Uma reflexão pessoal sobre videogames, depressão e suicídio

Um relato pessoal e íntimo sobre os significados dos jogos eletrônicos em uma vida atormentada pelo medo.

em 07/05/2021
Em fevereiro de 2020 eu estava à beira-mar em uma famosa praia de Florianópolis sentindo uma velha sensação de inutilidade. Com lágrimas nos olhos e atordoado pela cerveja que me levaria a um estado de coma alcoólico a qualquer momento daquela tarde de verão, observava vagarosamente o horizonte interminável, lembrando de algo que dizia para uma amiga especial: “se eu morrer, jogue minhas cinzas na brisa do mar”. Cada lágrima deixada naquela praia se fundia com o grande volume de água oceânica, se perdendo para sempre da sua origem. Viver era aterrorizante e doloroso, era a parte final da jornada.

No fim daquele mesmo dia eu estava em um hospital desacordado. Não me lembro de como cheguei lá, porque passaria as próximas treze horas dormindo, mas ainda revejo o que disse antes de cair: “talvez seja melhor assim, esquecer tudo”. Viajei com alguns amigos no fim de semana para tentar esquecer os problemas que me assolavam, mas não imaginei que eles viriam até mim como um sentimento de culpa ainda maior. Um dia você está bem, carregando esperança sobre um futuro radiante e, no outro, desmaiado sobre a cama num quarto escuro, pensando o quão cruel e horroroso é o mundo a sua volta; o brilho do sol queima sua pele como se tudo fosse hostil e as pessoas parecem arrancar suas energias restantes com olhares e ações pouco relevantes.

Eu não deveria ligar para o que outros indivíduos pensam, mas minha mente faz isso. Cada mente é única e todas podem sair dos trilhos de um modo único. Quando estamos deprimidos, nos sentimos sozinhos, achando que ninguém passa por isso. Ficamos com medo de parecer malucos e internalizamos tudo, com medo de que as pessoas se afastem ainda mais. É aí que nos fechamos e não falamos sobre o assunto.

O autor britânico Matt Haig desmistifica esses assuntos em seu livro “Razões para continuar vivo” e revela como seguiu em frente depois de uma tentativa de suicídio aos 24 anos de idade. Ele diz:
“A dor é sentida de maneiras diferentes, em graus diferentes, e provoca reações diferentes. Não existe um jeito certo ou errado de ter depressão, ou de sofrer um ataque de pânico, ou de ter vontade de se matar. Essas coisas simplesmente acontecem.”
Haig também conta que ler e ouvir histórias sobre pessoas que sofreram, sobreviveram e superaram o desespero da vida o ajudou e lhe trouxe conforto e esperança, porque as palavras, sejam elas escritas ou faladas, nos conectam ao mundo e ao nosso verdadeiro eu. Logo, compartilhar nossos medos e histórias é importante para prosperarmos e entrarmos em ascensão.

Pensando nisso, decidi produzir esta crônica, contando um pouco sobre um período difícil e controverso da minha vida e sobre como os videogames foram ferramentas importantes para entender, recomeçar a criar um senso de esperança perante meu futuro. Já falei no ano passado sobre como os jogos eletrônicos moldam minha identidade e dediquei um trecho para falar sobre ansiedade.

Lembrando que nenhum eletrônico substitui o contato físico, a necessidade do ser humano de desabafar e conversar com outras pessoas que estão dispostas a ouvir e ajudar, mas que, além de um equipamento interativo, os videogames podem servir de motivação e auxiliar aqueles que buscam por renovação. Também quero ressaltar que este texto foi produzido com opiniões próprias sobre vivências pessoais, por meio da leitura e das conclusões de alguns estudos.

O confuso elo entre videogames e depressão

Ao longo dos anos, ouvi muitas pessoas afirmarem que o mundo contemporâneo está doente por conta dos eletrônicos, o que inclui os videogames. Crianças e adolescentes que ficam o tempo todo na frente de uma tela com controle em mãos e não interagem socialmente tendem a ser pessoas tristes e depressivas. Concordo com alguns aspectos dessa ideia de que o uso excessivo de eletrônicos pode causar efeitos antissociais e levar o indivíduo à dependência, mas, por outro lado, o processo para que essa transformação aconteça vem do próprio ser humano inoperante de empatia.

