Análise: Astria Ascending (Multi) é um JRPG belo, mas maçante e esquecível

Este título indie conta com boas ideias e sistemas, porém inúmeros problemas comprometem o seu potencial.

em 01/10/2021

Astria Ascending tem como intenção resgatar e modernizar características marcantes de JRPGs. Para alcançar esse objetivo, o jogo conta com combate por turnos com algumas mecânicas interessantes, um vasto sistema de customização de personagens e um mundo elaborado para explorar. Além disso, o título do estúdio francês Artisan Studios tenta se destacar com belíssimo visual desenhado à mão, roteiro de Kazushige Nojima (de Final Fantasy VII Remake) e trilha sonora de Hitoshi Sakimoto (Final Fantasy Tactics). Infelizmente, o jogo sofre de inúmeros problemas, resultando em uma experiência decepcionante.

Sacrificando-se para manter a harmonia entre povos

O mundo de Orcanon é habitado por diferentes raças, que coexistem em paz por causa de um acordo mútuo chamado Harmony. Para manter esse pacto, todos se comprometem em consumir Harmelons, uma fruta que suprime algumas habilidades. Uma força contrária chamada Dissonance ameaça com frequência esse arranjo na forma de Noises, monstros que espalham o caos.

Para enfrentar esse problema, uma deusa escolhe oito indivíduos das diferentes raças e os transforma em Demi-gods, guerreiros poderosos capazes de enfrentar os Noises. Há um porém: os heróis vivem somente três anos e, quando o seu tempo acaba, um novo grupo é formado. Nesse contexto, acompanhamos o 333º grupo de Demi-gods, cujo fim acontecerá em três meses. Liderados pela jovem Ulan, os heróis precisam investigar uma série de acontecimentos estranhos que ameaçam a coexistência entre as raças.


Acompanhar um grupo de guerreiros que enfrentará a morte em breve é no mínimo inusitado, mas Astra Ascending se apoia mais nos conceitos clássicos de JRPGs em vez de explorar essa premissa. Isso não seria mal algum, mas o desenvolvimento da trama e dos personagens deixa a desejar.

Começamos a aventura com um grupo de oito personagens e, fora uma breve apresentação em texto, não sabemos mais nada sobre eles. Há algum desenvolvimento no decorrer da jornada, mas é bastante superficial. Para piorar, os heróis não são nada carismáticos e a interação entre eles é pautada em brigas e discussões bobas — nem parece que faz quase três anos que eles estão lutando juntos. Por causa disso, foi difícil me importar com eles.


Fora isso, a trama do jogo é arrastada e com vários clichês, como vilões nas sombras arquitetando os fatos. Existem algumas questões interessantes, como racismo entre as raças, os sacrifícios necessários para manter a paz e reflexões sobre livre arbítrio, porém os assuntos mais espinhosos são tratados de forma superficial. Além disso, várias inconsistências estão presentes pela jornada, como personagens que impedem o acesso a áreas muito perigosas — algo estranho, afinal os heróis supostamente receberam habilidades divinas poderosas.

Ao menos o mundo de Orcanon é belíssimo com seus detalhados cenários desenhados à mão. Cada região esbanja personalidade, por mais que a temática não seja muito diferente da fantasia tradicional com florestas, pântanos, desertos, cavernas congeladas e ruínas antigas. Já os personagens causam estranheza com movimentação não natural, em especial a protagonista Ulan: sua animação de corrida é desengonçada e nada orgânica. A trilha sonora conta com composições suaves que complementam o visual elaborado, porém não existem muitas melodias memoráveis fora alguns temas de batalha.



Desbravando um mundo vasto, mas conservador e insípido

A jornada dos oito Demi-gods se desenrola em cenários com movimentação 2D, e em boa parte do tempo precisamos desbravar calabouços. Estes locais contam com trechos de plataforma e puzzles simples, como acertar objetos com esferas de energia ou ativar dispositivos na ordem correta. Já nas cidades, podemos visitar inúmeras lojas, receber missões paralelas e ativar caçadas a monstros especiais nas guildas. O jogo conta com um recurso de viagem rápida que pode ser ativado a qualquer momento.

O uso de progressão 2D faz com que a ação de Astria Ascending seja ágil, mas, infelizmente, vários problemas assolam a exploração. Para começar, o desenho dos calabouços é sem inspiração, consistindo de corredores bastante parecidos e alguns trechos de plataforma completamente insípidos. Com o tempo, aparecem desafios um pouco mais complexos, porém a tensão é mínima: depois de cair em um buraco, Ulan simplesmente reaparece na plataforma mais próxima. Por causa disso, as partes envolvendo saltos soam irrelevantes.


Os templos e ruínas visitados pelos heróis são bem extensos e repletos de rotas. Um estiloso mapa 3D está disponível para ajudar na navegação e algumas informações (como baús e chefes) podem ser destacadas após desbloquear certas habilidades. O recurso logo se revela ruim de usar, pois não mostra com exatidão onde estamos em cada sala: o marcador do grupo sempre fica no centro. Isso, em conjunto com os caminhos visualmente parecidos, atrapalha a navegação. Particularmente, preferiria um mapa tradicional.

As missões paralelas ajudam a desenvolver melhor o mundo e os personagens, porém elas não são intuitivas. É muito comum um NPC colocar como objetivo encontrar algo em uma área que ainda não está disponível. Além disso, às vezes não há indicação clara sobre com quem precisamos conversar para fazer a missão seguir. Por fim, muitas das tarefas se resumem a coisas mundanas, como pegar itens ou derrotar uma quantidade específica de inimigos. Claro, JRPGs são conhecidos por esse tipo de tarefa, mas não deixa de ser uma pena ver esse tipo de design datado.


