Análise: Unpacking (Multi) é um convite a organizar memórias

Com jogabilidade simples e cenários ricos em detalhes, o jogo conta histórias a partir de cada objeto desencaixotado.

em 14/11/2021
O que esperar de um jogo que baseia seu gameplay completamente na tarefa de organizar objetos desencaixotados de mudanças? Embora a ideia possa soar simplista para quem está acostumado com grandes produções de videogames com mundos abertos e milhares de missões complexas, Unpacking (Multi) surpreende pela quantidade de detalhes e pela narrativa comunicada exclusivamente por elementos do cenário.

Pelas páginas do passado

O jogo começa com a escolha de um álbum de fotografias para ser o save do jogador. Na primeira página, o primeiro cenário para onde somos transportados é um pequeno quarto infantil cheio de caixas de papelão lacradas. A tarefa é simples: devemos pegar objetos de dentro delas e escolher um lugar para acomodá-los.

Embora pareça fácil, a quantidade de coisas e o pouco espaço é um desafio constante em todas as fases; além disso, é importante considerar que determinados objetos têm lugares certos, então a organização deve manter certa coerência. Uma bola de futebol, por exemplo, não deve ficar na cozinha… Seguindo essas pequenas convenções, o jogador encontra liberdade para escolher como deseja organizar os pertences da personagem, mas há também um modo que pode ser ativado no menu que permite que os objetos sejam posicionados em qualquer lugar.

Organização meditativa


Para algumas pessoas, organizar a casa pode ser uma tarefa maçante, mas em Unpacking, há certa satisfação ao ver o avanço da arrumação. Cada caixa esvaziada é dobrada e libera mais espaço no ambiente e, após abrir todas elas, os objetos que estão em lugares errados recebem um contorno vermelho para sinalizar ao jogador que ainda não estão guardados adequadamente.

Conforme todas as coisas são guardadas em seus devidos lugares, uma foto é registrada e guardada no álbum. As fases do jogo se passam em anos diferentes e podem ser registradas a partir de um recurso que grava a movimentação feita pelo jogador. Essas gravações podem até virar gifs, sendo um dos recursos mais interessantes do jogo, já que nos permite compartilhar nossos processos com outras pessoas de forma prática.

Nesse jogo indie, os detalhes surpreendem e alguns deles eu até demorei para descobrir. Vários objetos apresentam interações quando clicados com o botão direito do mouse e  algumas ações específicas liberam troféus em forma de adesivos que são encontrados em uma seção do álbum de fotografias, deixando a exploração dos ambientes ainda mais interessantes.

O cuidado com a arte dos cenários é impecável, sendo possível até que identifiquemos alguns filmes nas capas das fitas cassetes. Outra característica incrível do jogo é a variedade de sons que foram atribuídos a cada elemento do cenário. Foram mais de 14 mil arquivos de som utilizados para criar a sensação perfeita de como cada pertence se comportaria ao ser colocado sobre determinados materiais ou até mesmo movidos em diferentes velocidades. Um perfeito exemplo disso é a bolsa de água quente, que faz barulho de água quando é chacoalhada com o mouse. Sem dúvida um dos pontos altos da experiência.

E quando a vida imita a arte?


Para mim, a magia dos jogos indies reside na liberdade estilística e temática que os desenvolvedores abraçam para proporcionar aos jogadores experiências memoráveis a partir de situações muitas vezes inusitadas. Quando soube que Unpacking estava sendo desenvolvido, fiquei bastante entusiasmada. Um jogo sobre organizar objetos de mudanças soou exatamente como o tipo de coisa que me cativaria, e quem me conhece bem sabe disso.

Impossível falar sobre esse jogo sem acabar mergulhando em lembranças pessoais. Durante minha vida morei em mais de vinte casas, o que com certeza é acima da média da maioria das pessoas. Embora a adaptação seja sempre um desafio, mudanças sempre me provocam a sensação de um novo capítulo. Obviamente, às vezes a nostalgia bate e acabo sentindo falta de algumas coisinhas que, no passado, até poderiam ser incômodas, mas que de alguma forma compõem as páginas da minha memória e tiveram papel fundamental nas histórias que compartilhei com todas as paredes que me abrigaram.

Em um jogo sobre organização, é impossível não atentar ao fato de que alguns objetos permanecem na vida da protagonista e que outros vão surgindo com o passar dos anos. Cada um deles conta um pouco mais sobre aquela pessoa e sobre os rumos que sua vida foi tomando, o que de alguma forma dialoga com nossas próprias memórias.

Não quero estragar a delícia das descobertas em cada caixa aberta, mas preciso confessar que me vi em muitas das fotos dos álbuns. Tive mudanças extremamente significativas durante a minha vida e em todos esses episódios tive a oportunidade de rever alguns capítulos da minha própria história. Alguns objetos carrego comigo pelo conforto das lembranças que eles me proporcionam, mas foi depois de terminar minha partida que resolvi rever as coisas que eu muitas vezes carregava comigo sem saber se ainda dialogavam com a pessoa que eu ainda enxergava em mim.

Temos bagagem, seja ela material ou emocional, e algumas delas precisam ir embora para que outras possam ocupar esse lugar. O que aconteceu no nosso passado não pode ser mudado, mas nós decidimos quais lembranças fazem sentido serem carregadas e quais detalhes realmente condizem com a pessoa que somos agora.

Embora a história de Unpacking seja uma, as nossas são muitas e são mutáveis de acordo com o sentido que queremos preservar de nossas próprias narrativas. Que a gente esteja sempre aberto às próprias mudanças.

Prós

  • Arte extremamente detalhada;
  • Sons bem adaptados que tornam a experiência bastante imersiva;
  • Narrativa interessante e bem explorada pelo cenário.

Contras

  • O jogo é gostoso demais para ter tão poucas fases. 
Unpacking - PC/XSX/XBO/SWITCH - Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Humble Games

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