Ao longo de 26 anos de história, a E3 certamente já deixou para sempre sua marca como uma das feiras sazonais mais emblemáticas da indústria de games, ansiosamente aguardada pelos jogadores assíduos por novas informações de futuros lançamentos e sempre divulgadas com um estardalhaço até maior do que normalmente deveriam. Por muito tempo, inclusive, a E3 era um verdadeiro frenesi para a imprensa de games, uma vez que uma boa cobertura resultaria na fidelização se seu público, especialmente nos tempos das revistas, quando o acesso à internet era menos generalizado e o processo de gatekeeping, isto é, o de curadoria das notícias no intuito de decidir quais eram as mais importantes, ainda tinha algum lugar antes de a modernidade digital promover mudanças nessa dinâmica teórica da prática jornalística.
Assim, a imprensa mudou porque o consumo de informação mudou. O mercado e a maneira como as informações são trabalhadas passaram por uma transformação — e isso se aplica não só aos games, mas ao jornalismo como um todo. Antigamente, o fluxo informacional era escasso e os jogadores tinham acesso às notícias de forma intermediada. Havia eventos abertos ao público, mas não era fácil para um latino-americano, como nós, por exemplo, marcar presença no local e ter a experiência de experimentar os anúncios e jogar os futuros lançamentos por conta própria.
Tendo sua primeira edição em 1995, a Electronic Entertainment Expo, a tal E3, surgiu como uma espécie de resposta feita por uma indústria que, naquele momento, estava em ascensão e percebia que não tinha mais espaço para ser desdenhada em outros eventos de tecnologia, normalmente focadas em, bem, tecnologia. Assim, as principais empresas do ramo se uniram e fundaram a Entertainment Software Association — a ESA —, que até hoje é responsável por organizar a feira.
Com o advento da internet, enquanto eventos focados em desenvolvimento de negócios — os chamados B2B, business to business — tiveram um salto considerável ao longo dos anos por conta da eliminação de fronteiras geográficas, as que têm como objetivo atingir o consumidor local — prática conhecida como B2C, business to consumer — vêm minguando nos últimos tempos justamente porque a relação dos jogadores para com os produtos e as empresas mudou bastante. A E3, por sua vez, embora tente se vender como um evento de negócios, é claramente focada no mercado consumidor (e imprensa). É só lembrar os acachapantes fracassos que foram as edições de 2007 e 2008, completamente fechadas nesse aspecto, visando uma consolidação B2B.
A E3 em 2007 e 2008 foi chamada de "Media & Business Summit", focando-se apenas em negócios e fechada ao público. (Foto: Legit Reviews) |
Embora essa mudança de dinâmica dos eventos estivesse ocorrendo de maneira progressiva, a pandemia de COVID-19 chegou para se tornar o definitivo ponto de virada para tal. Em 2021, a E3 oficializou-se em uma edição completamente virtual e gratuita, muito em resposta à indefinição da edição do ano anterior, em um momento em que ninguém sabia exatamente como lidar com a questão das feiras físicas até então planejadas. O cancelamento da edição de 2020, então, foi responsável por gerar uma série de movimentos paralelos, como a Summer Game Fest, que abraçou as tradicionais apresentações de grandes marcas como a Sony e a Microsoft. Entretanto, vale ressaltar que, para o público, aquilo ainda era E3 e, informalmente, ainda chamava aquele fenômeno digital de E3.
No entanto, vale a pena ressaltar que o êxodo da feira já era uma tendência que poderia ser observada. Um de seus principais símbolos foi quando a Nintendo passou a abrir mão de marcar presença com uma conferência de imprensa tradicional para se concentrar em suas apresentações virtuais, os Nintendo Direct, que tinham alcance global, mesmo que a empresa em questão ainda confirmasse seus estandes físicos no pavilhão. A Sony, por sua vez, deixou claro que não iria participar da edição de 2019. A justificativa por trás disso, à época, é porque a companhia avisou que já tinha apresentado tudo o que tinha em fevereiro durante seu próprio evento, o Destination PlayStation.
Outro fenômeno interessante de 2020 é que, da mesma forma que as empresas tiveram a proatividade de produzir um evento por conta própria independente de forças superiores com a E3 original, a existência de outros paralelos acaba espelhando esse espírito. E isso acontece de uma maneira muito mais independente das associações ou do espaço reservado. Em 2020, por exemplo, o desenvolvedor Suda 51 organizou a chamada New Game+ Expo, que uniu diversas marcas japonesas, enquanto a Guerrilla Collective Live deu destaque a marcas menores e independentes.
A lineup do New Game+ Expo trouxe empresas que provavelmente não teriam tanto espaço nas grandiosas E3 de outrora, diversificando as opções dos jogadores. |
Na prática, isso acontece por um motivo: centralização da informação. Hoje, as próprias empresas decidem quando soltar uma novidade ao público e angariar todas as atenções para si, uma vez que não precisaram competir em uma espécie de disputa promovida pela própria comunidade naquela história de “vencer a E3”. Contudo, também nos salta aos olhos o fato de que muitos fãs não se empolgam factualmente com a E3 em si. O que eles querem fazer é se entregar ao hype com uma variedade de anúncios que apetecerão suas imaginações — e mesmo esse fenômeno está sendo questionado, uma vez que cada vez mais as marcas se precipitam no intuito de anunciar ao mundo projetos que nem sequer começaram a ser desenvolvidos e que levarão anos para chegarem ao mercado.
Sob tal ponto de vista, a existência da E3 por si só tornou-se uma espécie de paradoxo, uma vez que ela é aguardada pelo público, mas acabou perdendo muita credibilidade ao longo do tempo por diversos motivos. É claro que o próprio evento físico também passou por maus bocados. A última edição pré-COVID da feira registrou um número de sessenta e seis mil participantes. A fim de comparação, a BGS, em 2018, alcançou trezentos e vinte e cinco mil, de acordo com dados divulgados em 2019. Isso só atesta que a E3, como uma expo física, é uma instituição praticamente falida e que o que se busca nela é informação. Ressalta-se que desde 2017 que ela é completamente aberta ao público pagante e, mesmo assim, não chegou a esboçar números maiores (na verdade, encolheram, visto que nesse primeiro ano a audiência presente foi de aproximadamente setenta mil).
Em resumo, a E3 praticamente acabou, mas sua existência fica entre nós como um símbolo, em espírito. Da mesma forma que a feira já foi — de uma forma bastante brega, diga-se de passagem — chamada de “Natal da Indústria de Games”, ela, assim como o próprio Natal, perdeu, com o tempo, o seu sentido original como uma festa estritamente cristã para dar lugar a uma temporada sazonal em que as pessoas, independentemente da religião, passam a promover o bem de forma muito mais abrangente. O Natal agora é uma ideia, um período abstrato. A E3, também.
Revisão: Farley Santos