Análise: Saints Row (Multi) prova que toda piada precisa ser bem contada

Apesar de oferecer bons momentos, o título da Volition não é o retorno esperado para a franquia.

em 25/08/2022
Apresentado ao mundo no The Game Awards de 2021, Saints Row é um recomeço para a divertida franquia da Volition, que — excluindo remasterizações — não vê um novo lançamento desde Saints Row: Gat Out of Hell (Multi) em 2015. Mas será que esta adaptação para uma nova geração deu certo ou temos aqui uma experiência que peca nos aspectos que fizeram o nome da série na indústria? Confira a seguir em nossa análise.

Para onde ir depois do inferno?

Desde a sua concepção no início dos anos 2000, a franquia Saints Row se destacou por sua visão de mundo aberto inspirada na liberdade e nas possibilidades de Grand Theft Auto. À época, o conceito de levar a sua gangue (os Saints) ao topo de um mundo marcado pelo crime foi bem aceito e, mesmo sendo um exclusivo, o primeiro título da série superou 2 milhões de cópias vendidas, o bastante para garantir sequências de maior orçamento que expandissem a ideia original.

Com o tempo, no processo de buscar sua própria identidade e se distanciar cada vez mais da série da Rockstar, a partir de Saints Row The Third (Multi), a saga abraçou de vez sua vocação cômica e descompromissada com a realidade, o que lhe rendeu uma personalidade única e bem divertida, com missões absolutamente esculachadas cuja prioridade era sempre a diversão e não um sentido propriamente dito.

Essa tendência atingiu seu pico com Saints Row IV (Multi), que colocou o jogador (The Boss) logo como o presidente dos Estados Unidos e responsável por defender sua nação e o mundo de uma invasão alienígena. Devo dizer que a loucura misturada com genialidade acompanhada de uma trilha sonora fantástica fez do quarto game um dos títulos mais divertidos que já joguei — como esquecer um jogo onde você foge pelado de uma nave espacial ao som de What is Love, do Haddaway?!

Mas após ter mexido com o espaço sideral, o inferno e além, parece que alguém na Volition achou que era melhor dar um tempo na brincadeira. E assim surge a estrela desta análise, com novos Saints, novas gangues e um pé no freio generalizado que, honestamente, faz mais mal do que bem à franquia.

Problemas da nova geração

Esqueça Johnny Gat, Shaundi, Kenzie e outros personagens icônicos da saga: em Saints Row, você será apresentado a uma nova turma, composta pelo chefe (você), a mecânica Neenah, o DJ Kevin e o empresário Eli. 

Que fique claro que não há problema algum em mudar os personagens principais de uma saga (é esperado que um reboot faça isso, afinal), mas o problema aqui é que nenhuma das novas aparições — exceção feita, talvez, a Neenah — possui o carisma que marcou anteriormente a saga. A grande piada de Kevin, por exemplo, é baseada em aparecer sem camisa o tempo todo; Eli, por outro lado, em absolutamente nenhum momento diz a que veio. 

Você e os três jovens dividem um apartamento em Santo Ileso, uma cidade fictícia no sudoeste dos EUA, e não é preciso muito tempo para ver que a vida não está fácil: o aluguel está atrasado e você começou a arriscar sua vida na Marshall Defense Industries — uma empresa conhecida pela mentalidade “atirar primeiro, perguntar depois” — para ajudar nas despesas coletivas. 

Santo Ileso também é dominada por três facções distintas: Los Panteros, The Idols e a própria Marshall, o que gera uma grande instabilidade na cidade. Nesse cenário caótico onde a violência leva ao poder, você e sua trupe logo se veem em uma série de situações que levantam o seguinte questionamento: “por que não dominarmos a cidade nós mesmos?”. E assim surgem, novamente, os Saints e sua caminhada rumo ao topo do mundo.

Ser ou não ser

Como pode se notar pela descrição, Saints Row opta por uma narrativa mais “pé no chão”, deixando um pouco de lado a loucura vista em Saints Row The Third e Saints Row IV. Isso quer dizer que, ao invés de derrubar naves espaciais logo na primeira missão, você se verá enfrentando uma série de capangas em um deserto próximo à cidade.

Na prática, a jogabilidade segue o padrão third-person shooter da série, mas confesso que, pra mim, o freio abrupto na insanidade acabou tornando a abertura de Saints Row muito monótona quando comparada à dos jogos anteriores. Com toda essa monotonia, logo fica fácil enxergar o maior problema do título: a obra da Volition não oferece praticamente nada que outros jogos do gênero, ou até mesmo os seus antecessores, já não tenham feito de forma melhor.

Ao jogar as primeiras sequências de ação do título, por exemplo, é possível perceber que as mecânicas de tiro e cover praticamente não sofreram melhorias desde o último lançamento, o que torna toda a experiência pálida e imprecisa se comparada à outros jogos do gênero, como Grand Theft Auto V (Multi), que, pasme, saiu há mais de seis anos.

