Análise: Tales of Arise (Multi) renova a série em um JRPG frenético, estonteante e familiar

O novo título da série de JRPG renova a parte técnica e evolui alguns conceitos, porém ainda apresenta ideias conservadoras.

em 17/09/2021

Tales of Arise, o mais novo episódio da série de JRPG, veio com a intenção de revitalizar e expandir a franquia, que ainda é considerada como de nicho. Para isso, o título conta com visual estonteante e um combate em tempo real frenético e divertido, além de várias outras mudanças e novidades. Mas por trás das renovações dos gráficos e sistemas, é fácil perceber que este Tales ainda é bastante conservador e explora novamente vários conceitos tradicionais da franquia. Como resultado, temos uma aventura envolvente e bem acabada, porém um pouco familiar demais — para o bem e para o mal.

Um diverso grupo de heróis lutando contra a tirania

A trama de Tales of Arise se passa em um universo com dois planetas próximos. Por mais de 300 anos, o povo de Rehna usa sua tecnologia superior para escravizar o povo de Dahna em um regime de violência e terror. Um dos oprimidos é Alphen, um homem que não se lembra de seu passado e tem uma estranha máscara de ferro. Por um acaso do destino, ele conhece Shionne, uma rehnana que porta uma estranha maldição e que foge de seus compatriotas.


Desse encontro nasce uma parceria improvável, pois Alphen é o único capaz de usar um poder guardado por Shionne. Deixando de lado as suas diferenças, os dois decidem se aliar para acabar com todos os lordes de Rehna que dominam Dahna. Pelo caminho eles são acompanhados por outros indivíduos: Rinwell, uma das poucas feiticeiras nativas de Dahna; Law, um dahniano que trabalha para a polícia secreta de um dos opressores; Dohalim, um lorde rehnano que é diferente dos outros; e Kisara, uma mulher que faz parte da guarda de Dohalim.

Como é de praxe na série, a história começa simples e cresce a proporções exponenciais com muitas reviravoltas e surpresas. O andamento é familiar e um pouco previsível, mas não deixa de ser envolvente. O tom da trama é mais sério e aborda alguns assuntos mais espinhosos, como escravidão e superação de diferenças entre povos, porém o desenvolvimento é superficial. Isso funciona, mas ainda parece algo tirado de um anime com vilões com motivações risíveis, soluções mirabolantes e alguns clichês.


Nesse aspecto, o melhor ponto de Arise está no grupo de heróis. Tem os pontos óbvios, como a aproximação de Alphen e Shionne no decorrer da aventura, mas há várias outras interações interessantes. Dohalim, por exemplo, é zoado por ser um homem incapaz até mesmo de se vestir corretamente sozinho (afinal, como ele era um lorde, os criados faziam isso). Já Kisara é bem metódica e deixa os companheiros constrangidos com suas maluquices. Rinwell claramente não gosta de viajar com pessoas do povo que oprimiu o seu planeta, mas aos poucos ela supera o seu preconceito. É fácil perceber o senso de camaradagem e é ótimo ver os laços se aprofundando aos poucos.

O relacionamento dos personagens é desenvolvido principalmente em conversas opcionais na beira de uma fogueira ou após algum evento importante. Apreciei bastante esses momentos, pois as interações costumam ser divertidas ou com detalhes interessantes. Os diálogos (ou Skits) têm um novo formato em Arise e lembram histórias em quadrinhos com os modelos 3D dos personagens. Achei o resultado conflitante: há mais variedade visual, mas a ausência de expressões faciais e a movimentação rígida deixam as coisas meio estranhas.



Em combates ágeis e estratégicos

A estrutura de Tales of Arise é dividida entre momentos de exploração e de combate. Para mim, de longe, as batalhas são o grande destaque do jogo. Durante os embates, que acontecem em tempo real, misturamos ataques normais com técnicas especiais Ars para criar grandes sequências de golpes capazes de interromper os inimigos. Controlamos diretamente somente um personagem. O restante do grupo fica a cargo de IA, mas podemos determinar táticas ou dar comandos diretos para os aliados.

Agilidade é uma sensação constante nos embates. Há um botão dedicado para a esquiva, e escapar no momento exato nos permite desferir um contra-ataque poderoso. Fazer combos elaborados é fácil por causa dos comandos simples, sendo possível lançar inimigos no ar com os passos corretos. Com alguma perícia, inclusive, podemos trocar de personagem rapidamente e montar sequências de ataques ainda mais longas.


Cada um dos seis heróis oferece estilos de jogo distintos, e até mesmo a maga Rinwell apresenta habilidades ofensivas notáveis. Alphen, por exemplo, pode sacrificar um pouco de sua vida para desferir golpes poderosos com sua Espada Flamejante. Shionne ataca à distância com feitiços e um rifle. Dohalim demanda observar o inimigo e esquivar na hora certa para fortalecer seu bastão. Joguei a maior parte do tempo com Alphen, mas me surpreendi com a complexidade dos sistemas dos outros personagens. Vários outros detalhes e habilidades são liberados aos poucos, o que mantém constantemente a sensação de novidade.

Uma novidade notável é o Ataque de Impulso, que é uma técnica exclusiva de cada personagem, com efeitos distintos. Kisara, por exemplo, usa seu escudo para bloquear investidas dos inimigos; Law destrói defesas com um soco concentrado; já Rinwell é capaz de interromper o carregamento de feitiços de oponentes. Para ter sucesso nos combates, é de extrema importância ficar atento aos inimigos e utilizar corretamente essas técnicas para deixá-los vulneráveis.



Batalhas impressionantes, mas com alguns problemas

Essas várias características tornam o combate de Tales of Arise bem empolgante, em uma mescla de agilidade e estratégia. Há muitas ferramentas e com destreza é fácil fazer sequências impressionantes — ainda me surpreendo ao criar combos longos no ar, deixando o inimigo completamente indefeso. Apreciei bastante também os vários ataques estilosos, em especial as técnicas finalizadoras, em que dois heróis agem em conjunto, e as devastadoras Ars Místicas.


Em um primeiro momento é tranquilo atacar de qualquer jeito, mas logo precisamos ficar atentos às fraquezas dos oponentes e aos seus ataques para não sermos derrotados, em particular contra chefes e monstros gigantes especiais. Por ser veterano na série, rapidamente achei que o desafio ficou baixo, mas logo aumentei a dificuldade e apreciei mais os embates. Há opção para quem não quer muito desafio, como um nível fácil, e até mesmo batalhas completamente automáticas.


O combate não é livre de problemas. Alguns embates simplesmente ignoram as mecânicas e se transformam em um simples apertar de botões até que a vida do oponente acabe. Isso acontece especialmente em chefes, que contam com posturas que não podem ser quebradas. Outra questão é a já conhecida bagunça visual: às vezes há tantos efeitos na tela que é difícil saber o que está acontecendo, resultando em mortes frustrantes. Felizmente esses momentos são raros, no entanto não deixam de incomodar.

Uma mudança que considero controversa foi a introdução dos Pontos de Cura, que são utilizados para ativar habilidades de recuperação de vida e de suporte durante os embates. Esses pontos são compartilhados entre todos os personagens, e só é possível recuperá-los ao descansar em fogueiras e estalagens ou ao usar um item. A intenção é tornar as ações de cura mais estratégicas, afinal o recurso é limitado e os itens de recuperação são caros, mas na prática esse sistema só adiciona passos desnecessários. É comum eles acabarem durante um calabouço ou um combate longo, o que nos força a voltar a uma fogueira para descansar ou então a usar itens, quebrando o ritmo da exploração.



As belezas e a diversidade de um universo amplo

Fora o combate, Tales of Arise oferece um vasto mundo para ser explorado, com bom equilíbrio entre mapas lineares e áreas mais amplas. Desta vez, ao desbravar as diferentes localidades, os heróis são capazes de nadar e pular, o que sugere mais liberdade e possibilidades. Porém, na prática, são adições praticamente irrelevantes: os cenários são, em sua maioria, planos e diretos, e são pouquíssimos os momentos em que precisamos saltar. Ao menos existe um recurso de viagem rápida muito ágil e útil para revisitar os locais do jogo.

Mesmo assim, fiz questão de vasculhar todos os cantos, pois há muito para fazer. Além de inúmeros recursos e itens, os diferentes reinos de Arise contam com várias atividades, como missões paralelas, um sistema de criação de acessórios, monstros especiais mais poderosos, um divertido minigame de pescaria, uma arena repleta de desafios e até mesmo um rancho em que podemos criar animais. Não há nada de muito diferente de outros JRPGs tradicionais, mas não deixa de ser envolvente.


Visualmente, Tales of Arise é estonteante. O jogo foi construído com um novo motor gráfico, o que trouxe um visual moderno e detalhado ao seu universo. Os cenários são ricos em detalhes e elementos, e a direção de arte tem alguns aspectos criativos (como os campos repletos de arcos de rochas em Elde Menância), mesmo que o tema geral em si seja conservador. O uso de um sombreador que deixa os elementos com aparência de aquarela traz identidade ao jogo sem deixar de lado a temática de anime. Destaco também as várias cenas não interativas, que agora estão muito bem trabalhadas.

Assim como os últimos Tales, Arise está completamente localizado para o português do Brasil. A tradução, no geral, é competente, mas notei alguns erros, como um aviso que diz “Todos os caracteres foram curados” em vez de “personagens” — houve uma confusão com a palavra em inglês “character”. Pequenos deslizes são esperados, mas existem problemas mais graves na tradução, como inconsistência de termos que dificultam entender certas mecânicas. Um exemplo é a descrição de uma das restrições na arena que diz que o inimigo só recebe dano depois de ser derrubado, mas derrubei o oponente e sua vida continuou intacta. Mudando para inglês, descobri o problema: lá dizia break, ou seja, eu precisava quebrar a defesa e não derrubá-lo. Torço para que esses problemas sejam corrigidos no futuro.



Uma aventura fenomenal e conservadora

Tales of Arise é um JRPG fascinante que se apoia no legado da série. O novo episódio cativa com os personagens carismáticos e suas interações divertidas, por mais que a trama e os temas não sejam muito criativos. Já o combate está mais eletrizante do que nunca com um sistema que permite lutar no solo e no ar, com direito a muitos movimentos estilosos. Além disso, há muito o que fazer em seu vasto mundo, e o visual é excepcional.

Por trás das qualidades, existem alguns problemas recorrentes da série (como o caos visual em alguns combates), assim como o uso muito tímido das novas mecânicas de exploração. Não só isso, a estrutura geral do jogo é a mesma dos últimos títulos, estando bem longe da revolução prometida. Apesar de tudo isso, Tales of Arise se revela um ótimo JRPG tanto para novatos quanto para veteranos.



Prós

  • Combate ágil, repleto de opções e com boas nuances estratégicas;
  • Mundo vasto repleto de atividades interessantes;
  • Grupo de heróis carismáticos, cujos laços são desenvolvidos em ótimas cenas e conversas;
  • Belíssimos visuais em cel shading.

Contras

  • Confusão visual nos combates atrapalha em alguns momentos;
  • Conceitos de exploração subutilizados;
  • Pequenos problemas na tradução para o português.
Tales of Arise — PC/PS4/PS5/XBO/XSX — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: PS4
Revisão: Ives Boitano
Análise produzida com cópia digital cedida pela Bandai Namco

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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