Um caso que remonta a um século
Haruka Kagami é uma escritora de livros de mistério, tendo alcançado bastante popularidade com a sua série do detetive Makoto Nishimari. Durante uma sessão de autógrafos, ela descobre que um esqueleto misterioso foi descoberto no jardim da casa da família de Eiji Shijima, um cientista que ajuda a escritora na composição dos assassinatos ficcionais. Agora, ela terá a chance de investigar o que aconteceu e descobrir os segredos dessa família.
A família Shijima é marcada por um forte apego às tradições, mantendo cerimônias de séculos. Porém, eles também sofrem com mortes misteriosas há muitos anos que curiosamente têm um traço em comum: uma camélia vermelha é encontrada ao lado dos corpos. Há também uma lenda de um fruto especial chamado Tokijiku, que seria herdado pelas gerações da família.
Dentro da casa dos Shijima, Haruka irá encontrar documentos do passado e se aprofundar nos detalhes do que aconteceu. A história segue um modelo de capítulos que corresponde ao número de casos de assassinato que a personagem terá que desvendar. As histórias de cada um deles são divididas em três momentos: a fase do Incidente, a fase do Raciocínio e a fase da Conclusão.
Alinhando pistas em busca da verdade
A primeira parte de cada capítulo (Incidente) envolve uma apresentação do problema, apresentando o contexto e os personagens. Quanto mais próximo do crime daquele caso, mais pistas são reveladas e é ideal ficar atento aos detalhes para não deixar passar os elementos mais importantes.
Em alguns momentos, falas e indícios importantes são destacados na tela, sendo indicado ao jogador para apertar um botão de ação. Porém, essa ação não serve para nada além de achievements, já que elas são automaticamente coletadas mesmo se nenhum botão for pressionado. Apesar disso, o próprio ato de destacar visualmente esses elementos ajuda o jogador a já ir pensando em suas possíveis associações com o crime.
Após a descoberta do corpo daquele caso, há um momento mais rápido de investigação da cena do crime. Ao final, com todos os elementos em mãos, o jogador entra na fase do Raciocínio, em que é necessário ligar pistas a questões-chave. Este momento é apresentado dentro de uma espécie de mundo mental em que perguntas, pistas e respostas são representadas em uma malha hexagonal.
Como se fosse um quebra-cabeças, o jogador deve encaixar a pista correta nas adjacências da pergunta para obter uma possível conclusão. O jogo, então, detalha o raciocínio de forma clara, fornecendo ao jogador um resumo da sua lógica. Deve-se avaliar se aquela opção é pertinente ou impraticável, seja por ser completamente inverossímil ou porque outros fatos já estabelecidos entram em contradição.
O jogador pode inclusive escolher apenas algumas das pistas para avançar. Apesar de ser muito interessante ver todas as possibilidades oferecidas, o fato de o jogador não precisar esgotar todas as pistas também pode ajudar a reduzir ruídos. Afinal, serão menos opções de solução para escolher em alguns dos momentos da conclusão, evitando respostas equivocadas.
Após concluir pelo menos um caminho para o raciocínio correto, o jogador recebe um hexágono de clareza (Clear) e pode usá-lo para avançar para a próxima etapa. Na fase da Conclusão, os personagens relevantes são reunidos em uma sala no tradicional formato de resolução de obras de mistério.
De posse das opções de resolução, o jogador precisa escolher as respostas corretas para cada pergunta, clareando o que aconteceu em um passo a passo. A expectativa é que o jogador já tenha uma noção clara dessas respostas pela etapa anterior, o que reduz consideravelmente momentos de confusão ou ambiguidades no final.
Essas etapas todas se repetem durante os casos, o que talvez passe a sensação de previsibilidade para alguns jogadores, porém é uma estrutura sólida de apresentação. Vale destacar que há um momento especial de interação que funciona como uma espécie de point-and-click em um dos casos. Nesse ponto da história, é possível investigar uma área por conta própria em vez de simplesmente seguir os eventos dos vídeos. Infelizmente, como isso acontece apenas em um ponto bem avançado da história, fica a sensação de subutilização dessa mecânica.
