O compositor e produtor de game music, Shota Nakama, já pode ser considerado um cidadão brasileiro honorário. Desde sua primeira participação na Brasil Game Show em 2018, o artista foi abraçado pelo público nacional, seja pelas apresentações de seu projeto Video Game Orchestra – que traz arranjos de músicas de games clássicos e contemporâneos – ou pelas piadas que surgiram devido ao duplo sentido que a pronúncia de seu nome tem no país.
Em 2022, Nakama e a BGS abraçaram completamente esse meme. Canecas com fotos do músico deitado em uma cama foram vendidas pela loja oficial do evento. No Meet & Greet, ele chegou sentado em uma cama para recepcionar os visitantes. Resultado: o fã brasileiro acabou se sentindo ainda mais conectado ao artista.
Neste ano, o concerto da Video Game Orchestra dentro do evento aconteceu no dia 11 de outubro. Comparado a 2019, o projeto teve um dia a menos de espaço na feira, já que Nakama e sua banda também se apresentaram no dia seguinte, na estreia da Sonic Symphony Tour.
Esse encolhimento, na verdade, pode ser representativo do show em geral: o espetáculo foi rápido, trouxe menos hinos indispensáveis do mundo dos jogos e poderia ser melhor aprimorado, mas, no final das contas, animou bastante as pessoas.
Enrolar é uma arte
Quem já trabalhou em apresentações ao vivo sabe que, possivelmente, o pior dos pesadelos é quando torna-se necessário enrolar para entreter o público durante a montagem de um show ou devido a algum problema técnico. Marcada para começar às 18h, a banda só subiu ao palco por volta de 19h10. Nesta cerca de uma hora, coube às apresentadoras Ana Xisdê e CarolzinhaSG o árduo trabalho de evitar que a plateia do palco principal se dispersasse.Parte das ações que ocorreram enquanto os rodies preparavam os instrumentos já estavam planejadas, como intervenções de marcas patrocinadoras, como Outback, Monster e Banco do Brasil.
Mesmo 100% focadas em distribuir brindes para os presentes, essas brincadeiras acabaram testando a paciência de algumas pessoas que estavam lá pela Video Game Orchestra. Foi difícil não sentir um certo constrangimento alheio quando as pessoas começaram a clamar por Nakama, ignorando qualquer tipo de interação que as apresentadoras e os representantes das empresas tentavam realizar.
Porém, quando tudo parecia pronto, houve um problema nos teclados antes do início do show, obrigando Ana e Carolzinha a voltarem ao palco e improvisarem uma espécie de pesquisa de público com os espectadores, fazendo todo tipo de pergunta imaginável. "Quem joga no PC? E no console? Quem gosta de Fortnite? Quem prefere Valorant? Essa é a primeira vez que vocês vêm à BGS?".
Finalmente, quando os problemas foram resolvidos, o censo terminou e a apresentação iniciou. Fica aqui a minha solidariedade às apresentadoras. Enrolar realmente é uma arte e elas fizeram o melhor que podiam.
Orquestra ou banda de rock?
Em suas descrições na internet, a Video Game Orchestra diz que realiza arranjos "rockestrais", misturando instrumentos de música de concerto com baterias, guitarras e baixos elétricos. Então, era de se esperar que o show de 2022 tivesse uma pegada mais intensa, assim como o espetáculo de três anos atrás. No entanto, uma coisa foi notável assim que os artistas subiram ao palco: cadê a orquestra?
Diferentemente de 2019, quando uma orquestra completa de São Paulo participou do show, somente os integrantes principais da banda estavam presentes: Shota Nakama na guitarra e nos vocais; Dave Vives nos vocais; Chris Baum no violino; Louis Ochoa no baixo e vocais; Leah Bluestein na bateria; Derek Dupis nos teclados e vocais; e, como convidado especial, Marcelo Barbosa, do Angra, na guitarra.
Não há nada de errado com o grupo em si. Na verdade, todos são extremamente bons no que fazem. É impossível deixar de se surpreender com a qualidade vocal de Vives ou com os vários solos de guitarra, baixo e violino – alguns até realizados de maneira alternada. Mas, no fim das contas, é como se tivéssemos assistido a uma edição incompleta do projeto.
A apresentação da Sonic Symphony Tour, no dia seguinte, contou com os talentos da Orquestra Solaris, regidos pelo maestro Vitor Zafer. Portanto, havia possibilidade de a Video Game Orchestra ter tocado com uma estrutura maior. A falta de uma orquestra no show do dia 11 provavelmente esbarra em questões de bastidores das quais é melhor passarmos longe.
Início morno
Assim que a apresentação começou, a banda pediu algo que meu espírito idoso ficou com preguiça de fazer: ir para a frente e formar uma espécie de pista no local onde as pessoas assistiam ao concerto sentadas. Minha boa visão do palco na terceira fileira foi obstruída por pessoas mais cheias de energia do que eu, mas não me importei. Fiquei felizes por elas e por mim, que pude continuar sentado, acompanhando o show pelo telão.
