Após acabar tanto com o bullying quanto com um misterioso criminoso que tinha como objetivo desmoralizar o sistema judiciário japonês (não necessariamente nessa ordem), Lost Judgment, spin-off da popular série Yakuza e sequência de Judgment, seguiu recebendo conteúdo. Os dois primeiros pacotes do season pass podem até ser insossos, mas sua existência se justifica ao brilhar uma última vez com o DLC Lost Judgment: The Kaito Files (Multi), uma campanha autocontida estrelada por Masaharu Kaito, brutamontes que é o sidekick do protagonista titular Takayuki Yagami.
O Essencial que não é tão essencial e ficou de fora
Enquanto The Kaito Files traz uma campanha individual e isolada, é válido colocar em pauta, por um breve momento, os dois primeiros pacotes de DLC de Lost Judgment. O Detective Essentials Pack e o School Stories Expansion Pack servem como complemento à aventura base do protagonista Takayuki Yagami, trazendo alguns bônus que têm como finalidade tornar a saga investigativa da campanha principal um pouco mais fácil.
No caso, isso não se traduz em uma expansão da história, um dos principais cernes da série Yakuza, mas em uma adição do conteúdo com ênfase no volume, reproduzindo uma ideia muitas vezes errônea de “quanto mais, melhor”. Na prática, o que o Detective Essentials Pack traz são novos extratos que rendem power-ups extras em combate; algumas variantes cosméticas do cachorro-detetive; um skate extra acompanhado de uma pista inédita; um chefão opcional exclusivo; mais games de Master System; e, o mais importante, três novos interesses amorosos para Yagami.
O segundo pacote segue na mesma linha. Focando-se em trazer opções para aquele elefante branco que é o Colégio Seiryo, o jogador ganha acesso a um modelo exclusivo de motocicleta (acompanhado de um novo circuito de corrida); figurinos e movimentos para o clube de dança; um robô adicional para o clube de robótica; e a adição de três novos colegas de treino para o clube de Boxe, modalidade de luta que, inclusive, é adicionada como um novo estilo de combate para o protagonista.
Se formos considerar alguém que já terminou o jogo base, a aplicação efetiva desses dois pacotes in-game é quase nula, extremamente desinteressante e pouco vantajosa. Os principais pontos de destaque vão para a implementação dos interesses românticos e para o novo estilo de combate, visto que são dois elementos que realmente têm alguma utilidade prática ao longo do título, caso eles tenham sido adquiridos por um jogador que ainda não fechou a campanha.
O problema do Detective Essentials Pack e do School Stories Expansion Pack está relacionado a um debate que há muito já foi abandonado e, provavelmente, dado como causa perdida na indústria: ambos os pacotes dizem respeito a um conteúdo que deveria estar presente na edição base ou, no máximo, como atualização gratuita.
Comparativamente, os relacionamentos amorosos de Yagami já estavam presentes em Judgment e deveriam aparecer novamente na sequência para fazê-la uma experiência mais completa. Eles não eram um defeito para que sua existência tivesse que ser revalidada ao ponto de exigir um corte desses. Da maneira como foi feito, Lost Judgment só se mostrou um produto capado nesse aspecto.
Por outro lado, o boxe como estilo de combate até tem cara de DLC, mas nem de longe justifica o custo-benefício do pacote, mesmo ao lado de todos os outros elementos adicionais ao game. A Sega perdeu a mão na hora de determinar que esse conteúdo deveria ser adquirido separadamente.
Ainda bem que o terceiro e último pacote do season pass, The Kaito Files, realmente traz conteúdo próprio em uma campanha isolada e exclusiva cuja aquisição é 100% justificada.
Um verdadeiro estudo de personagem à Yakuza
Uma vez constatado que o Detective Essentials Pack e o School Stories Expansion Pack deveriam ser conteúdos presentes no jogo base, vamos ao que interessa. The Kaito Files realmente tem uma cara de DLC ao trazer uma campanha própria que coloca o parceiro de Takayuki Yagami, Masaharu Kaito, como protagonista. Enquanto Tak teve que sair de Kamurocho para um trabalho rotineiro de investigação, Kaito é abordado por um ricaço que acredita que sua esposa, Mikiko Sadamoto, está viva, mesmo que dois anos já tenham se passado de seu suposto suicídio.
O que acontece é que a moça foi, no passado, o grande amor da vida de Kaito, tendo chegado até a um ponto em que ambos viveram juntos sob o mesmo teto por algum tempo. Mesmo que os dois nutrissem fortes sentimentos um pelo outro, a separação só ocorreu por conta do estilo de vida perigoso que o agora protagonista levava como um membro Yakuza. Apesar de inicialmente ter recusado o trabalho justamente por conta do peso emocional envolvido, Kaito acaba se envolvendo no serviço do mesmo jeito após se deparar com Jun, um jovem que alega ser filho dele com Mikiko.
Assim, a trama se desenrola em várias reviravoltas dignas do universo Yakuza e desta série spin-off, com vilões se mostrando aliados e antagonistas se revelando de lugares improváveis. Ainda, mais do que isso, The Kaito Files funciona magistralmente como uma espécie de estudo de personagem no qual conhecemos mais a respeito do passado e das motivações do próprio Kaito, que até então ficava à sombra de Yagami como o parceiro brutamontes e bom de briga.
Tentando fortalecer a ideia de fazê-lo um personagem único e dotado de luz própria, houve um trabalho para que suas peculiaridades fossem traduzidas na própria jogabilidade. Enquanto Yagami alterna entre vários estilos de um kung-fu improvisado, o estilo de Kaito se aproxima ao da luta livre, podendo alternar entre mecânicas que priorizam ataques fortes, ágeis e aéreos, como chutes voadores; e outra que se aproveita do físico avantajado do personagem, priorizando uma defesa sólida e agarrões, além se especializar no uso dos elementos do cenário como arma.
Embora sejam dois modos de luta funcionais, é sentida uma falta de variação executiva na utilidade de ambos. Por exemplo, no caso de Yagami, o estilo da garça foi claramente concebido para ser usado contra vários inimigos, enquanto a usabilidade do tigre visa a oponentes individuais. No caso de Kaito, essa dicotomia fica menos evidente, fazendo com que o estilo defensivo, na prática, acabe sendo bem mais útil no decorrer da história.
Consequentemente, Kaito também conta com uma árvore própria de habilidades que podem ser desbloqueadas com os pontos de experiência adquiridos ao completar as missões e ao derrotar inimigos. Nota-se que alguns estão bloqueados por outros requisitos, como livros espalhados por Morioh ou outras side quests relacionadas aos colecionáveis. Assim, a evolução técnica de Kaito se relaciona diretamente com a exploração por Kamurocho.
Falando nele, o bairro em questão aparece em sua versão capada de Lost Judgment, visto que os acontecimentos de Ijincho eram justamente a prioridade no jogo-base. Entretanto, considerando o espectro menor do DLC, essa representação reduzida de conteúdo acabou funcionando bem nessa instância específica, visto que, desta vez, não faz parte dos planos fazer com que o jogador se perca no mundo aberto por causa de atividades paralelas que acabam tomando tempo da campanha.
Isso faz com que o máximo de materiais adicionais sejam os colecionáveis relacionados ao desbloqueio das habilidades, criando uma coesão entre os elementos compositivos do título. Especificamente, falamos da forma como é necessário utilizar o modo de primeira pessoa para encontrar gatos e odores diversos que rendem recompensas. Ainda, mesmo o tempo despendido durante essa busca foi muito bem otimizado, visto que uma das skills que podem ser desbloqueadas já logo de cara faz com que apareçam marcações no mapa, facilitando a vida do jogador.
Pode parecer esquisito quando falamos que existe uma caça por “gatos e odores”, mas é exatamente isso o que The Kaito Files nos coloca para procurar. Algumas das características básicas de Kaito são suas habilidades sensoriais, chamadas de primitivas, que, na prática, resultam em visão, audição e olfato bem mais aguçados do que os de um ser humano comum.
