Existem jogos japoneses que tiveram uma dificuldade considerável de penetração no Ocidente por carregar certas temáticas intrinsecamente tão orientais que o público deste lado do globo não consegue comprar com tanta facilidade por conta de suas especificidades bem características.
Fatal Frame é uma série que sofre deste mal. A despeito dos três primeiros títulos terem chegado aos Estados Unidos, ela nunca conseguiu ir além de um determinado nicho. O quarto, exclusivo do Wii, já teve seus problemas e jamais recebeu um lançamento para o continente americano. O quinto, de 2014, parecia trilhar o mesmo caminho quando foi lançado no Wii U, porém a própria Nintendo decidiu bancar o lançamento ocidental em 2015, mas apenas no mercado digital.
Considerando o potencial de público bastante limitado do console da Nintendo na época e levando em consideração os novos tempos, onde produtos como Yakuza, da Sega, conseguiram se consolidar por estas bandas, a Koei aparentemente decidiu que era hora de dar a Fatal Frame uma mais uma chance. Assim, Fatal Frame: Maiden of Black Water recebeu uma remasterização e foi relançado, agora para Switch, PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One, Xbox Series X|S e PC.
Uma história clichê ainda pode ser uma boa história
Uma câmera obscura é um antigo aparelho cuja premissa de utilizar a luz para projetar imagens foi a base da criação do daguerreótipo, uma invenção considerada prototípica para as câmeras fotográficas. Quando a arte de imortalizar imagens com a fotografia começou a se popularizar no século XIX, algumas culturas adquiriram a crença de que tais máquinas também detinham a capacidade de aprisionar as almas daqueles que para elas posavam.
A proposta de Fatal Frame se sustenta basicamente em tal ideia. Na série, a Camara Obscura é um artefato místico capaz não só de capturar imagens dos espíritos, mas de exorcizá-los, caso necessário. Com tal objeto em mãos, o jogador assume o controle de três personagens diferentes ao longo da trama de Maiden of the Black Water — Yuri Kozukata, Miu Hinasaki e Ren Hojo — e precisa desvendar os mistérios por trás do sinistro monte Hikami, uma montanha considerada amaldiçoada e famosa por ser um local aonde as pessoas vão para cometer suicídio.
A questão é que, no passado, a área era conhecida por ser um território dominado por uma seita chamada Mikomori, que lidava com a sobrenaturalidade da região dentro de seus próprios preceitos religiosos. Entretanto, o controle da seita sobre o monte Hikami durou até que todas as sacerdotisas fossem vítimas de um massacre, o que levou a seguidas tentativas de tornar o espaço um ponto turístico, algo que sempre dava errado por conta da energia obtusa característica de lá, que levava ao acontecimento de diversas tragédias.
Os motivos que levaram os três personagens principais a se embrenhar por um sítio tão renegado são distintos. Yuri, por exemplo, trabalha em um antiquário e parte em uma busca por Hisoka Kurosawa, a dona do estabelecimento que sumiu enquanto buscava outras jovens desaparecidas no local. Ren Hojo, por sua vez, é um autor que recebeu uma solicitação para investigar a respeito de um álbum de fotos post-mortem, decorrentes do hábito antigo de se fotografar aqueles que já se foram no intuito de guardar uma última recordação.
Miu Hinasaki, enfim, tem motivações mais misteriosas e acaba sendo presa em um templo assombrado pela tal Donzela da Água Negra do título. O enredo se complica quando ela é resgatada por Yuri e logo descobrimos que a moça está em busca de sua mãe, Miku, protagonista do primeiro game e personagem recorrente na série.
A estrutura se segue a partir de níveis individuais selecionados um a um no menu principal. Entre os capítulos, também é possível adquirir equipamentos, como filme de melhor qualidade para a câmera, lentes de efeitos diferenciados e itens de cura. Embora esse esqueleto funcione muito bem para fins de progressão, há um problema sério em sua execução no sentido de que, quanto mais se avança na campanha, mais longas ficam cada fase.
Nota-se que largá-las no meio e dar continuidade a partir de onde o progresso foi interrompido é uma opção, visto que o salvamento automático existe e funciona. Só que esse tipo de prática acaba se mostrando pouco imersivo e contrário à própria visão de Maiden of Black Water como um título de terror.
Esse ideal por trás da duração exagerada dos estágios pode ter a ver com a progressão característica do gênero do horror japonês, que costumeiramente trabalha com maestria a ideia de fomentar uma tensão crescente ao longo da narrativa, imprimindo um terror psicológico sufocante em quem joga — e a sensação de “isso não acaba nunca?” é corroborativa. Contudo, tratando-se de um game, esse sentimento acaba se traduzindo mais em tédio do que, de fato, desespero, principalmente quando já dominamos a jogabilidade básica.