Um live action oriental envolvente
Apesar de ter destacado a história e as mecânicas acima, ainda falta falar do elemento que mais chama atenção na obra, que é o seu estilo live action. Apesar de jogos FMVs existirem desde pelo menos a década de 80, o formato é raro no mercado, sendo mais comum títulos que apenas usam cenas pré-renderizadas ocasionalmente em meio a momentos de gameplay. O formato é um tanto custoso, sendo bem mais fácil a produção de visual novels cujos elementos gráficos mais estáticos tendem a reduzir o custo.
Em se tratando das gravações, gostaria de destacar primeiramente que a obra tem uma bela condução cinematográfica. Em particular, os ângulos de câmera ajudam a ressaltar um olhar mais afastado dos eventos, com uma sensação de que as ações e os personagens sempre podem esconder algo. Ao mesmo tempo, há um destaque para a beleza dos elementos tradicionais japoneses presentes em cena e também as pistas relevantes.
Os cenários utilizados são belos e remetem bem aos valores e tradições japonesas, e os figurinos não ficam atrás com o uso de kimonos e roupas tradicionais que funcionam como retratos de época. A trilha sonora opta na maior parte do tempo por focar na ambientação, reforçando o mistério em vez de chamar atenção para composições mais rebuscadas. O uso de alguns instrumentos tradicionais japoneses também ajuda na imersão.
Em se tratando dos personagens, é importante destacar que suas atuações são muito vívidas, transmitindo fortemente as emoções dos personagens. Essa teatralidade dá origem a algumas poucas cenas que passam uma sensação muito artificial, porém de modo geral, é um estilo que considero bastante agradável por valorizar os aspectos subjetivos de cada indivíduo em cena. Apesar de pessoalmente não ter muita familiaridade com filmes e séries japoneses de live action, eu acredito que tanto fãs dessas obras quanto de doramas se sentirão em casa.
Os mistérios também são, de forma geral, bem conduzidos e é interessante ir juntando as pontas pouco a pouco até chegar em um grande emaranhado de conexões. Porém, confesso que senti que as resoluções de alguns dos casos da trama eram muito simples, especialmente no que tange alguns eventos próximos do final. Senti que não houve uma progressão de complexidade bem planejada entre eles.
Por se tratar de um jogo em que o texto é muito importante, gostaria de destacar aqui também que não há legendas em português. As opções incluem inglês, espanhol, francês, italiano, alemão, coreano, chinês (tradicional e simplificado) e japonês. Não é possível alterar o tamanho das legendas, apenas adicionar ou remover barras pretas para auxiliar na visibilidade, assim como adicionar Closed Captions.
Há também dublagem em inglês além das vozes originais em japonês. Apesar de ter bons textos e atuações emocionalmente bem feitas, muitas das vozes em inglês não combinam com os personagens e não há uma preocupação com lip-sync. O resultado é uma sensação constante de artificialidade, sendo mais indicado jogar com as vozes em japonês.
Mergulhando de cabeça em um caso centenário
The Centennial Case: A Shijima Story é um jogo de aventura de alta qualidade que consegue apresentar um mistério sólido construído ao longo de vários capítulos. Tanto a história quanto os elementos visuais e sonoros são bem conduzidos, produzindo uma obra que qualquer pessoa interessada em jogos de investigação deveria conferir.
Prós
- Mistérios envolventes e bem conduzidos;
- Sistema de reasoning que permite ao jogador montar as várias hipóteses possíveis para o caso e pensar na sua adequação;
- Filmagem das cenas é eficiente em dar um tom de dubiedade às ações e personagens ao mesmo tempo em que revela as pistas do mistério;
- Cenários e figurino convincentes como retratos de época e valorização de elementos tradicionais;
- Trilha sonora atmosférica que reforça a sensação do mistério e o clima de tradição.
Contras
- Algumas poucas cenas com atuações muito artificiais;
- Resoluções muito simples para alguns dos casos avançados;
- Uma mecânica extra de interação é introduzida apenas em um dos últimos casos e acaba sendo subutilizada;
- Dublagem em inglês acaba destoando dos personagens e não se preocupa com lip-sync;
- Impossibilidade de alterar o tamanho das legendas;
- Não há legendas em português.
The Centennial Case: A Shijima Story — PC/PS4/PS5/Switch — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix