Retornando para a praia
Sequência do lendário Chrono Trigger, Chrono Cross é um RPG baseado em turnos que troca a viagem no tempo pela exploração de realidades paralelas. Tudo começa quando nosso protagonista, Serge, está apenas aproveitando mais um dia comum na região pacífica em que mora. Ao ir para a praia com sua amiga de infância, ele acaba vivenciando um fenômeno misterioso.
A história de Chrono Cross é bastante interessante, envolvendo a noção de realidades paralelas com discrepâncias discretas. Ou seja, as diferenças entre esses dois mundos são pequenas como ramificações de um mesmo ponto em comum. Na verdade, ambos estão intimamente ligados e a equipe de Serge descobrirá várias verdades escondidas conforme a história avança.
Vale destacar também que, assim como Chrono Trigger, Cross oferece múltiplas ramificações narrativas dependendo das ações do jogador. Até mesmo a grande gama de personagens recrutáveis varia de acordo com essas escolhas. Há também múltiplos finais, e a maioria deles só pode ocorrer no New Game+, adicionando outras possibilidades para a história como um fator para o replay. Ao todo, o jogo conta com 12 finais e um novo texto secreto após terminar tanto Chrono Cross quanto Radical Dreamers na nova edição.
Infelizmente, apesar de a história principal ser bem desenvolvida com reviravoltas que chamam a atenção, esses elementos secundários acabam carecendo de mais desenvolvimento. Com muitos aliados disponíveis, é notável a artificialidade da entrada de alguns deles na equipe e a falta de desenvolvimento de suas histórias pessoais. Há uma forte impressão de que a obra teve que cortar muitos detalhes para poder ser lançada rapidamente em sua época.
Um combate singular
Outro aspecto que chama a atenção em Chrono Cross é o seu combate. Trata-se de um RPG em turnos cujo sistema é bastante diferente de seu antecessor. Também é perceptível que, ao contrário de vários títulos de referência do gênero, ele não foi amplamente replicado nem parece ter influenciado de forma nítida lançamentos expressivos posteriores, resultando em batalhas únicas dentro do gênero.
Em vez de termos um único ataque básico, é possível escolher entre três intensidades numeradas que implicam em níveis de força e porcentagens de acerto diferentes. Ao atingir o oponente com sucesso, todos os movimentos seguintes ganham um bônus de acerto, ficando mais fácil acertar golpes mais poderosos.
Outro fator fundamental do combate são os elementos, as magias e técnicas especiais do jogo. Usar um ataque básico implica em ganhar pontos elementais para usá-los, e a quantidade obtida varia de acordo com a intensidade escolhida. Ou seja, as magias também dependem do bom uso desse fator estratégico.
Além da energia necessária, os elementos só podem ser usados uma vez por batalha, com exceção dos consumíveis, que em Chrono Cross funcionam como itens. Eles têm um limite de cinco por batalha e, uma vez usados, desaparecem completamente do inventário. Também há algumas técnicas especiais que são específicas de cada personagem.
Um aspecto bastante interessante dos elementos é a sua cor. Existem tipos diferentes de técnicas, todos eles associados a cores específicas (vermelho para fogo e azul para água, por exemplo). Ao usar uma técnica específica, o jogador afeta o campo com aquele elemento e a recorrência daquela cor irá fortalecer magias daquele tipo. Cada inimigo e aliado também possui uma cor associada, servindo como forma de avaliar fraquezas a se explorar. Alguns elementos permitem mudar a cor do inimigo e assim também afetar essa afinidade de tipos.
De forma geral, a lógica do combate é bem única, implicando em dominar esses dois sistemas para otimizar o uso dos turnos. A equipe é composta por três personagens e é possível trocar equipamentos e elementos pelo menu a qualquer momento fora das batalhas e diálogos. Mudar os aliados, porém, depende de uma máquina de teleporte.
O jogo também conta com muitas áreas para explorar e missões opcionais que podem ser facilmente perdidas caso o jogador tente avançar rapidamente o roteiro. São muitas e muitas horas de possíveis interações e, mesmo que alguns aspectos menos centrais da história sejam subdesenvolvidos, a exploração do mundo é realmente recompensadora.
O elo perdido
Uma das principais novidades do relançamento é a presença de um jogo adicional. Entre os lançamentos de Chrono Trigger e Chrono Cross, a Square Enix havia lançado um título exclusivamente para o sistema Satellaview, do Super Famicom, no Japão. Sob o título Radical Dreamers, trata-se de uma experiência alternativa mais próxima de uma visual novel ou aventura textual do que de um RPG.
Radical Dreamers conta a história de um trio de personagens (Kid, Serge e Magil) que estão em busca de uma gema chamada Frozen Flame. Para obtê-la, eles terão que ir até o território inimigo, a mansão de Viper, que agora está sob o domínio do misterioso Lynx.
Quem já jogou Chrono Cross provavelmente percebe que a situação é um tanto similar ao início da aventura do RPG de PlayStation. Radical Dreamers é uma espécie de semente do que veio a se tornar Chrono Cross, abordando um cenário alternativo, mas que também conta com o sistema de múltiplos finais da franquia e até mesmo combates em turno, só que com base em interações textuais.
Eu nunca havia jogado o título antes e confesso que fiquei bem encantado com a experiência. Devido a seu foco maior no texto para transmitir os eventos ao jogador, houve uma grande preocupação com a escrita e o resultado é uma experiência bastante madura, envolvente e sedutora. Diria até mesmo que se tornou a minha parte favorita da franquia pela sua bela capacidade de não apenas descrever bem os eventos, como também trabalhar várias nuances da interação entre os personagens.
Um pacote tecnicamente pobre
Infelizmente, ao pensar nos aspectos técnicos da obra, o relançamento deixa a desejar. Em particular, destaca-se a performance do jogo. É incompreensível ter em mãos uma remasterização de um título já antigo da era do PlayStation que roda mal até mesmo em sistemas de ponta do mercado atual.
A nova edição de Chrono Cross possui problemas com as suas taxas de frames que são bem perceptíveis, especialmente em algumas batalhas. Durante as cenas de história também é nítido que as animações são mais lentas do que deveriam. É muito triste ver um jogo clássico desses de uma empresa tão tradicional quanto a Square Enix não garantir um nível mínimo de qualidade nesse aspecto.
Foram adicionadas opções para acelerar o gameplay, evitar inimigos, atacar automaticamente e até mesmo um “cheat” para manter invencibilidade e nível máximo de elementos durante os combates. A primeira ajuda a mitigar o problema, mas o ideal seria que o jogo conseguisse aproveitar melhor as capacidades dos sistemas modernos, pois os problemas de performance parecem estar atrelados ao software e são consistentes em vários hardwares diferentes.
Também vale destacar que as cutscenes de história como o vídeo de abertura e especialmente os vistos dentro da jornada são afetados por vários artefatos. Infelizmente, por se tratar de um jogo antigo, é perceptível que os vídeos não foram feitos em resoluções mais altas. Há até um trabalho de alterar os textos da abertura para uma fonte mais nítida, mas ainda é difícil ignorar os problemas.
No menu inicial é possível selecionar entre o estilo gráfico novo, que melhora a resolução dos textos, muda algumas texturas e altera um pouco os fundos, e o antigo, que tem um pouco de aliasing. No PC, também temos a opção de customizar a resolução e o modo da tela (fullscreen, sem bordas ou modo janela). Ajustes para a resolução incluem manter as bordas, fazer o jogo ocupar a tela inteira ou zoom (que corta bordas da imagem). Também é possível ajustar o anti-aliasing e a iluminação.
As opções de áudio permitem ajustar o volume da trilha sonora e dos efeitos separadamente. Vale destacar que, apesar da empresa ter destacado a adição de novas músicas ao jogo, não é possível usá-las como fundo, sendo relegadas a um menu opcional interno. Isso é uma pena, já que ter a opção de usá-las durante os eventos apropriados da jornada seria uma adição interessante ao novo pacote.
De volta às entranhas do tempo-espaço
Chrono Cross: The Radical Dreamers Edition é uma coletânea com dois títulos imperdíveis para fãs de RPGs e boas narrativas. Infelizmente, a edição deixa a desejar em seus aspectos técnicos, sendo difícil recomendá-la para jogadores em geral. Mesmo com seus problemas, porém, trata-se de uma experiência que vale muito a pena. Fica a expectativa para que a empresa corrija a situação atual e Chrono Cross possa brilhar com toda a pompa que merece.Prós
- História fascinante sobre viagem entre mundos paralelos;
- Gameplay rico em opções de acordo com a exploração do jogador;
- Sistema de combate único e curioso com uma lógica estratégica própria;
- Inclui a aventura textual Radical Dreamers, uma história alternativa ousada que chega oficialmente ao Ocidente pela primeira vez;
- Opções de qualidade de vida que incluem acelerar o gameplay, evitar inimigos e ficar mais forte para as batalhas.
Contras
- Performance deplorável para o relançamento de um jogo antigo, especialmente em alguns combates;
- Vídeos cheios de artefatos;
- Certas animações durante a história sofrem lentidão;
- Alguns aspectos da narrativa são subdesenvolvidos;
- Novas músicas ficam relegadas a um menu opcional.
Chrono Cross: The Radical Dreamers Edition — PC/PS4/XBO/Switch — Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix