Análise: Phoenotopia: Awakening (Multi), uma joia negligenciada

Ajude Gail a explorar um mundo vasto, adorável e desafiador.

em 24/08/2022



Muitos jogos têm um período de produção demasiadamente longo, o que causa impacto no próprio desenvolvimento. O projeto muda no decorrer dos anos e precisa ser adaptado à medida que novas possibilidades e necessidades surgem. O resultado final pode compensar a longa espera, como aconteceu com Owlboy (Multi), mas também pode decepcionar, como o caso recente de Baldo: The Guardian Owls (Multi), cujos 15 anos de trabalho não puderam salvá-lo das fortes críticas.


Lançado para Switch em 2020 e no ano seguinte para as demais plataformas, Phoenotopia: Awakening (Multi) é um desses filhos de longas gestações: foram quase 7 anos para o pequeno estúdio Cape Cosmic desenvolvê-lo, mas podemos considerar que passou uma década desde sua ideia preliminar, uma vez que esse é o remake de Phoenotopia (PC), um jogo originalmente feito em Flash. Tudo começou como um exercício de desenvolvimento de uma pessoa só, mas outras se juntaram e, ao conseguir concluir o lançamento, perceberam que poderiam levar sua obra a outro patamar. Ao invés de uma sequência, decidiram recriar e expandir o título no motor gráfico Unity para lançá-lo em todas as plataformas atuais.


O resultado? Teve seus altos e baixos. Não, não entenda mal, o ponto alto é o jogo em si, que é excelente! O baixo foi a fraca repercussão no lançamento, que frustrou pelo grande empenho dedicado a essa obra ambiciosa e, decorrente disso, cancelou o projeto de produzir a sequência (ainda é possível que aconteça, mas o estúdio vai se concentrar em outras ideias por alguns anos). Com isso, Phoenotopia: Awakening encaixa na categoria clichê de “pérola escondida” que com toda certeza merece maior reconhecimento.

Após a guerra

A introdução fala de uma guerra antiga e os seres artificiais criados pela humanidade para lutar entre si. O seu clímax foi a Fênix, uma criação misteriosa que pôs fim a esse conflito. A Terra, no entanto, estava destruída demais e a humanidade recolheu-se para hibernar em domos subterrâneos por séculos até que pudesse despertar e repovoar uma superfície renovada. Muito tempo passou após o retorno e novos reinos se ergueram.


A história segue Gail, uma jovem que, juntamente com as crianças do orfanato onde vive, vai até as ruínas de um templo nas montanhas – a primeira dungeon do jogo – para investigar a queda de um meteorito. O que ela encontra no local da queda é a cabeça de um robô. Do alto da montanha é possível ver seu vilarejo ao longe e as crianças presenciam aterrorizadas uma nave surgir do nada e lançar uma luz sobre o vilarejo. Ao retornar, descobre que todos os que estavam lá foram levados pela nave. Como a única pista é a misteriosa cabeça de robô, Gail parte em busca de cientistas que possam consertá-la para tentar descobrir o que aconteceu.

Vale ressaltar que o título recebeu tradução e você poderá acompanhar toda a história e conversar com as dezenas de NPCs em nosso idioma! Os diálogos são sempre agradáveis, divertidos de ler e também informam dicas preciosas para encontrar segredos. No fundo, a história é simples e o principal é contado com clareza nos momentos-chave, levando a rumos mais ou menos imprevisíveis. 

Aqui há um porém: alguns pontos são inconclusivos, deixados em aberto como ganchos para a sequência direta – que talvez nunca aconteça. Por causa disso, mesmo sendo um jogo longo, parece acabar subitamente. Isso não impede o aproveitamento de Phoenotopia: Awakening como um produto que se sustenta por si só e, no fim das contas, o principal da narrativa está na atmosfera adorável e o mundo cativante.

Partindo para explorar o mundo

A jornada de Gail se estende por um mundo grande, bonito e variado: levei 60 horas para completar 91% da aventura, passando por campos, cidades, ruínas e muitos lugares inesperados que refletem épocas, culturas e estéticas diversas. A estrutura é diretamente inspirada em Zelda II: The Adventure of Link (NES): o mundo é visto de cima, em miniatura, parecendo mais um mapa que a heroína percorre (como nos JRPG de 8 e 16 bits). No entanto, adentrar qualquer localidade faz uma transição para a visão 2D lateral de plataforma e é assim que a maior parte do jogo ocorre. O mesmo acontece nos encontros com inimigos no mundo visto de cima, que no fim das contas funciona como uma espécie de hub e dá praticidade às viagens entre os locais para que sejam acessados sem delongas.


Mesmo que as áreas não sejam diretamente conectadas entre si, apenas pelo “mapa” do mundo, a progressão é típica de metroidvanias no sentido de que o jogador deve explorar para conseguir habilidades e equipamentos que permitirão acesso a porções cada vez maiores do mundo, inclusive a recantos anteriormente inalcançáveis nas áreas já visitadas – o famoso backtracking. Felizmente, esse recurso é bem utilizado em Phoenotopia e adiciona profundidade a cada local com a certeza de que seus segredos não foram esgotados, promovendo a expectativa do futuro retorno para finalmente descobrir o que mais pode ser encontrado e solucionado por ali. 

