Originalmente desenvolvido pela Nippon Ichi Software para o PlayStation original, Rhapsody: A Musical Adventure era um título curioso que despontava como uma tentativa de fazer um RPG dentro de um universo mais feminino. Com influências de mangás shoujo clássicos e musicais, a obra estava bem fora da curva do que era esperado para o seu gênero na época.
Apesar de ser tão atípico, o jogo chegou a ser lançado no Ocidente graças à ATLUS, que decidiu investir na obra adicionando uma dublagem em inglês para as músicas, mas mantendo o japonês como opção alternativa. Posteriormente, Rhapsody veio a ter várias sequências e spin-offs no Japão, incluindo um relançamento para DS, sendo um jogo importante para a história da desenvolvedora. A nova versão para PC e Switch é a oportunidade que faltava para o jogo ficar ainda mais acessível.
Um coração com buraquinhos
Rhapsody conta a história de Cornet, uma garota que perdeu os pais e foi criada pelo avô, um mestre da arte de criar marionetes. Moradora de um vilarejo humilde chamado Orange, a garota acabou criando mais amizade com esses bonecos do que com outras crianças da vila. Porém, isso não se deve a algum tipo de dificuldade social; Cornet tem um dom: ela é capaz de conversar com as marionetes.
No reino de Marl, as marionetes possuem alma e precisam resolver uma missão antes de poder partir para o céu. Conforme viaja pelo mundo, Cornet terá a chance de ajudar várias marionetes a cumprir os desejos de seus corações, podendo adicioná-las à sua equipe e usá-las para montar e adaptar o grupo de quatro personagens jogáveis. Ela também pode adicionar monstros derrotados em combate.
Curiosamente, o que motiva Cornet em sua jornada é um elemento tradicional de contos de fada com protagonista feminina: a busca por seu príncipe encantado. A garota está chegando na puberdade e passa dia e noite sonhando com um encontro mágico e especial. Um dia, ela de fato é salva por um príncipe, Ferdinand do reino de Marl, e decide se esforçar para conquistá-lo seguindo os ensinamentos de sua melhor amiga, a marionete Kururu.
Esses eventos são apenas o início de uma aventura que levará a garota por várias áreas para resgatar seu príncipe encantado das garras da lendária bruxa Marjoly. A jornada de Cornet é como um grande conto de fadas em que, depois de muito tempo esperando que o seu romance mágico e especial caísse do céu, ela precisará tomar as rédeas de sua própria vida.
Destaca-se aqui que o tom da narrativa é muito descompromissado e leve, servindo como uma excelente porta de entrada para quem quer uma jornada mais cômica e divertida. Além disso, os personagens são caricatos, mas muito charmosos, sendo fácil se interessar pelas suas histórias pessoais. Apesar de ser como um shoujo (história de mangá voltada para garotas) antigo bem clichê, o jogo é até hoje uma experiência única no gênero, que raramente explora esse tipo de contexto. Usualmente, há preferência para narrativas épicas de rapazes lutando contra dragões, jornadas de vingança, entre outros contextos mais associáveis a obras shounen (mangás “para garotos”) ou seinen (mangás “para rapazes”).
Além disso, é curiosa a escolha de representar momentos chaves da narrativa como um musical. Apesar do jogo não contar com dublagem das cenas, são justamente esses momentos que recebem canções animadas em que os personagens abrem o seu coração. Assim como na versão de PS lançada pela ATLUS, é possível optar pelas versões norte-americana e japonesa das músicas, dando às músicas um toque diferente.
Caso escolha o inglês, o jogador receberá um musical em que os personagens parecem ter vozes um pouco mais adultas que remetem vagamente a musicais infantis ocidentais, apesar de alguns dubladores desafinarem bastante. Já a japonesa conta com vozes que parecem mais adequadas para o perfil dos personagens que são bem novinhos e remetem a animes shoujo. Além disso, vale destacar que as canções contam com legendas e que elas são pensadas justamente como se fosse um karaokê para que o jogador possa acompanhar a letra. Dessa forma, a versão japonesa não conta com uma tradução do seu sentido e sim com a romanização da letra para que o jogador possa cantar junto.
O elefante branco no meio da sala
Apesar de todo o charme que motiva o jogo e o faz ser um dos meus títulos favoritos da Nippon Ichi Software, a verdade é que o gameplay deixa a desejar consideravelmente. Apesar de ter sido um dos primeiros RPGs táticos da Nippon Ichi Software, o título tem uma estrutura que remete mais aos JRPGs baseados em turnos mais tradicionais: ao explorar as áreas, o jogador é transportado para a batalha em um esquema de encontros aleatórios.
Cada batalha segue um formato tático, em que o jogador deve explorar o posicionamento de sua equipe (de no máximo quatro personagens) em um grid quadriculado. As arenas de combate são pequenas com pouquíssimos obstáculos e a sensação geral é a de um subaproveitamento dos elementos estratégicos, tendo em vista o level design rudimentar.
Além de movimentar os personagens pela pequena arena e escolher atacar, escapar ou usar magia e itens, temos um elemento particular do jogo na corneta da protagonista. Ela é capaz de usá-la para fortalecer seus aliados durante o seu turno, o que também enche uma barra no canto superior direito. Após carregar essa barra uma certa quantidade de vezes, é possível usar a técnica de Reward para invocar golpes especiais que assumem a forma de doces gigantescos na tela e atingem os inimigos.
Também é importante destacar que o jogo é muito fácil. Mesmo na maior dificuldade, o jogo está longe de oferecer grandes desafios. Por um lado, isso torna a experiência tranquila até mesmo para crianças pequenas que ainda não tiveram tanto contato com o gênero RPG. Por outro, a combinação desse fator com a simplicidade do gameplay deixará jogadores mais experientes carentes de mais desafio. Além disso, as áreas do jogo costumam repetir a sua imagem de fundo, deixando a progressão confusa e uma sensação muito perceptível de pouca verba.
Uma remasterização simples
Como foi o caso dos outros jogos das coletâneas NIS Classics, o que vemos em Rhapsody é uma remasterização que deixa o título mais apresentável para os sistemas modernos, mas não oferece configurações detalhadas. Além da opção de pixel básico, é possível jogá-lo com filtro CRT (que imita as linhas das TVs de tubo) ou “smooth” (que remove o efeito pixelado mas acaba perdendo nitidez de bordas).
Também é possível ajustar a resolução e o mapeamento de teclado e controle. Porém, essas opções são muito básicas, especialmente tendo em vista que se trata de uma remasterização de um jogo antigo e as expectativas de configuração no PC. Pessoalmente, não tive nenhum problema na minha experiência com o jogo, mas essa escolha acaba enfraquecendo o valor do novo pacote.Conto os segundos que faltam pra te ver
Apesar de simples demais no gameplay e sem grandes desafios, Rhapsody: A Musical Adventure é uma aventura repleta de carisma. Para quem nunca se aventurou por um RPG, não se importa com a baixa dificuldade e deseja ver um experimento raro do gênero para um lado mais próximo aos contos de fada e aos mangás shoujo de fantasia, a obra ainda ocupa um lugar único no mercado e vale a pena mergulhar na jornada de Cornet.Prós
- Narrativa carismática e engraçada de conto de fadas;
- Personagens charmosos que incentivam o jogador a torcer pela sua vitória e querer conhecer mais a fundo as suas histórias;
- Canções expressivas que exploram as emoções dos personagens e contam com legendas estilo karaokê.
Contras
- Gameplay modesto que acaba não explorando significativamente as suas possibilidades táticas;
- Contraindicado para jogadores em busca de grandes desafios;
- Não possui opções significativas de configuração no PC;
- Não conta com opções de filtro, extras comemorativos ou algum conteúdo novo que adicione valor à edição remasterizada.
Rhapsody: A Musical Adventure — PC — Nota: 7.0
Revisão: Thais Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela NIS America