogo estratégico, que depende do jogador ter 100% de controle das suas possibilidades.

Reborn também conta com um sistema de cartas de buff que podem aparecer no fim de cada turno. A ideia é movimentar o personagem para aquela área e coletá-la ao parar naquele ponto do mapa. Com isso, o jogador pode ganhar benefícios como bônus de ataque ou magia, restauração de MP (necessário para usar magias e técnicas) ou ativação mais frequente das habilidades passivas. Cada personagem (aliado ou inimigo) possui quatro slots para elas e todos os benefícios serão cancelados ao coletar uma carta de negação.
Em termos de mecânica, há também vários outros fatores a serem levados em consideração. O poder das magias é afetado por aspectos climáticos e afinidade elemental, enquanto ataques físicos vão sendo aperfeiçoados com o uso, aumentando o nível de proficiência nas armas. Ao todo, cada personagem pode equipar no máximo quatro itens consumíveis, quatro magias, quatro técnicas que incluem passivas e golpes físicos e até oito finalizações (um número excessivo e desnecessário, que seria muito melhor empregado para as habilidades passivas).

Derrotar um inimigo implica no surgimento de uma sacola com seus pertences ou no surgimento de uma carta de tarô que aumenta permanentemente um atributo como força ou inteligência. Em geral, as missões envolvem derrotar o líder de um grupo de inimigos, sendo potencialmente mais rápido focar em despachá-lo em vez de eliminar todas as tropas.
Para fortalecer a sua equipe, o jogador pode usar alguns pontos específicos do mapa para treinar e comprar itens nas lojas para alterar os seus equipamentos. Porém, o treinamento nem sempre está disponível, pois o mapa muda de acordo com o contexto da narrativa. Outra opção é alterar a classe do seu personagem utilizando licenças. O personagem já irá automaticamente desbloquear várias passivas, mas o seu nível de proficiência com os equipamentos da nova classe pode ser baixo, exigindo um pouco de treinamento.

De modo geral, há vários elementos para levar em consideração ao montar as estratégias em Tactics Ogre Reborn. Trata-se de um jogo rico mecanicamente, com fases bem pensadas e uma estrutura sólida de combate. Em caso de dificuldade, também é possível usar a Chariot Tarot para voltar um pouco no combate e tentar tomar outro rumo melhor.

Mudando o equilíbrio

De forma geral, Tactics Ogre Reborn é baseado na edição de PSP de Tactics Ogre: Let Us Cling Together. Porém, há mudanças significativas entre as versões, que vão além de uma remasterização para que o jogo pudesse ser melhor aproveitado em sistemas de alta definição. Ainda no aspecto apresentação, o jogo conta com uma trilha sonora orquestrada em cima das composições de Hitoshi Sakimoto e dublagens em inglês e japonês, assim como novas legendas em espanhol, francês, alemão, chinês e coreano.
 
Inicialmente tive um pouco de receio em relação ao filtro utilizado por deixar as ilustrações com uma aparência de lisura, já que prefiro o aspecto pixelado. Porém, após poucas horas já havia me habituado ao estilo e ele é especialmente agradável em combate com a câmera mais afastada. Já as novidades no aspecto sonoro são indiscutivelmente bem-vindas. Os instrumentos da trilha reforçando o senso de gravidade de suas músicas (especialmente aquelas que parecem evocar a sensação de marchas militares) e as vozes são muito bem escolhidas, reforçando a imersão dos eventos da narrativa.

Já no quesito gameplay, as mudanças são um pouco mais complicadas. Há adições significativas, como objetivos secundários para os combates, a unificação de MP e TP, a aceleração do combate em duas vezes, a opção de ver o campo e ajustar o posicionamento das unidades e até mesmo colocar uma IA para controlá-las (especialmente útil para treinamentos voltados a aumentar a proficiência nos equipamentos). Porém, Reborn opta por um controle mais rígido da dificuldade com um sistema de Union Level. A ideia é simples: é um level cap que vai sendo ajustado ao longo da campanha, impedindo que o jogador fique mais forte do que os inimigos da narrativa. 
O valor chega a ser inferior ou igual ao nível dos oponentes numa tentativa de garantir o desafio e exigir que o jogador domine estratégias para vencer apesar de sua fraqueza. O conceito de desincentivar o grinding excessivo já existia em versões anteriores, com a edição de PSP aumentando o nível de dificuldade das fases quando as classes do jogador estavam muito acima do esperado daquele capítulo, mas a sensação do novo sistema é de limitação das possibilidades do jogador no lugar da valorização do desafio.

Essa tentativa de bloquear a força bruta implica também na possibilidade de sofrer um softlock, ou seja, ficar incapaz de avançar em algum ponto pela inviabilidade da equipe. Houve também a remoção do sistema de corações, fazendo com que qualquer unidade derrotada seja completamente eliminada após três turnos. Enquanto outros jogos do gênero tentam criar mecanismos para que jogadores mais inexperientes possam ter em mãos todas as ferramentas necessárias para avançar, Tactics Ogre Reborn opta por se fechar mais ainda em si mesmo para defender uma noção de “desafio autêntico”.

A meu ver, essa escolha foi equivocada, tornando o jogo desnecessariamente difícil e frustrante em vez de oferecer esse modo desafiador ao jogador como uma opção. Dessa forma, ele está bem longe de ser recomendável para pessoas inexperientes no gênero, que, caso queiram experimentar o jogo, estarão mais bem servidas com a edição de PSP. Pessoalmente, também recomendaria Triangle Strategy como uma opção mais equilibrada que também oferece uma excelente complexidade mecânica e narrativa.

O renascimento de um clássico

Tactics Ogre Reborn
traz de volta um clássico dos RPGs estratégicos em grande estilo. Trata-se de uma obra francamente indispensável para qualquer jogador, apesar de algumas escolhas específicas da nova edição dificultarem a entrada de novatos no gênero. Mesmo assim, Tactics Ogre continua mostrando não apenas a competência de seus criadores, mas a grande possibilidade dos jogos em geral como arte e reflexão.

Prós

  • Narrativa magistral que consegue ser ágil sem enfraquecer a trama nem os personagens;
  • Sistema de escolhas bem explorado para as ramificações narrativas;
  • Gameplay rico em mecânicas que permitem maleabilidade estratégica;
  • Trilha sonora atmosférica de altíssima qualidade contribui para a constante gravidade das cenas e do combate;
  • Dublagem em inglês e japonês adicionam mais uma camada de imersão à história.

Contras

  • Limitação de nível pode dificultar a entrada para novatos no gênero;
  • Alguns raros casos de indicações dissonantes na interface de batalha.
Tactics Ogre Reborn — PC/PS4/PS5/Switch — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Camila Cerineu
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix

é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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