A estrutura se segue a partir de níveis individuais selecionados um a um no menu principal. Entre os capítulos, também é possível adquirir equipamentos, como filme de melhor qualidade para a câmera, lentes de efeitos diferenciados e itens de cura. Embora esse esqueleto funcione muito bem para fins de progressão, há um problema sério em sua execução no sentido de que, quanto mais se avança na campanha, mais longas ficam cada fase.
Nota-se que largá-las no meio e dar continuidade a partir de onde o progresso foi interrompido é uma opção, visto que o salvamento automático existe e funciona. Só que esse tipo de prática acaba se mostrando pouco imersivo e contrário à própria visão de Maiden of Black Water como um título de terror.
Esse ideal por trás da duração exagerada dos estágios pode ter a ver com a progressão característica do gênero do horror japonês, que costumeiramente trabalha com maestria a ideia de fomentar uma tensão crescente ao longo da narrativa, imprimindo um terror psicológico sufocante em quem joga — e a sensação de “isso não acaba nunca?” é corroborativa. Contudo, tratando-se de um game, esse sentimento acaba se traduzindo mais em tédio do que, de fato, desespero, principalmente quando já dominamos a jogabilidade básica.
Falando em gameplay, é bastante incômodo o quão travada é a movimentação dos personagens. Ainda que um jogo de terror normalmente traga impeditivos propositais nesse critério justamente para amplificar a sensação de impotência diante do sobrenatural, isso não é justificativa para se utilizar de um esquema de movimentação que em 2015, no lançamento original, já era considerado datado em pelo menos uns dez anos.
O movimento travado em eixo, remanescente dos títulos clássicos da franquia Resident Evil, é algo simplesmente inviável para o mercado moderno e mais irrita do que realmente colabora na construção da atmosfera. De maneira relacionada ao movimento, a própria câmera (do sistema, não a obscura) também acaba desfavorecendo o jogador em diversos momentos por entrar em conflito com vários dos ambientes fechados pelos quais é necessário percorrer.
Aos poucos, a jogabilidade vai se tornando repetitiva e levemente enfadonha. Os sustos passam a ficar previsíveis e o jogador começa a usar o sistema de tirar fotos para exorcizar os espíritos de forma quase automática, uma vez que seus padrões de ataque são de fácil assimilação. Em suma, o gameplay acaba ficando limitado a apontar a câmera e enquadrar a aparição no intuito de otimizar o dano infligido a cada clique.
A inteligência artificial, no que lhe toca, poderia ser melhor regulada. Depois de algumas horas, a campanha chega ao ponto em que os fantasmas não dão mais sustos. O sobressalto ocorre agora por conta dos NPCs ficando para trás e reaparecendo ao lado do personagem controlável como verdadeiros encostos — isso quando eles não decidem fazer photobombing enquanto tentamos exorcizar as almas penadas. A sorte é que não precisamos nos preocupar em protegê-las como ocorre com a Ashley em Resident Evil 4, o que ameniza um pouco a situação da burrice da IA.
O principal mérito de Fatal Frame V e maior responsável por segurar qualquer um que aguente seu clima melancólico é o design de fases. Embora o cenário do monte Hikami seja sempre o mesmo, os diferentes trajetos que o game determina a cada nível trazem um frescor muito instigante que estimula a vontade de explorá-los cada vez mais. Vários dos pontos de interesse são suficientemente marcantes, como o templo das bonecas e a estação de teleférico, o que gera individualidade.
A elaboração do design dos mapas vem juntamente com a possibilidade de esconder neles uma série robusta de colecionáveis que fazem parte de um entendimento amplo da narrativa. Veja bem: os colecionáveis fazem parte da compreensão, não é que eles colaborem com ela. Há uma diferença sutil, porém considerável no que diz respeito à percepção total de uma história nesse quesito.
A elaboração do design dos mapas vem juntamente com a possibilidade de esconder neles uma série robusta de colecionáveis que fazem parte de um entendimento amplo da narrativa. Veja bem: os colecionáveis fazem parte da compreensão, não é que eles colaborem com ela. Há uma diferença sutil, porém considerável no que diz respeito à percepção total de uma história nesse quesito.
No caso, chama a atenção que Maiden of Black Water conte com uma narrativa deveras fragmentada no sentido de que é muito complicado assimilar o básico que seja dela sem se atentar a esses adicionais espalhados pelo monte Hikami, que vão de espíritos errantes que consigo trazem visões do passado a notas de suicídio deixadas por aqueles que decidiram dar um fim em suas próprias vidas. Existe uma diferença entre informações complementares que colaboram com o mosaico da obra e informações cruciais, que deveriam ser transmitidas de uma maneira didática no intuito de fazê-la ter o mínimo de lógica.
A grosso modo, o enredo de Fatal Frame V chega a ser batido, cheio de arquétipos previsíveis e personagens com pouco carisma. Entretanto, ele é uma ilustração muito clara de que uma história envolvente pode ter a ver com a maneira como você a conta ao construir uma atmosfera de forma competente.
Deficiências manjadas de qualquer remasterização e que não assustam ninguém
Tratando um pouco do trabalho técnico da Koei, nota-se que Maiden of Black Water é um port funcional. Embora superior a outros desastres técnicos recentes da própria empresa, como o Ninja Gaiden Master Collection (Multi), nota-se alguns bugs ao longo da campanha. Crashes e telas pretas em vez de carregar as cutscenes, por exemplo, aconteceram de vez em quando, dando softlock no game e sendo necessário reiniciá-lo para dar prosseguimento.
Falando das telas pretas no lugar das cinemáticas, uma das causas que cheguei a identificar é que elas provavelmente entram em conflito com as roupas alternativas que os personagens controláveis podem vestir. Ou seja, elas são um problema duplo, porque como se tal defeito técnico não fosse suficiente, muitas delas são de um gosto bastante questionável.
Em mais de uma ocasião, o meu arrepio não foi por causa dos espíritos, mas por conta do frio que eu imaginei que Yuri deveria estar sentindo nas pernas à mostra enquanto vagava pela água gelada na altura da cintura. O negócio promove uma quebra de imersão tão grande que ele dá a volta completa para se tornar mais um elemento constituinte do terror psicológico promovido por Maiden of Black Water.
Visualmente, Fatal Frame V não é desagradável esteticamente, mas poderia ser dois dedos mais bonito porque, mesmo levando em consideração a versão remasterizada e tendo ciência das deficiências técnicas do Wii U, é sabido que o console conseguia produzir gráficos de qualidade superior aos deste port. Novamente, a palavra-chave para defini-lo é “funcional”. Incomoda? Não. Dava para ser melhor? Com certeza.
Um adicional exclusivo dessa remasterização é o Snap Mode, um modo de fotografia em que o jogador pode tirar screenshots da situação na forma em que ela se apresenta ou moldá-la de livremente ao adicionar modelos de personagens e espíritos em poses diversas, além de contar com vários filtros diferentes para personalizar a imagem como preferir. Tal recurso só não é mais interessante porque a própria câmera (a do jogo) não colabora na hora de montar os nossos cenários.
Como jogo, fraco. Como representante do horror japonês, incrível
Detendo uma atmosfera bastante singular, Fatal Frame: Maiden of Black Water é um exemplo clássico da aplicação de vários dos elementos característicos do horror japonês ao mesclar o terror psicológico ao sobrenatural e elementos folclóricos enquanto segue uma estrutura de tensão crescente. Apesar de ser possível recomendá-lo sob o ponto de vista de um jogo, ele demonstra muito mais valor sob a perspectiva de um produto representante desse gênero tão distinto.
Ainda assim, seria de extrema irresponsabilidade deixar de avisar que os temas abordados em Fatal Frame V podem ser capazes de servir de gatilho para aqueles com alguma predisposição a problemas como ansiedade e depressão. Isso não é nem de longe um defeito, mas é válido deixar claro que a construção dessa atmosfera tão pesada pode ser prejudicial a quem for especialmente suscetível.
Agora, o que nos resta é esperar duas coisas: a primeira é que a Koei Tecmo consiga aprender a produzir ports bem mais competentes do que esse aqui; a segunda é que eles correspondam às suas expectativas mercadológicas. Tendo esses dois requisitos cumpridos, acredito que talvez dê para torcer por novas remasterizações dos games antigos da série ou, quem sabe, verdadeiros remakes que se aproveitem da capacidade tecnológica das plataformas modernas.
Prós
- Construção de atmosfera impecável;
- Design de fases engajante;
- O mosaico que forma a história é intrigante;
- O sistema da câmera obscura é bem fácil de dominar.
Contras
- Movimentação dos personagens truncada;
- Inteligência artificial burra;
- A fragmentação da narrativa pesa negativamente;
- Crashes pontuais e problemas clássicos de qualquer remasterização.
Fatal Frame V: Maiden of Black Water — PS4/PS5/XBO/XSX/Switch/PC — Nota: 7.5Versão utilizada para análise: PS4
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Koei Tecmo