Assim, é necessário ligar o modo de audição para encontrar os gatos através do miado, enquanto os odores podem ser identificados visualmente, como uma fumaça colorida em um cenário monocromático, tal como já foi feito intensivamente ao longo da história dos games. No caso da visão, ela se resume ao modo observação, mas é utilizada como uma forma de fazer com que Kaito se lembre de histórias fragmentárias de seu passado e, com isso, desbloqueie novas habilidades.
Esses três sentidos são colocados à prova nos momentos de investigação, uma vez que os puzzles foram muito bem concebidos de uma maneira a integrar os três sentidos de forma conjunta, revelando as pistas progressivamente e trazendo formas singulares de analisar alguma evidência. Seguramente, dá para dizer que essas sequências de detetive pontuais de The Kaito Files são bem mais interessantes do que as do jogo base.
O maior mérito desse último pacote de DLC de Lost Judgment está na forma como ele traz uma aventura completamente autocontida e suficientemente redondinha, durando de cinco a oito horas, se o jogador decidir dar uma enrolada de respeito para encontrar 100% dos colecionáveis, desbloquear todas as skills e derrotar o boss opcional.
Essa autossuficiência da trama provavelmente tem outra finalidade: a de servir como uma espécie de teste que ditará o futuro da IP. No caso, isso tem a ver com o imbróglio envolvendo a Sega e Takuya Kimura, o ator que dá vida a Yagami, protagonista titular.
O conflito é decorrente do fato de a empresa querer lançar o jogo no PC, enquanto Kimura se mostra reticente à prática. Testar Kaito como o herói principal, fazendo-o assumir o manto de protagonista neste DLC me pareceu um jeito de averiguar as possibilidades para um terceiro título do spin-off.
Nisso, acredito que os desenvolvedores precisam estudar um pouco se essa é mesmo a melhor maneira de lidar com a série. The Kaito Files funciona bem porque se trata de uma aventura fechada e composta com o intuito de favorecer as peculiaridades do sidekick como personagem. Inseri-lo em um enredo independente pode não dar muito certo por conta de sua personalidade ardente, pouco adequada para uma trama de investigação.
A ideia se consolida ainda mais quando os momentos de destaque da campanha são justamente os de porradaria, seja contra o bêbado e perturbado braço direito do vilão principal em pleno quarto de motel, seja contra o aparentemente frágil chefão final que treinou até o limite como uma forma de proteger a mulher que ama.
Além disso, colocar Jun como seu sidekick também não seria uma boa ideia, uma vez que suas personalidades são parecidas, fazendo com que não haja o contraste necessário de ideias para fazer com que a história ande. Kaito é incrível e o DLC prova isso, mas, por enquanto, não mostra cacife suficiente para sustentar uma aventura solo mais longa, uma vez que não foi um personagem originalmente concebido para tal finalidade, o que acaba pesando contra ele.
Até o maior dos brutamontes pode ter um coração de ouro
De um modo geral, o Season Pass de Lost Judgment, como um todo, não vale nem um pouco a pena se não for adquirido num pacote que torne custo-benefício um pouco mais convidativo. Entretanto, o nosso principal objeto de análise é o pacote individual The Kaito Files (Multi), cuja aquisição se destaca como uma revisitação extremamente bem-vinda, com um enredo ágil, digno da franquia, que nos apresenta um protagonista muito interessante, mas que infelizmente escanteado em detrimento do personagem principal titular.
Prós
- Aventura autocontida e com poucas atividades paralelas funciona extremamente bem em sua proposta;
- Puzzles dos momentos de investigação são mais interessantes do que os do jogo base;
- Exploração facilitada por Kamurocho colabora para a manutenção da fluidez do jogo;
- Kaito, embora precise se provar como um protagonista legítimo, fez jus aos holofotes recebidos com a aventura-solo.
Contras
- Estilos de combate de Kaito apresentam pouca versatilidade e variação entre si;
- A qualidade individual dos pacotes anteriores não justifica a aquisição do season pass.
Lost Judgment: The Kaito Files — PS4/PS5/XSX/XBO — Nota: 8.0Versão utilizada para análise: PS4
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Sega