Fora a exploração, o jogo conta com várias outras atividades paralelas. A principal delas é J-Ster, minigame inspirado em Triple Triad de Final Fantasy VIII. Ele consiste em colocar fichas em um tabuleiro para capturar as peças do oponente, sendo seu diferencial a possibilidade de girar um anel para mudar a defesa da criatura jogada. É possível desafiar praticamente qualquer personagem do mundo e há inúmeras peças para capturar. Fora isso, há também uma arena e um simples minigame shoot ‘em up.



Em batalhas com conceitos únicos desperdiçados

Os Demi-gods enfrentam os Noises em combates por turnos tradicionais. A cada turno, os heróis podem executar diferentes ações, como golpear, usar técnicas especiais, desferir feitiços ou defender. O grande diferencial é o sistema de Focus: explorar as fraquezas dos inimigos ou usar um comando específico gera pontos que podem ser utilizados para fortalecer ataques futuros. É importante ficar atento, pois acertar a resistência dos oponentes tem o efeito contrário e drena os pontos de foco.

Em sua essência, o combate exige observação, sendo essencial explorar as fraquezas dos inimigos para fortalecer nossos movimentos. É possível utilizar os Focus Points para potencializar feitiços de cura ou até mesmo aumentar em 200% a força de ataques, transformando-os em golpes devastadores capazes de destruir inimigos. Além disso, cada personagem tem uma especialidade diferente, o que nos oferece diferentes opções estratégicas. A organização do grupo pode ser alterada durante os embates, facilitando nossa capacidade de adaptação.


Na teoria, o sistema de fortalecer técnicas com Focus Points parece promissor, mas na prática ele tem pouco impacto: uma vez descoberto o ponto fraco do inimigo, basta usar um ataque para explorar a fraqueza e depois duplicar o dano do mesmo comando com o máximo de pontos possíveis. Para piorar, a maioria das batalhas de cada calabouço tem a mesma configuração de inimigos, o que deixa esses embates um pouco repetitivos. No meu tempo com o jogo, raramente fui forçado a improvisar ou testar outras estratégias, bastou repetir o que sempre funciona.

No entanto, o que mais me enfureceu no combate de Astria Ascending é o desbalanceamento. Frequentemente os inimigos utilizam técnicas que debilitam todos os nossos personagens de uma vez sem oferecer oportunidade prévia de mitigação. Um chefe, por exemplo, com um único movimento, aplicava os estados de paralisia e confusão em todo o grupo por quatro turnos — ou seja, fiquei lá parado por algumas rodadas vendo meus heróis sendo mortos. Até mesmo batalhas comuns sofrem disso, como um conjunto de sete besouros que abrem o combate destruindo o grupo antes mesmo de eu poder escolher um comando. Isso faz com que o jogo seja difícil pelos motivos errados. Existem outras opções de dificuldade, mas não são suficientes para amenizar os problemas de balanceamento


Fora isso, o jogo oferece um extenso recurso de customização de heróis na forma de uma árvore de habilidades. Com o avançar da aventura, são liberadas classes adicionais, que contam com sua própria lista de técnicas. Com isso, há várias opções na hora de montar os personagens, sendo possível misturar diferentes papéis para criar possibilidades estratégicas. O problema é que cada nó da árvore necessita de uma quantidade alta de pontos de habilidade, o que nos força a fazer grind para conseguir evoluir os heróis.

Por fim, gerenciar os heróis é um tormento por causa da interface nada intuitiva. Depois de fazer compras, precisamos abrir o menu e equipar manualmente armas e escudos, isso quando você consegue encontrar o que foi adquirido na imensa e desorganizada lista de itens. As árvores de habilidades são visualmente estonteantes com seus desenhos inspirados em signos do zodíaco, mas é custoso navegar e saber com clareza quais nos podem ser ativados. Isso não seria problemático caso o grupo fosse pequeno, mas são oito personagens para editar manualmente. Alguns recursos, como equipar logo depois de comprar ou opções de preenchimento automático, fazem muita falta.



Uma aventura que não vale o tempo

Astria Ascending é um JRPG com ideias notáveis e ótimos visuais, mas, infelizmente, sua execução deixa a desejar. O sistema de combate que incentiva explorar as fraquezas dos inimigos é promissor, porém o grande desbalanceamento e a repetição de padrões deixa os confrontos frustrantes. Há muitas opções para customizar e desenvolver os personagens, no entanto é necessário muito grind para conseguir aproveitar esses recursos.

O mundo de Orcanon conta com várias atividades e um minigame elaborado que podem satisfazer os jogadores mais ávidos, mas é uma pena que a trama, os personagens, os calabouços e as localidades sejam sem inspiração. Ao menos o universo conta com visual belíssimo e música competente. No fim, as poucas qualidades não conseguem salvar Astria Ascending.

Prós

  • Ambientação excepcional com gráficos desenhados à mão e música orquestrada;
  • Boa quantidade de conteúdo;
  • Sistema de combate por turnos com alguns conceitos interessantes.

Contras

  • Trama e personagens desinteressantes;
  • Calabouços repetitivos e com mapas sem inspiração;
  • Muitos problemas de balanceamento no combate;
  • Desenvolvimento e administração de personagens desnecessariamente custosos.
Astria Ascending — PC/PS4/XBO/Switch — Nota: 5.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Dear Villagers

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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