Durante minha batalha contra a ansiedade, dificilmente tive facilidade de compartilhar meus medos e angústias com outras pessoas, seja com a família, seja com amigos. Isso porque grande parte do ambiente em que vivia foi moldado por uma cultura ultrapassada, em que certas regras do último século ainda permeiam, principalmente ligadas ao preconceito e à mania de acreditar que devemos seguir padrões pré-estabelecidos. Crescer nunca é fácil: quando você está no ensino médio, já te cobram faculdade e emprego; quando está na faculdade te cobram família, filhos, e assim sucessivamente. Sua juventude é um verdadeiro temor e então você começa a pensar se morrer não seria menos doloroso. Suas escolhas passam por avaliações, chantagens emocionais e quando você está no fundo do poço ainda dizem que precisa ser forte.

Para alguns, a depressão é “mimimi”, é o ato de fingir que está deprimido ou triste. Para outros, ela é a “doença dos loucos”. A gente anda por aí com a cabeça em chamas e ninguém vê o fogo. Dessa forma fica muito mais fácil perpetuar o estigma, visto que essa estigmatização é cruel com as pessoas depressivas, pois afeta os pensamentos.

O fato que quero desmistificar aqui é que, quando precisamos de ajuda, poucas pessoas conseguem praticar empatia. Ninguém tem paciência para ficar ouvindo lamentações e somos obrigados a procurar sozinhos formas para eliminar esses sentimentos ruins. Isso aconteceu comigo e acontece o tempo todo, no mundo todo. Apenas nos damos conta das coisas que poderíamos ter feito para ajudar o outro quando alguém de fato morre.

Quando estava deprimido, naturalmente ficava horas a fio em frente à televisão ou ao videogame, porque todas as formas de arte, como o cinema e os jogos, eram válvulas de escape. Jogar Super Mario Odyssey (Switch) era maravilhoso e me trazia uma alegria contagiante. Pular e jogar o Cappy para todos os lados era divertido demais, e os próprios personagens carismáticos da Nintendo me passavam a sensação de proteção, de que eu estava seguro naquele mundo interativo.

Tudo que eu sentia no mundo real sumia – meus medos, preocupações e ideações –, mas, ao desligar o aparelho, tudo retornava e ninguém estava disposto a me ouvir. Essa ausência do sentimento de solidariedade da maior parte da sociedade pode trazer malefícios irreversíveis para a outra parcela dela. Se ninguém tiver a capacidade de se colocar no lugar do outro e continuar culpando coisas materiais que muitas vezes são apenas válvulas de escape, vamos continuar vendo o número de suicídios subir ao redor mundo. Não adianta brigar com seu filho por ele passar vinte e quatro horas por dia em frente ao computador se você não perguntar o porquê de ele estar fazendo isso.

A maioria das pessoas que enfrentam algum problema relacionado à saúde mental têm dificuldades para se abrir e precisam ser encorajadas a isso. Não adianta nada, depois de um suicídio, questionar-se sobre o motivo que levou uma pessoa a fazer o que fez. Deveríamos ser gentis antes do suicídio, porque cada pessoa está travando uma diferente batalha.

Em 2018 a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu o vício em videogames na Classificação Internacional de Doenças. O diagnóstico do transtorno é feito por meio da análise do padrão de comportamento de uma pessoa, quando resulta em prejuízo significativo nas áreas pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional e outras. No entanto, no meu ponto de vista isso não foi esclarecido de maneira devida.

A pergunta que eu faço a todo momento é: por que as pessoas estão viciadas em jogar videogame? O uso excessivo desses aparelhos é prejudicial, mas o que estamos fazendo para que esse uso seja saudável? Automaticamente, o que vem à minha cabeça é que o vício em questão esteja relacionado a sinais psicológicos já existentes como ansiedade, depressão ou a ausência de afeto. Quando uma pessoa não consegue se expressar com o exterior, acaba se fechando do mundo real, preferindo o virtual; e, quanto mais frequente e confortável for esse espaço, mais tempo ela ficará conectada. Todos somos de alguma forma responsáveis por criar uma cultura calada e deprimida.

Em The Last Campfire (Multi), acompanhamos Ember, uma brasa perdida tentando reunir seus amigos para acender as fogueiras e encontrar o caminho de casa. No jogo da Hello Games, o protagonista busca encorajar todos a se unirem e seguirem em frente. Essa atitude empática me ajudou a entender o mundo ao qual pertenço, porque poucas serão as pessoas que nos auxiliarão quando estamos perdidos. A capacidade de Ember de se colocar no lugar do outro e permitir que a esperança não se perca demonstra como precisamos de conexão humana para sobreviver, mesmo que alguns problemas não sejam tão fáceis de resolver.

Estudos apontam que sintomas que podem levar a transtornos como depressão e ansiedade podem ser combatidos de forma eficiente com distrações e exercícios mentais como os jogos eletrônicos, que na verdade podem ser grandes amigos do desenvolvimento cognitivo da pessoa, influenciando no aprimoramento de habilidades como atenção, criatividade, memória, idiomas e trabalho em equipe. Então, dizer que os videogames atuam como vilões é errado em partes.

O consumo de mídias sociais oferece muito mais malefícios do que os videogames propriamente ditos. Quando a pessoa interage com um mundo virtual, por meio de jogos de mundo aberto, narrativos ou qualquer que seja o gênero, vê-se conectada àquela realidade e começa a pensar como todo aquele cenário trabalha. Sua mente começa a se ocupar com quebra-cabeças, explorações e tantas outras atividades cognitivas. Por outro lado, as redes sociais são piores, porque limitam o usuário, deixando a mente vulnerável. A internet é uma verdadeira terra sem lei, onde você pode ser quem quiser, não necessariamente seu verdadeiro eu. Essas atitudes errôneas, desencadeiam um efeito dominó, em que se torna comum uma pessoa deprimida se sentir inferior e se comparar com outros membros da rede social por não ter uma vida “perfeita”.

Até aqueles que não apresentam sintomas depressivos tendem a se sentir desmotivados em redes sociais. Um estudo realizado pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade de Montreal, no Canadá, não identificou um elo entre o uso de videogames e a depressão; no entanto, quando o assunto são redes sociais, esse índice sobe para um nível preocupante.

Não sou psicólogo, mas percebi essas coisas depois da minha própria tentativa de suicídio. O fato é que o mundo moderno só é caótico porque estamos perdendo, cada vez mais, o senso de empatia uns pelos outros. Eu nunca pude, de fato, compartilhar esse acontecimento traumático, por estar com medo de que as pessoas à minha volta me julgassem como louco. Hoje, entendo que falar é a melhor opção para quando se está deprimido, pois existem pessoas que irão nos ouvir e aceitar. No fim das contas, o vício por eletrônicos existe, mas a questão a ser debatida é por que estamos tão viciados.

O meu intuito até aqui foi tentar descrever minhas opiniões sobre como a depressão é tratada atualmente e como é difícil para alguém com traumas e preocupações se abrir. Também quis ressaltar que os videogames não são os grandes vilões como muitas pessoas afirmam, mas que são ferramentas extraordinárias para nos manter leves em um mundo pesado. A seguir, vou contar sobre como eles me transformaram e curaram boa parte das minhas angústias.

O Nintendo Switch e o meu futuro incerto

Quase um mês depois do acontecimento e uma semana antes de a pandemia do novo coronavírus chegar ao ápice no Brasil, obrigando todos a ficarem em casa, decidi adquirir um Nintendo Switch. Foi uma decisão precipitada em partes, porque não tinha o dinheiro todo para pagar naquele momento; porém, quando você está sendo pessimista em relação ao futuro, coisas absurdas e loucas passam pela sua mente. Um dos principais sintomas da depressão é a falta de esperança, de não visualizar um futuro. Em vez de existir uma luz no fim, o túnel parece fechado nas duas extremidades e você está ali dentro, sem saber para onde ir.

O que mais me assustava na época era o fato de estar passando por um processo de ideação suicida, ou seja, queria de certa forma morrer, mas não tinha coragem de me matar mesmo depois da primeira tentativa. Na minha cabeça perambulavam somente ideias de fracasso, de que eu não merecia ser feliz, de que estava decepcionando todos à minha volta e de que jamais faria algo certo. Esse combo de sentimentos ruins foi o responsável pela escolha que fiz e, se tudo desse errado nos próximos meses, pelo menos eu teria me divertido com o console híbrido da Nintendo. Eu não queria parar de respirar sem ter tido a oportunidade de experimentar tudo isso. Talvez eu morresse feliz sabendo que algumas horas da minha vida foram gastas explorando mundos tão mágicos e contemplativos.

Felizmente, eu ainda estou aqui e de certa forma consegui superar boa parte daquilo que me atormentava há alguns meses. Não que eu esteja completamente renovado, pois ainda existe uma longa caminhada pela frente, mas estou feliz por avançar. Boa parte disso se deve às minhas amizades, que me auxiliaram muito nessa jornada de progresso, mas também à arte, que agiu como uma válvula de escape para curar a dor. Cinema, música e literatura sempre foram elementos cruciais para o meu desenvolvimento, mas os magníficos videogames trouxeram algo que eu jamais vou poder explicar. É como se aquelas interações me transformassem completamente.

Em meados de 2014, passava as tardes em um bosque escondido da civilização jogando Pokémon Alpha Sapphire (3DS) ou Mario Kart 7 (3DS) – leia sobre essa história em "Uma reflexão pessoal sobre a infância e a adolescência, os videogames e suas fantasias". Em 2017, comprei um PlayStation 4 para jogar Horizon Zero Dawn (PS4/PC), que eu já havia adquirido três meses antes sem ter o console. E em 2020, chegou o Nintendo Switch de forma abrupta para tentar esquecer aquele dia que seria marcado como o pior do resto da minha vida. Aparentemente essa “ideia ruim” se tornou a melhor decisão que pude ter feito na época, porque, além de conseguir quitar o console facilmente, os próximos meses se tornaram ainda mais admiráveis.

Os videogames não curaram minha vontade de morrer de imediato, mas me disseram o quão importante era seguir em frente. Claro que eu não poderia ignorar o mundo real, porque os mesmos problemas ainda iriam me atormentar; no entanto, no momento de suas materializações, eu tinha completa certeza de que, por mais difícil seja enfrentá-los, uma recompensa ainda maior estaria chegando em 2021 e além: a oportunidade de explorar novos mundos interativos.

Então comecei a imaginar como seriam os próximos anos com a sequência de The Legend of Zelda: Breath of the Wild, um possível The Last of Us Part III ou ainda a chegada de Rayman 4. A sensação de saber que havia muitas, mas muitas aventuras e histórias para acompanhar me trazia uma paz gigantesca no meio daquele caos. Comecei a me sentir mais alegre e motivado, queria tornar minha vida mais leve e bonita para poder aproveitar o máximo dessas experiências. Eu tinha que sobreviver, pois a vida, mesmo sendo breve e, às vezes, devastadora, teria coisas fabulosas para mostrar.
 

Trocar o contato humano por um eletrônico não deveria ser a escolha de uma pessoa à beira de um colapso, mas foi a única coisa que me segurou, porque o medo de compartilhar tudo isso era enorme. De certa forma, o Switch foi uma ferramenta importante para meu progresso. Lembro de ouvir um amigo dizer: “você vai se divertir muito com o console e vai ficar tudo bem”. Bom, parece que saltar e jogar o Cappy do Mario por aí foi maravilhosamente mágico e reconfortante.

De The Last of Us a Zelda: os jogos como forma de recomeço e esperança

Lembro até hoje o exato momento de estar jogando The Last of Us (PS3/PS4) pela primeira vez e parar para admirar o horizonte inalcançável de um cenário. Estava parado no meio de uma rua devastada pelo apocalipse, observando as paredes dos prédios repletas de plantas trepadeiras. O pôr do sol refletia a luz amarela nos vidros quebrados e nas poças de água localizadas no chão do asfalto destruído, criando uma sensação de solidão aconchegante. Eu queria entrar na tela e viver naquele mundo, independente dos perigos. Eu me sentia abraçado por aquele cenário, porque, mesmo avassalador e mortal, sabia que lá não precisaria me preocupar com minha depressão. A mesma situação ocorreu no ano passado ao jogar The Last of Us Part II (PS4).

De vez em quando, os jogos eletrônicos parecem ter empatia e absorver tudo que se passa ao nosso redor e nos presentear com sensações complexas e inusitadas. O que mais me chama a atenção nessas experiências são suas ambientações ricas e diversificadas que transmitem diferentes reações ao jogador.

Escalar a montanha mais alta de The Legend of Zelda: Breath of the Wild (Switch) e dela observar o horizonte interminável e repleto de santuários brilhantes azuis é estupendo. Todo aquele amontoado de terra parece dizer que, independente da direção, existem momentos mágicos para deslumbrar. Certo dia, enquanto viajava por Hyrule, fui morto diversas vezes por inimigos traiçoeiros e a tela de game over apareceu repetidas vezes. Comecei a relacionar aspectos da minha vida com a jornada de Link e, surpreendentemente, encontrei muitas ligações. 

Em Zelda, você vai morrer infinitas vezes, mas sempre renascerá no último ponto de salvamento e poderá aprimorar suas estratégias para vencer tal batalha. No mundo real, a morte é irreversível, ou seja, não existe como voltar e fazer de novo. Você precisa fazer agora, viver o hoje como algo único e especial, mesmo sabendo que vai errar. O erro é parte essencial da jornada de saber viver. Nossa vida é constituída por falhas e acertos.

Assim como em Hyrule, nosso planeta é uma imensidão de possibilidades. Existem lugares lindos e significativos para conhecer que merecem ser explorados. Nesse longo caminho de descobertas e aventuras irão existir obstáculos – assim como Ganon em Breath of the Wild –, mas você é o único que possui o poder e a força para definir seu destino. Percebi que o suicídio não tem reversão e que a depressão mente para você. Seus pensamentos lhe dizem que não sentirá mais nada e morrer será menos doloroso do que continuar vivo. Sua mente começa a criar situações horríveis como facas cortando a pele e o sangue escorrendo entre seus dedos. A ideação suicida não permitiu que eu visse um futuro.

Quando finalmente entendi como os jogos eletrônicos funcionam e como eles compartilham ideais de esperança e recomeço para pessoas deprimidas, tudo ficou menos escuro. Eles trouxeram um pouco mais de luz e eliminaram o túnel em que estava. Não sei ao certo, como consigo absorver tantos significados, mas tenho convicção ao afirmar que não estaria tão bem sem eles. Cada experiência jogável é única, imprevisível e marcante. É como se os controles me dessem força para sonhar e seguir em frente, mesmo sabendo que alguns problemas precisam de mais tempo e paciência para se resolver.

Em Outer Wilds (Multi), por exemplo, você é um explorador espacial movido pela curiosidade. No decorrer de 22 minutos, planetas inteiros vão se modificando em seu pequeno e lindo ciclo de vida e com isso o jogador vai entendendo melhor o que existe na imensidão do universo. O jogo da Annapurna Interactive me lembrou da importância de viver o agora, de que nosso tempo neste universo é pequeno demais e de que existem coisas incríveis para se fazer. É assim que os jogos nos moldam repentinamente; é nessa dança de sonho e realidade que somos transformados.

A calmaria por meio da escrita

Exatamente no dia 18 de abril de 2020, eu comecei a escrever sobre jogos eletrônicos aqui no GameBlast. Quando decidi me candidatar à vaga – em fevereiro –, havia-se passado uma semana desde minha tentativa de suicídio e eu estava confuso e deprimido. Parecia que nada iria me tirar daquele ciclo de dor e sofrimento. Por isso aquela inscrição talvez nem tivesse tanta importância assim. Era só uma ação aleatória.

No entanto, o que era pra ser algo totalmente descartável com o tempo se tornou um dos hobbies mais importantes para minha evolução pessoal. Escrever sobre o que amo e principalmente sobre o que sentia naquele momento foi um ato de resistência. É se segurar firme e continuar em pé mesmo que você precise passar por uma tempestade de pensamentos ruins.

Escrever notícias é a atividade mais prazerosa dessa experiência, porque não exige que eu passe horas estruturando um texto longo. É simplesmente acessar uma fonte e transferir com minhas próprias palavras o que foi descrito lá. Adoro cobrir eventos online e publicar o máximo de matérias possível sobre lançamentos e anúncios. Já consegui ultrapassar cinquenta notícias em uma única semana e por incrível que pareça isso me deixa em um estado de relaxamento.

Naturalmente, não sou um ser humano perfeito, cometo erros e vivo em uma louca epifania de descobertas. No entanto, o GameBlast me dá liberdade necessária para criar, errar e criar de novo. Não importa quantas vezes algo dê errado, o legal é não desistir e se aperfeiçoar a cada instante. Quando iniciei meus trabalhos por aqui, evitava me envolver em análises, crônicas ou qualquer texto que ultrapasse mil toques, porque acreditava que não era merecedor e digno de fazer isso.

Minha mente dizia que não conseguiria e que tudo que eu produzisse seria algo fútil e sem sentido. Porém, em julho do ano passado, publiquei uma crônica que literalmente aqueceu meu coração e isso me encorajou a seguir em frente e melhorar. O portal abriu portas que eu jamais imaginaria, conheci pessoas dispostas a ouvir e compartilhar ideias, outras que me inspiram a melhorar a cada dia, mesmo com dificuldades.

Leia outra crônica intitulada "Uma reflexão pessoal sobre videogames e identidade"
Estar aqui escrevendo é algo único e espero que essa sensação seja crescente a cada momento. Que todos aqueles que um dia se sentirem desmotivados possam encontrar o que lhes traz conforto e se tornar verdadeiramente infinitos.

"Esta crônica era impossível"

Um ano atrás eu não imaginava que estaria escrevendo esta crônica, que estaria aqui falando abertamente sobre esses fatos. Simplesmente era impossível de acreditar, porque, mesmo depois da ocasião, às vezes, duvidava se conseguiria sobreviver aos dez ou trinta minutos seguintes. No entanto, descobri que escrever e ler me confortava e me trazia esperança.

Espero que este texto possa fazer o mesmo, porque um dia você vai sentir uma alegria equivalente a essa dor. Vai derramar lágrimas de euforia, observar o rosto de um bebê adormecido nos seus braços, fazer grandes amizades, saborear comidas deliciosas que nunca experimentou, contemplar a paisagem de um lugar bem alto sem pensar na possibilidade de morrer na queda. Existem livros que você ainda não leu que vão enriquecê-lo, filmes que verá enquanto come sacos gigantes de pipoca, e você vai dançar, sair para correr à beira do rio, conversar noites adentro e rir até chorar. A vida está esperando você. Você pode estar preso neste planeta por algum tempo, mas o mundo não vai a lugar nenhum. Aguente firme aí se puder. A vida sempre vale a pena.

Revisão: Ives Boitano
Arte da capa: Tiago Herrmann

é entusiasta e apreciador de jogos com conceito artístico minimalista e narrativas de significado profundo. Acredita na potencialidade de cada experiência interativa e tenta extrair delas sentimentos humanos e existenciais. No GameBlast também escreve notícias, análises e especiais; no tempo livre produz roteiros autorais de séries e filmes. Criatividade, imaginação e curiosidade são algumas de suas características marcantes.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.