Entretanto, no canto da fileira, percebi que a mixagem não estava muito boa. Alguns instrumentos estavam mais altos do que os outros, o que dificultava a compreensão das faixas. Deu para perceber que o show iniciou com World Warrior, de Street Fighter II (SNES), e Vampire Killer, de Castlevania (NES), porém era necessário ficar de ouvidos bem abertos para reconhecer as partes principais das músicas.
A partir da terceira composição, minha apreciação do setlist ficou prejudicada devido a um detalhe simples, mas de extrema importância: eu não conhecia todas as músicas. Aliás, aposto que esse foi um ponto sentido por várias pessoas. Por bastante tempo, a banda não fez trabalho algum para situar a plateia do que estava tocando. Os artistas foram de uma faixa para a outra, sem sequer falar a origem de cada música. Nem mesmo havia imagens dos games no telão, como faz a Video Games Live.
Isso só parou quando Nakama disse que ia apresentar dois trabalhos que compôs para o título The Good Life (Multi), dirigido por Hidetaka "Swery" Suehiro. Nesse momento, trechos de cutscenes e de gameplay do jogo apareceram na tela. Vale destacar a coragem do produtor em trazer um game tão nichado para um show que basicamente se alimenta da nostalgia dos jogadores. Acabou sendo uma oportunidade de apresentar um jogo mais independente para um grande público.
Porém, essa exibição de imagens de jogos foi somente nesta hora. No restante do show, o telão mostrou só imagens da própria apresentação e logotipos de empresas patrocinadoras. Aliás, uma situação esdrúxula aconteceu quando Nakama parou o show para passar algo relacionado a Sonic na tela. A expectativa de ser algum anúncio foi quebrada quando foi exibida, na verdade, uma propaganda de Sonic 2 – O Filme no Telecine.
Jogando para a plateia
Após um começo mais contemplativo, a banda inclinou forte para o rock, deixando o público bem mais animado. Foi uma sequência que incluiu canções como Life Will Change, de Persona 5 (Multi); The Only Thing They Fear Is You, de DOOM (Multi); Big Blue, de F-ZERO (SNES); Subhuman de Devil May Cry 5 (Multi); e composições fora do reino da game music, como trechos de The Trooper, do Iron Maiden, e de Sweet Child O' Mine, do Guns N' Roses.
Essas duas últimas composições soaram bem como uma jogada estratégica para a plateia. Com todo mundo empolgado, esses clássicos superconhecidos do rock são o empurrãozinho para ganhar as pessoas. Há, de fato, uma falta de coesão com o tema geral do show, mas, sem dúvidas, o público ficou animado.
Essa animação contagiou a banda, que interagiu mais com a audiência. Vives chegou a repetir 2019 e desceu para cantar junto aos fãs, algo que rendeu alguns pontos de simpatia a mais para os músicos.
Foi nesse momento também que a assessoria do evento me convidou para acompanhar o show para além da faixa de segurança. Sentado lá na frente, percebi que o áudio estava melhor. Não sei se, nesse meio-tempo, a equipe técnica aprimorou a mixagem ou se a qualidade de som dependia do lugar onde estava sentado. Se for a segunda opção, então, provavelmente, quem se aventurou a acompanhar o show na pista acabou sendo privilegiado.
Vale destacar também que, deste ponto em diante, o grupo anunciou os jogos aos quais as composições pertenciam, tornando mais fácil a identificação.
Final digno
Após uma balada mais calma com Weight of the World, de NieR: Automata (Multi), a apresentação encerrou com o clássico Snake Eater, de Metal Gear Solid 3: Snake Eater (PS2), e uma versão de Big Boss Returns, de Metal Gear Solid V: The Phantom Pain (Multi). Talvez não tenha sido o final mais bombástico. Tanto que muitas pessoas esperaram um bis que nunca chegou.
No final, o espetáculo cumpriu seu papel: empolgou as pessoas. As faltas de uma orquestra de verdade e de recursos audiovisuais que ajudassem a indicar os títulos aos quais as faixas tocadas pertenciam foram sentidas. Mas foi uma maneira digna de terminar um dia de BGS.
Confira abaixo o setlist do show e a apresentação na íntegra:
- World Warrior – Street Fighter II
- Vampire Killer – Castlevania
- Theme of Laura – Silent Hill 2
- Temas de Chrono Trigger/Chrono Cross
- The Good Life Song – The Good Life
- Money Money – The Good Life
- Life Will Change – Persona 5
- The Only Thing They Fear Is You – DOOM
- Big Blue – F-ZERO
- Trecho de The Trooper – Iron Maiden
- Trecho de Sweet Child O' Mine – Guns N' Roses
- Subhuman – Devil May Cry 5
- Devil Trigger – Devil May Cry 5
- Saudade – Resident Evil 2
- Weight of the World – NieR: Automata
- Snake Eater – Metal Gear Solid : Snake Eater
- Trecho de Big Boss Returns – Metal Gear Solid V: The Phantom Pain