No início dos anos 1990, uma grande barreira para os desenvolvedores de jogos era a quantidade de memória disponível nos cartuchos, que não ultrapassava poucas dezenas de megabits. Por conta dessa limitação, os games não podiam ter gráficos nem músicas de alta qualidade.
Vídeo, então, nem pensar! A recém-criada tecnologia de CD era vista como o futuro do armazenamento de mídia, pois unia uma enorme capacidade de armazenamento e baixo custo de produção.
Nessa época, a Sega mandava muito bem nos Estados Unidos, liderando o mercado com o Mega Drive. Porém, no Japão, a empresa amargava um terceiro lugar, ficando atrás da Nintendo e da NEC.
Mesmo com as boas vendas no Ocidente, isso feria o orgulho japonês da Sega, que sabia que sua principal concorrente preparava o lançamento do Super Nintendo para o final daquele ano. Era preciso contra-atacar, e para isso a empresa apostou em um acessório que prometia revolucionar o mercado: o Sega CD.
Copia, mas não faz igual!
Verdade seja dita, o Mega Drive não foi pioneiro nesse setor, porque a NEC já havia lançado um acessório para leitura de CDs no PC Engine dois anos antes. Mesmo com falhas técnicas, como tempos de carregamento enormes, o PC Engine CD-ROM² foi recebido com um grande entusiasmo pelo mercado, e a Sega decidiu “inspirar-se fortemente” na concorrente para criar seu próprio add-on.
O time liderado por Tomio Takami, gerente executivo da Sega, ficou encarregado de desenvolver o aparelho, com a missão de superar tecnicamente a concorrente NEC, com mais poder de processamento e velocidade de carregamento, mas que ainda assim mantivesse um preço acessível. O projeto era tão secreto, que nem mesmo a equipe da Sega of America conhecia os detalhes dessa empreitada.
Para garantir carregamentos mais rápidos, o aparelho contava com 6 MB de memória, vastamente superior aos 0,5 MB do PC Engine CD-ROM². Além disso, o time queria que o Sega CD desse ao console a capacidade de processar efeitos de escala e rotação por hardware, o que exigiu a inclusão de um processador Motorola 6800 extra, da mesma família que o utilizado no próprio Mega Drive, mas em uma versão que rodava a uma velocidade ainda maior.
Isso mesmo, o acessório tinha um processador próprio mais rápido que o do Mega Drive, que já era o console com o processador mais rápido do mercado! Essas adições de hardware fizeram o Sega CD poderosíssimo, mas também impactaram em seu custo de produção. O objetivo era vender a um preço máximo de 200 dólares, mas ele chegou ao mercado por 300 dólares, uma insanidade para a época.
O aparelho foi apresentado pela primeira vez no Tokyo Toy Show de 1991. A primeira versão era extremamente sofisticada, com abertura de bandeja motorizada e um painel limpo, sem botões. O dispositivo ficava encaixado na parte de baixo do Mega Drive, formando um conjunto elegante. Todo esse poderio técnico impressionou os jornalistas que participaram da feira, que rasgaram elogios, causando um alvoroço similar ao de um lançamento de um novo console.
Vários nomes e datas de nascimento
O aparelho chegou em 1991 ao mercado japonês, em 1992 à América do Norte e em 1993 ao Brasil e outras regiões. No Japão, Austrália e Europa, o acessório ficou conhecido como Mega CD; nos Estados Unidos e no Brasil, foi batizado como Sega CD; e na Coreia do Sul, recebeu o curioso nome de CD Aladdin Boy.
Os títulos de lançamento no Japão foram Sol-Feace (Mega Drive/Sega CD) e Heavy Nova (Multi), que eram versões melhoradas de jogos que já existiam em cartuchos no Mega Drive. A Sega of America optou por aguardar a disponibilidade de jogos com mais apelo para o público americano, lançando-o no ano seguinte com os seguintes títulos inclusos no pacote: Sherlock Holmes: Consulting Detective (Multi), Sol-Feace e Sega Classics Arcade Collection (Sega CD), uma ótima coletânea que reunia em um único disco Golden Axe (Mega Drive), Columns (Mega Drive), Revenge of Shinobi (Mega Drive) e Streets of Rage (Mega Drive).
As vendas não estavam indo bem por causa do preço elevado e, para baratear os custos, a Sega desenvolveu uma segunda versão do Sega CD, com abertura de bandeja manual e tamanho menor, encaixado na lateral do console, mas mantinha o mesmo desempenho. O novo modelo foi vendido a um preço razoavelmente menor, 229 dólares e vinha acompanhado do jogo Sewer Shark, que apostava pesadamente na tecnologia FMV (full motion video).
A casa do FMV
O Sega CD contava com uma biblioteca razoável, com mais de duzentos títulos ao fim do seu ciclo de vida. Infelizmente, a maioria desses jogos não soube aproveitar bem a capacidade técnica do acessório. A tecnologia de armazenamento óptico era ainda uma novidade no início da década de 1990 e a maioria dos desenvolvedores não sabia lidar bem com os novos recursos. Muitos apostavam que o futuro estava no FMV.
Full motion video é uma tecnologia bastante associada ao Sega CD, e consiste no uso de filmes pré-gravados para desenvolver uma narrativa com interatividade. Aquilo parecia assombrosamente inovador nos anos 1990, porque até então os jogos de videogame sempre usavam animações curtíssimas em pixel art ou gráficos vetoriais com poucos polígonos.
Foram lançados mais de cinquenta jogos desse estilo para o acessório, sendo os mais famosos Night Trap (Multi), Road Avenger (Multi), Mad Dog McCree (Multi) e Dragon’s Lair (Multi), além do já citado Sewer Shark. Infelizmente, a maioria desses jogos deixa a desejar em qualidade. Primeiro, porque as desenvolvedoras não dedicaram muito orçamento para a produção dos filmes, que ficaram com atuações canastronas dignas de trash movies, como é o caso de Mad Dog McCree e Night Trap.
Em segundo lugar, porque a jogabilidade dos FMVs costuma ser péssima. Road Avenger e Dragon’s Lair são esteticamente bonitos, com animações desenhadas à mão, mas sua jogabilidade consiste em apertar setas na direção certa no momento exato em que a cena exige. Uma fração de segundo mais cedo ou mais tarde resultará em derrota para o jogador.
Night Trap ficou especialmente conhecido não pelos méritos do jogo (que é bem fraco), mas sim pela controvérsia que gerou ao exibir cenas de violência com garotas adolescentes vestidas em roupas de dormir. Essa controvérsia culminou na obrigatoriedade de um sistema de classificação etária para os games alguns anos mais tarde.
Além disso, os jogos em FMV não são muito bonitos. Mesmo com toda a capacidade do hardware do Sega CD, os vídeos ainda estavam limitados à paleta de 64 cores simultâneas do Mega Drive, e os filmes eram exibidos em um quadradinho pequeno com uma moldura enorme ao redor. Ou seja, a promessa de que você “jogaria um filme” resultava em jogar um filme ruim de baixo orçamento, com atuações canastronas, cores pobres, uma moldura grossa e gameplay sofrível na maioria dos casos.
Outra coisa que atrapalhou bastante o desenvolvimento de jogos de qualidade foi o fato de que, durante a fase de projeto do acessório, a Sega do Japão se recusou a enviar protótipos funcionais para a Sega of America, sob a alegação de evitar vazamentos de informações. A realidade é que havia uma rivalidade insana entre as divisões japonesa e americana da Sega, que, a curto prazo, resultou numa fraquíssima biblioteca de lançamento para o Sega CD e, a longo prazo, acabou por eliminar a empresa do ramo de consoles.
Uma grande quantidade de jogos, como Sol-Feace, Heavy Nova ou Flashback (Mega Drive/SNES) eram versões praticamente iguais às versões de cartucho ou arcade, mas com adição de cutscenes em vídeo e trilha sonora melhorada. Contudo, a parte jogável não era muito melhor do que já podíamos encontrar nos arcades ou até mesmo no Mega Drive normal.
Um exemplo disso é Flashback, que teve todas as cutscenes refeitas em CGI de alta qualidade (para a década de 1991), mas que manteve a jogabilidade idêntica à sua versão de cartucho comum. Por outro lado, Final Fight CD (Sega CD), um dos maiores sucessos do aparelho, contava com vozes narradas nas cutscenes, mas essencialmente era o mesmo jogo do fliperama.
Os jogos que experimentaram uma gameplay diferente não foram bem-sucedidos, como o pavoroso Cadillacs and Dinossaurs: The Second Cataclism (Sega CD). Pelo título, a maioria dos jogadores pensou que se tratava de um port do arcade, que é espetacular, mas, ao invés disso, se depararam com um jogo de tiro com jogabilidade horrível.
É claro que existiam bons títulos que se destacaram. Sonic the Hedgehog CD (Sega CD) é considerado por muitos como o melhor jogo de todos os tempos da franquia do ouriço. Com uma abertura em estilo anime, o game tem uma gameplay rápida e responsiva que mistura ação 2D clássica com elementos 2,5D, com Sonic correndo em trechos especiais que brincam com mudanças de perspectiva, tudo de forma fluida e ótimo level design.
A história desse jogo se passa em Little Planet, um lugar especial em que o passado, o presente e o futuro se unem formando as Time Stones, pedras mágicas que concedem o poder de viajar no tempo. Foi aqui que apareceu pela primeira vez a personagem Amy Rose, que é raptada por Metal Sonic para que Dr. Eggman consiga roubar as Time Stones. Na minha opinião, este é sem dúvida o melhor jogo de toda a biblioteca do Sega CD.
Outro título que merece destaque é Lunar: Eternal Blue (Multi), que conta a história do jovem caçador de tesouros Hiro e sua gata alada Ruby, que ajudam uma misteriosa garota de cabelos azuis a derrotar o maligno Zophar, em uma aventura que se passa mil anos antes de Lunar: The Silver Star (Mega Drive/GBA). Como a música é um elemento importante em Lunar, as capacidades do Sega CD foram usadas de forma sublime.
Ele falhou?
A produção do Sega CD foi descontinuada em 1996, pois a Sega direcionou suas atenções para o lançamento do seu próximo console, o Sega Saturn. A indústria considera que foram vendidos 2,2 milhões de unidades, mas esse número não contabiliza a venda em territórios como Brasil e Austrália, bem como não considera variações do aparelho como o Wondermega, um aparelho licenciado pela JVC que integrava um Mega Drive e um Sega CD; o Pioneer LaserActive, um curioso aparelho que rodava jogos de Mega Drive e PC Engine, em formato cartucho ou CD-ROM; e o Sega CDX, um Sega CD que poderia ser usado como um Discman portátil a pilhas para ouvir CDs de música;
Em termos de vendas, o acessório não foi tão mal, afinal, as campanhas de marketing foram bem-sucedidas e ele vendeu mais de dois milhões de unidades, mais que alguns consoles famosos como o 3DO. Contudo, é inegável que ele não atingiu os objetivos para o qual foi concebido, que eram conquistar uma maior fatia de mercado no Japão e deter as vendas do SNES na América.
Eu vivi essa época e já era um grande fã da Sega, e mesmo assim não comprei um Sega CD. O principal motivo foi exatamente o maior defeito do aparelho: o preço salgadíssimo de 300 dólares. Lembre-se de que para usar o acessório era obrigatório ter um console Mega Drive, que, naquela época, custava 149 dólares, então a experiência completa sairia por 450 dólares, sem contar os jogos.
Se a biblioteca do add-on fosse algo incrível, ainda vá lá, até poderia se justificar esse custo, mas a verdade é que pouca coisa se salva do catálogo. O grosso da lista são FMVs ruins e ports de Mega Drive com melhorias de som ou acréscimo de cutscenes. Se houvesse mais jogos com qualidade similar ao Sonic the Hedgehog CD, o aparelho teria vendido muito mais.
O futuro chegou cedo demais
A Sega imaginava que o CD seria a tendência no armazenamento de jogos e esse palpite mostrou-se acertado, como foi demonstrado pelo primeiro PlayStation. Porém, a tecnologia ainda estava imatura no começo da década de 1990 e a baixa qualidade dos jogos, aliada ao altíssimo preço do aparelho, fez com que ele não conseguisse cumprir seu objetivo de catapultar as vendas do console de 16-bits da empresa.
Ainda assim, o Sega CD ficou marcado na história dos games como o mais importante acessório do Mega Drive, um dos aparelhos mais cobiçados pelos colecionadores e que possui o carinho de uma grande legião de fãs em todos os cantos do mundo, por ser um testemunho do empenho da Sega em fazer um equipamento superior.
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli