Com tamanho sucesso — ontem (3), foi anunciado que nada menos que 5 milhões de vikings adentraram o décimo mundo nórdico —, fica claro que temos aqui algo especial. Ao longo das últimas duas semanas, tive a feliz oportunidade de me aventurar no título da desenvolvedora sueca Iron Gate Studio, e é com um sorriso no rosto que trago a seguir minhas impressões sobre aquele que, na minha sincera opinião, já é um dos games mais promissores dos últimos anos.
O décimo mundo
Há muito tempo, o poderoso deus Odin uniu todos os mundos. Após tamanho feito, o governante de Asgard isolou seus inimigos em um único lugar e o separou da árvore do mundo, cortando os galhos responsáveis por sua ligação ao centro do universo.
Por séculos, tal lugar de exílio e desolação vagou, mas sem sucumbir. E, conforme as Eras do Gelo passaram, diversos reinos cresceram sobre sua terra, longe da visão dos deuses nórdicos.
O jogador é um desses bravos escolhidos, e assim começa a aventura em Valheim, o décimo mundo nórdico. Nesta espécie de purgatório viking, caberá aos corajosos sobreviverem e provarem seu valor a Odin, eliminando seus antigos rivais e trazendo ordem a todo o reino. Como a narrativa acima já entrega, triunfar aqui não será fácil. Mas adianto que, mesmo no formato de Acesso Antecipado, é um desafio que vale a pena ser aceito.
A arte de sobreviver
Jogos de sobrevivência — os populares survival games — não são exatamente incomuns, especialmente quando falamos de PC. De sucessos multiplataforma como Minecraft e Don’t Starve a exclusivos temporários ou completos como Rust (PC) e SCUM (PC), a verdade é que não faltam boas opções para fãs do gênero que possuam um computador.
Tal volume de ofertas pode inclusive chegar a causar uma certa sensação de familiaridade em novos jogos do gênero: provavelmente você acordará ou estará sozinho em um lugar inóspito e aparentemente deserto, logo sentirá fome e sede, e em pouco tempo descobrirá que precisa construir um lugar para morar e algo que lhe ajude a se defender das ameaças descobertas. Aos poucos, os desafios tendem a mudar de acordo com a proposta de cada jogo, mas geralmente é preciso gerenciar constantemente aspectos básicos para sua sobrevivência, como alimentação e moradia.
É uma fórmula que funciona (vide a popularidade e o sucesso do gênero), mas até mesmo veteranos podem se cansar da repetição que normalmente acompanha o processo — montar o mesmo item ou buscar o mesmo recurso no mesmo lugar só é divertido até certo ponto, afinal.
E aqui entra um ponto-chave do título da Iron Gate: Valheim está ciente de tudo isso. Não é que não precisaremos construir um item ou uma casa, ou mesmo “farmar” materiais para elaborar uma lança ou um escudo ou qualquer outro item de maior qualidade — precisaremos, sim. Mas diversas inconveniências comuns ao estilo não se fazem presentes aqui.
Para citar dois exemplos rápidos: consertar artefatos e ferramentas é simples, acessível e não consome recursos obtidos; e o dano entre jogadores (para caso você decida se aventurar nas opções multiplayer, que comportam atualmente até dez jogadores) pode ser desligado com um simples clique no menu correspondente a qualquer momento. Ambos são recursos pequenos, mas que acabam poupando enorme tempo e frustrações, já que há poucas coisas tão irritantes como ter que constantemente buscar materiais para reparar um item útil mas que se desgasta facilmente, ou morrer seguidamente para um visitante desconhecido que se fez de amigo mas acabou lhe apunhalando pelas costas na primeira oportunidade que teve.
Não é nem mesmo possível morrer de fome, posto que a comida dentro do jogo fornece buffs e melhorias temporárias ao invés de energia vital. Mas, ao contrário do que poderia parecer a um olhar desavisado, tais escolhas criativas não minam o desafio do jogo, e sim permitem acertadamente que o foco vá para outros elementos, como a exploração e a construção.
Aventurar-se é preciso
Antes de experimentar Valheim, uma notícia em particular sobre o jogo me chamou a atenção — a de que as maiores inspirações para o título não haviam sido outros jogos de sobrevivência, mas sim as icônicas franquias The Legend of Zelda e The Elder Scrolls, especialmente Skyrim.
Uma vez em jogo, isso fica bem claro, mesmo neste estágio inicial. Como poucos survival games, Valheim confere ao jogador um objetivo claro logo de início: eliminar os chefes espalhados pelo mundo. Ao todo são cinco inimigos lendários (há o plano de que sejam nove na versão final, excluindo minibosses), e derrotar cada um fornece benefícios específicos, que abrem novas perspectivas para a aventura.
Por exemplo, sem entrar no mérito de spoilers, um chefe em particular lhe dará a chance de usar menos estamina quando correr e pular, enquanto derrotar outro concederá uma chave para explorar criptas em um determinado bioma. É um sistema bem similar ao que é visto na saga de Link e Zelda, que recompensa grandes feitos do jogador concedendo novos itens e habilidades, além da tão valorosa sensação de progressão.
Os elementos de RPG do título também não demoram muito a aparecer. Em uma implementação muito natural, realizar quaisquer atos in-game (como cortar madeira, bloquear um ataque ou simplesmente correr) aumenta a proficiência do personagem naquela atividade em específico. Ao todo, são onze competências, mas cabe mencionar que há espaço para mais no menu correspondente, indicando que provavelmente receberemos mais categorias até seu lançamento.
Quando somamos as características citadas acima à liberdade de exploração e ação própria de um jogo de sobrevivência, temos algo muito interessante. Na prática, é como se Valheim fosse um híbrido de jogos de aventura, RPGs clássicos e títulos de sobrevivência. Explorar os diferentes biomas e as consequentes surpresas que neles habitam é algo que evocou em mim sentimentos similares aos de se aventurar em um título da Bethesda ou da Nintendo, o que vejo como algo extremamente positivo para um título ainda longe de estar completo.
Outro ponto de destaque é a quantidade de pequenos detalhes e segredos em cada elemento implementado. Javalis, por exemplo, são aparições relativamente comuns em planícies, e, ao contrário de seus amigos cervos, são facilmente caçados e uma fonte confiável de recursos como carne e couro. Porém, ao contrário do que seu comportamento agressivo poderia sugerir, eles podem ser domesticados, bastando que você tenha a habilidade e o carinho necessários para atrair os onívoros para uma estrutura apropriada.
Criar javalis (assim como outro animal em particular) é algo que pode trazer inúmeros benefícios, deixados para o jogador descobrir por si próprio conforme pensa, testa e realiza. É preciso mencionar que esse constante e coeso desvelamento de possibilidades, como a chance de criar navios e sair em exploração, é algo que sem dúvidas tem potencial para instigar e motivar até quem não é lá muito fã do gênero.
Lar, doce lar
Por falar em estrutura, uma das bases de Valheim é a possibilidade de edificar e gerenciar construções vikings. Uma vez em posse do arado e do martelo, é questão de poucos cliques ter um teto para morar e uma cama para chamar de sua.
Apesar dos poucos elementos disponíveis para uso atualmente, já é possível ver criações dignas de prêmio circulando pela internet, mostrando que os limites atuais residem apenas na criatividade dos vikings e em sua consequente disposição para execução. Dou aqui um destaque particular a duas criações que achei fantásticas e bem ilustrativas da liberdade de construção do título: uma recriação da Torre de Sauron, de O Senhor dos Anéis, e outra da Millennium Falcon, de Star Wars.
Em minha aventura particular, confesso que me contive com uma simples mas aconchegante casa de praia, que acabou me permitindo fácil acesso aos flints, um material importante para construção. Mas tão simples e divertido é todo o processo que já tenho planos de criar um segundo andar e uma ponte que facilite minha travessia sobre um determinado rio (aceito inclusive sugestões para o nome desse futuro marco arquitetônico).
Jogadores menos habilidosos também não precisam se preocupar. Em mais uma medida positiva, desmontar uma estrutura criada garante de volta todos os recursos utilizados, de modo que o criador possa experimentar à vontade, sem penalidades ou ter que trabalhar a mais por isso. Ah, se todo jogo fosse assim...
Beleza Lo-Fi
Agora, abordando a possível “polêmica”: ao jogar ou pesquisar sobre Valheim, é impossível não notar a direção de arte do título. Afinal, na contramão das tendências da indústria de games como um todo, temos aqui um título Lo-Fi (baixa fidelidade), com texturas e geometrias que não estão muito longe do que era apresentado nos jogos do Nintendo 64 ou do primeiro PlayStation.
É uma escolha que, a princípio, pode fazer alguns jogadores torcerem o nariz, e entendo isso. Mas a verdade é que, na prática, ela funciona surpreendentemente bem, terminando por conceder um charme retrô todo especial ao título. Após certo tempo de jogo, até ouso dizer que já não imagino Valheim de outro jeito.
Grande parte disso se deve à iluminação. Embora, como dito, as texturas e objetos em sua imensa maioria remetam ao início da era 3D, os efeitos de luz de Valheim claramente pertencem à geração atual, com refrações e raios que podem surpreender uma vez em ação. Sendo bem sincero, não foram raras as vezes em que parei o que estava fazendo somente para contemplar o que via em meu monitor — como é possível desabilitar o hud ao pressionar Ctrl + F3, dá até para brincar de fazer um wallpaper aqui e outro ali.
Igualmente impressionantes são as variações climáticas do título. Seja um dia ensolarado, chuvoso ou sob neve, tudo é bem definido e bem apresentado ao jogador. No meu primeiro dia de neblina intensa, confesso inclusive que fiquei com vontade de permanecer em minha casa de praia ao invés de sair para caçar e terminar aquele meu projeto da ponte.
Preciso mencionar, porém, que houve um aspecto de Valheim que colocou meus pés no chão e me fez lembrar que este ainda é um título em Acesso Antecipado: a otimização. Embora eu não tenha visto bugs ou crashes ao longo do período de testes, tive quedas na taxa de quadros com relativa frequência. Além disso, deixar o V-Sync desativado levou minha GTX 1080 TI a alcançar preocupantes 87ºC, algo que nem jogos teoricamente mais pesados, como Call of Duty: Warzone (Multi), conseguiram.
Não foi algo que chegou a minar a diversão — nem perto disso —, mas ainda assim cabe a menção para que outros jogadores estejam cientes do estado do título. Usar a API gráfica Vulkan ajudou um pouco, mas a realidade é que, apesar de estável, Valheim ainda precisa de um patch ou dois para extrair o melhor do hardware no qual estiver instalado. Sobre isso, a boa notícia é que recentemente os desenvolvedores anunciaram que irão focar primeiro nas devidas correções para em seguida adicionar mais conteúdo (como biomas e inimigos) ao jogo base — também torço para que o suporte ao nosso idioma não demore a chegar.
Jornada planejada
Como dizem por aí: sucesso não é questão de sorte, e sim de competência. Valheim (PC) é um dos jogos mais refrescantes e promissores que já experimentei justamente por sua excelente fundação. Não é fácil achar um título que acerte quase tudo o que tenta fazer, mas esse é o caso aqui. Ao mesclar elementos de RPG e aventura com sua proposta de sobrevivência e construção e eliminar incômodos recorrentes de seu gênero, a criação da Iron Gate se destaca, fazendo-se merecedora de todos os elogios até o momento.
Uma vez que se encontra em Acesso Antecipado, há um potencial praticamente infinito aqui, amparado pelo carinho dos desenvolvedores com cada pequeno aspecto do título. Com base nisso e no apoio de uma crescente comunidade de vikings, creio que o futuro não poderia ser mais brilhante para Valheim — de seu trono, Odin certamente está orgulhoso.
Revisão: José Carlos Alves
Texto de impressões produzido com cópia digital cedida pela Coffee Stain Publishing