Embora diferentes situações de combate, como lidar com uma série de inimigos ao mesmo tempo, até sejam divertidas, essa parte do jogo acaba tornando-se problemática por conta justamente dessa falta de carinho com as mecânicas fundamentais. A pergunta que paira no ar é a seguinte: já que havia o suposto interesse de tornar Saints Row mais centrado, por que não investir em uma jogabilidade mais refinada e que permitisse isso?

Pra mim, a resposta é simples: no fundo, a imprecisão da mira do jogador e a abundância de armas superpoderosas importadas de jogos anteriores demonstra que a franquia é e sempre será vocacionada a promover o caos. Quando este reboot abraça essa missão, tudo funciona relativamente bem e é até possível se divertir — pelo menos até os bugs aparecerem…

Você quis dizer bugs?

Sim, há uma imensidão de bugs em Saints Row. De animações errôneas a NPCs paralisados, passando por telas de carregamento infinitas, experimentei de tudo um pouco no jogo. 

De todos esses, o pior certamente foram os travamentos, que faziam com que fosse necessário reiniciar completamente o jogo por meio do gerenciador de tarefas (no meu caso, joguei o game no PC). São pequenos detalhes que, juntamente com o mundo aberto um tanto quanto genérico, acabam por quebrar a imersão e diminuir o valor geral da experiência. 

Uma pena, pois, conforme se progride no jogo, é possível desbloquear uma série de recursos para o personagem principal, como um soco flamejante e uma mina explosiva. Também seguindo a história principal, que dura por volta de 18 horas, pode-se fundar vários estabelecimentos auto operantes por Santo Ileso, que fornecerão um fluxo constante de dinheiro, com o qual compramos mais upgrades e roupas.

São resquícios dos aspectos criativos que colocaram a franquia no mapa e que, hoje, salvam seu novo jogo de ser um desastre completo. A verdade é que, com um pouco de paciência, é possível encontrar entretenimento aqui — é só difícil chacoalhar para fora da cabeça o pensamento de que o reboot é fundamentalmente uma oportunidade desperdiçada. Ao desejar apresentar Saints Row para uma nova geração, terminou-se perdendo parte considerável da essência da franquia: um risco que não pagou dividendos de forma alguma.

Pontos de esperança

Há alguns fatores que merecem elogios, porém: a customização do personagem principal, mostrada à exaustão em diversos trailers antes do lançamento, faz jus ao hype: com diversas opções disponíveis, é possível recriar desde atores famosos até personagens dos quadrinhos, como a Gamora e a Feiticeira Escarlate. 

Se o jogador por acaso não estiver satisfeito com sua criação, também pode alterar qualquer definição posteriormente, inclusive quando em uma missão. As criações ainda podem ser compartilhadas e baixadas diretamente do jogo, fazendo com que o potencial seja ilimitado nesse quesito: já é possível encontrar Saints do Máscara, da Mística e do Cable entre os mais votados!

Falando especificamente da versão de PC, Saints Row é bem otimizado. Seu menu inicial inclusive oferece três opções distintas de renderização (DX11, DX12 e Vulkan), e quaisquer mudanças feitas nos parâmetros gráficos podem ser vistas instantaneamente sem a necessidade de reinicialização.

Graficamente, o jogo também possui visuais interessantes, com destaque para os efeitos como explosões. Se já é divertido por natureza pegar um RPG e destruir uma série de carros, o fato de que tudo isso proporciona um espetáculo visual sem necessariamente derrubar a taxa de quadros por segundo é certamente um ponto positivo.

Falando do suporte ao nosso idioma, o jogo conta com legendas e menus em português, mas há atualmente um problema de sincronia com a fala. Frequentemente, as legendas aparecem atrasadas em relação aos diálogos, o que acaba distraindo o jogador e quebrando a imersão. Fica a esperança de que um patch futuro corrija esses problemas, assim como os bugs mencionados.

Uma piada relativamente engraçada

Com um mundo aberto genérico, um elenco desinteressante e uma lista extensa de bugs, Saints Row falha em sua missão principal de apresentar a franquia com pompas a uma nova geração. Ainda é possível encontrar aqui traços da criatividade descompromissada que um dia colocou a série no mapa da indústria e dos jogadores, mas, na maior parte do tempo, a obra da Volition mostra que renovar por renovar nem sempre é a melhor escolha.

Prós

  • Traz resquícios da ação maluca que caracteriza a série;
  • Montar um império do crime e governar pela violência é divertido;
  • Suporte a português brasileiro (legendas e menus);
  • Graficamente interessante;
  • A versão de PC é bem otimizada.

Contras

  • Elenco de protagonistas não dá liga em nenhum momento;
  • História não empolga;
  • Pé no freio da loucura escancara deficiências da franquia;
  • Grande número de bugs envolvendo NPCs, animações e telas de carregamento infinitas;
  • Falta de sincronia entre legendas e áudio;
  • Não oferece nada que os títulos anteriores da saga não tenham feito melhor.
Saints Row — PC/PS4/PS5/XBO/XSX — Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Deep Silver

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