Os segredos são parte essencial de Phoenotopia e estão espalhados em toda parte. Entre puzzles, itens, baús de dinheiro e gemas para melhorar as capacidades de Gail, há algumas centenas de pequenas coisas ocultas para atiçar e satisfazer a curiosidade dos jogadores.


Mesmo a maior parte sendo opcional, há tantos segredos e coletáveis que precisei fazer capturas de tela para registrar cada vez que encontrava algo suspeito ou que ainda não podia solucionar. Após avançar com novas mecânicas, eu olhava minha galeria de imagens e lembretes em busca de algo que julgasse agora ser capaz de alcançar, entender ou decifrar.

A boa dose de abertura é um dos méritos de Phoenotopia. Embora não seja um mundo aberto, o jogador pode explorar os arredores de cada nova região conforme sua vontade e capacidade, sem ficar preso a uma ordem específica, sempre com várias opções. Tive um bom exemplo disso quando cheguei a uma região e, tentando seguir a história, acabei tendo dificuldade contra o chefe seguinte. Saí do local e passei mais 5 horas explorando as redondezas, encontrando muitos pontos de interesse, puzzles e mini-dungeons até finalmente decidir que era hora de voltar ao chefe e derrotá-lo. Nenhuma dungeon deixa Gail trancada, sem opções. Sempre é possível sair e vasculhar outras partes, o que leva a um ritmo de jogo muito bom que permite que o jogador se mantenha em movimento e sempre em busca de algo novo.


A quantidade de conteúdo e a abertura para procurá-los leva à gratificante sensação de que não é o jogo quem empurra o jogador de ponto a ponto, mas é o jogador quem desbrava o mundo segundo seu próprio passo, interesse e atenção. Phoenotopia, por sua vez, responde com boas surpresas e desafios. E não se engane pela aparência fofinha, é bastante desafiador.

O dilema da dificuldade

Como o próprio criador aponta, o marketing foi fraco. A pouca atenção que o jogo recebeu foi de análises que louvaram suas inúmeras qualidades, mas o rotularam como um produto que não é para qualquer um devido à sua “dificuldade brutal”. O estrago já estava feito, mesmo que pouco depois tenha sido lançada uma atualização que resolveu a questão de forma muito eficiente: ao invés de propor níveis de dificuldade em fácil, médio e difícil, Phoenotopia recebeu uma lista de opções de acessibilidade que são muito bem vindas. 

Joguei com a maioria delas ativadas. Uma das mais básicas faz os balões de fala ficarem parados, ao invés de balançarem levemente (o que pode causar desconforto). Outras influem na dificuldade de forma simples, mas certeira, ao dar mais oportunidades para o jogador sobreviver sem ter que diminuir a vida, agressividade ou inteligência dos inimigos.

Há outro menu para preferências

Destaco as que ajudam no gerenciamento da barra de energia, agilizando o combate e evitando que ele se torne uma questão de esperar recarregar a energia para poder fazer qualquer coisa. Outra opção importante é a que permite usar os itens de cura diretamente do menu, instantaneamente, sem precisar que Gail os coma parada, em tempo real, algo que pode levar até 5 segundos! Essa opção faz toda a diferença, especialmente contra chefes.

O combate em si é bem feito e ganha algumas opções ao longo da jornada, como armas de longo alcance e umas poucas técnicas, mas senti como o único ponto que não está realmente acima da média. Alguns momentos são empolgantes, mas em geral o combate está dentro do normal. O alcance da arma principal é muito curto e tudo requer algum nível de precisão. É desafiador e chega a ser difícil, ideal para quem busca esse tipo de experiência, mas as opções de acessibilidade descritas acima o tornam menos punitivo para quem não está interessado.


Por fim, é preciso notar que não há salvamento automático, mas os pontos de salvamento nunca ficam longe entre si e fazer isso manualmente permite experimentar algumas novas ideias e consumir recursos sem ter que lidar com consequências definitivas caso algo dê errado.

Uma aventura que merece atenção

Creio que a palavra que melhor descreve minha experiência com Phoenotopia: Awakening é “cativante”. É uma aventura de grandes proporções, agradável, calorosa, bonita, polida, desafiadora e instigante que incentiva a exploração e recompensa a curiosidade. Merece toda a atenção de qualquer pessoa que goste de vasculhar aventuras 2D para desfrutar de cada detalhe.

Prós

  • Mundo, visuais e músicas cativantes;
  • Grande variedade de conteúdo e segredos que satisfazem a exploração e curiosidade;
  • Ótima abertura que permite ao jogador guiar o ritmo da aventura;
  • Opções de dificuldade que fazem diferença;
  • Textos em português brasileiro.

Contras

  • Aspectos inconclusivos da história;
  • O final parece apressado.
Phoenotopia: Awakening - PC/PS4/XBO/Switch - Nota: 9.0
Versão utilizada para a análise: PC
Revisão: João Pedro Boaventura
Cópia digital adquirida pelo redator

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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