Análise: Salome’s Kiss (PC) cativa e seduz com sua engenhosa teia de mentiras

A nova visual novel de ebi-hime traz uma trama para romântico nenhum colocar defeito.

em 18/07/2022
Salome's Kiss, nova visual novel de ebi-hime lançada em abril no Steam e itch.io, entrega, mais uma vez, uma história de amor entre duas mulheres (girls love) na Inglaterra vitoriana, tal qual Blackberry Honey (Multi); no entanto, o romance entre Letitia e Genevieve mostra que até o mais doce dos doces pode ser amargo como fel. 


Apesar de a barreira linguística ser novamente um problema, Salome’s Kiss agrada em diversos aspectos, tanto na contextualização quanto no conteúdo de sua história, e traz uma excelente apresentação audiovisual.

Quem nunca pecou que atire a primeira pedra

Letitia Reed, 24 anos, trabalha em Londres como governanta da jovem Clara Mortimer há quatro anos. Estimada tanto pela garota quanto pela matriarca da mansão, com o passar dos anos Letitia começa a alimentar desejos que não condizem nem um pouco com sua personalidade e religião.

Destinada a enterrar suas fantasias imorais por Clara, a protagonista vê sua oportunidade de fuga em um anúncio para trabalhar como governanta para a família Langsley, na mansão Hatton, em Yorkshire, isolada por densos pântanos. Contudo, sua nova pupila, Genevieve Langsley, não se parece em nada com o que Letitia imaginava ser.

Aos poucos, as duas começam a se envolver em uma relação pautada por segredos e mentiras. Se, por um lado, Letitia se vê diante de uma oportunidade de ser amada e reconhecida como mulher, por outro, os sentimentos de Genevieve são tão traiçoeiros quanto os pântanos que cercam a mansão dos Langsley.

Romântico ao pé da letra

Assim como em Blackberry Honey, Salome’s Kiss se apoia nos princípios eurocêntricos e nos costumes da era vitoriana do século XIX, sobretudo a religião, e como o romance entre duas mulheres sugere uma afronta à época em que se passa a trama. Porém, chama a atenção o modo como ebi-hime consegue trazer um ar de morbidade e melancolia com sua escrita, detalhando com minúcia as angústias vividas por Letitia, tanto as de cunho sexual quanto as relacionadas à sua própria existência no mundo.

Até mesmo a natureza é outra em Salome’s Kiss: a vida da governanta em Hatton é cercada de densos e cinzentos pântanos que, junto a Genevieve, são sua única forma de escapar da atmosfera isolada e melancólica da mansão. A civilização mais próxima, o pequeno vilarejo de Beeston, também não traz conforto algum à protagonista: as pessoas que lá moram são, nas palavras da herdeira dos Langsley, simplórias, precisando preencher suas vidas sem sentido com rumores e fofocas.

É muito fácil perceber que ebi-hime decidiu abraçar — sempre com muito cuidado e pesquisa — as principais características do romantismo, sobretudo o ultrarromantismo, que em muito se baseia no goticismo. Dessa forma, a autora entrega uma obra que poderia muito bem ter sido uma peça de William Shakespeare; inclusive, quem conhece as obras shakespearianas logo perceberá o que quero dizer com tudo isso: o romance entre Letitia e Genevieve está longe de ser uma história alegre de amor.

Qualidade impecável, mas não infalível

A escrita de ebi-hime para Salome’s Kiss é muito mais madura que a de suas obras anteriores e isso fica bastante claro desde o início. Contudo, assim como as outras visual novels da autora, a linguagem utilizada pode ser uma grande barreira para o entendimento da história como um todo. Infelizmente, isso é algo recorrente nos trabalhos dela, sobretudo as de contexto histórico.

Para quem não tem muito conhecimento de inglês, a leitura pode ser considerada custosa e arrastada, ainda mais com tanto detalhamento e o fato de a visual novel ser linear, ou seja, não tem escolhas ao longo da trama. Neste caso, a falta de localização para português (ou outra língua latina, como o espanhol) é um grande ponto negativo, ainda mais quando o jogo também faz uso de elementos bíblicos (a própria Salomé, à qual o título faz alusão), mitológicos e folclóricos.

De resto, a arte mais semirrealística e a trilha sonora são belíssimas e conseguem traduzir o que está sendo descrito na caixa de diálogo sem problema algum — até mesmo as expressões faciais dos personagens são capazes de exprimir seus sentimentos sem grandes dificuldades. Esse ponto é reforçado com uma galeria, na qual é possível ter acesso às CGs, músicas e pontos-chave da narrativa conforme são desbloqueados.

Como de praxe, há um patch 18+ para Salome’s Kiss, o qual eu usei durante a jogatina. Quero deixar claro que, como estou acostumada a analisar visual novels para o Switch, tive a impressão de que jogar com as passagens sexuais ativadas fez com que o tempo de leitura se estendesse para um pouco além de 10 horas, uma média aproximada da duração das outras obras de ebi-hime. De todo modo, esse patch não é necessário para o total aproveitamento da história, podendo ser ignorado por quem não tem interesse por esse tipo de conteúdo.

“Ela, instigada por sua mãe, disse: Dá-me num prato a cabeça de João Batista.”

Salome’s Kiss faz alusão a Salomé, que, no Novo Testamento, é descrita em Mateus 14:1-11 e Marcos 6:17-28 como a responsável pela morte de João Batista — e ebi-hime não poderia ter escolhido um título melhor para sua nova trama, na minha opinião. A escrita é competente e consegue transmitir muito bem as nuances da Inglaterra vitoriana do século XIX e também diversos elementos do goticismo e do ultrarromantismo; por outro lado, a leitura pode ser custosa e arrastada para quem tem pouco conhecimento da língua inglesa.

No geral, trata-se de mais um jogo capaz de entregar eficientemente um romance lésbico — uma afronta aos costumes da época em que se passa — sem as feitchizações e os estereótipos comumente presentes em visual novels de mesma temática. 

Prós

  • Temática LGBTQIAP+ (girls love);
  • Escrita competente e pautada em elementos ultrarromânticos, com grande destaque para os costumes da época;
  • Romance maduro, sem fetichizações e estereótipos presentes no gênero;
  • Apresentação audiovisual impecável;
  • Duração satisfatória para uma visual novel linear;
  • Patch 18+ opcional que não afeta a história como um todo.

Contras

  • Leitura densa e arrastada para aqueles com pouco domínio da língua inglesa;
  • Sem localização para o português ou outra língua latina, como o espanhol.
Salome’s Kiss — PC — Nota: 8.5
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital adquirida pela redatora

Também conhecida como Lilac, é fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas. Icon por 0range0ceans
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