É um sábado ensolarado de uma época na qual uma pandemia parece um pesadelo remoto ou um roteiro batido de filme apocalíptico. Hoje, depois de uma semana cansativa, você não tem nada para fazer e, finalmente, vai conseguir conferir a demo da continuação do seu jogo preferido. Mas por quê? O que faz com que jogar seja, muitas vezes, mais atrativo que uma ida ao parque?
Aliás, por que jogamos, afinal? Eu tenho algumas teorias e usarei da Filosofia de Arthur Schopenhauer para explicar uma delas.
Schopenhauer, filósofo alemão influenciado pelo pensamento kantiano (mas não restrito a ele, diga-se de passagem), ao realizar um estudo ontológico (do ser/da realidade), traz à baila os postulados do que seria posteriormente chamado de “Pessimismo na Filosofia”. Em sua principal obra, “O Mundo como Vontade e Representação”, o pensador concluiu que o ser humano tem o que ele chama de “Vontade” como um dos seus motes fundamentais.
A Vontade, essencialmente, pode ser entendida como um fenômeno insaciável típico da humanidade, anterior à própria razão e não se submetendo a esta. Mais do que isso, o autor aponta que a Vontade é fonte de sofrimento, justamente por ser incessante. Na referida tese, Schopenhauer aponta, ainda, que mesmo aqueles que conseguem saciar todas as vontades (o que seria pouco provável) tendem a viver em um estado de constante tédio. Ou seja, a humanidade estaria fadada a um “estado de sofrimento” eterno. De forma concisa, o autor resume tal conjectura em apenas uma frase:
Pode-se deduzir que a vida é dor, porque vontade é desejo daquilo que não se tem, é ausência, privação e sofrimento, sobretudo se considerado o fato de que satisfação duradoura e permanente objeto algum do querer pode fornecer.
A Arte como superação do Estado de Sofrimento
Ótimo. Estamos todos condenados ao desespero eterno, e agora? E qual a relação desse “simpático” pensador com os games? Na verdade, o filósofo nasceu no século XVIII, o que logicamente significa que ele nunca entrou em contato com o mundo dos games, mas ele entrou em contato com a Arte.
Para Schopenhauer, umas das maneiras de diminuir o sofrimento seria a Arte, que colaboraria para a superação, mesmo que momentânea, da dor da existência. Poucos sabem ou simplesmente pararam para refletir, mas os jogos eletrônicos são considerados um dos 11 tipos de Arte, junto com o teatro, a literatura, a dança, a música, o cinema, a pintura, a escultura, a fotografia, as histórias em quadrinhos (HQs) e a arte digital.
Assim sendo, é razoável afirmar que, por analogia, os games podem ajudar a lidarmos com todas as aflições cotidianas em um nível filosófico. Mas calma, antes de usar esse argumento com os seus pais ou namorado/namorada, vamos entender melhor o que significa.
Categoricamente, os jogos funcionam como ótimas válvulas de escape e ajudam a esquecermos nossos problemas, mesmo que por pouco tempo. É como ouvir sua música preferida em um dia difícil ou ver aquele lançamento que você esperou por anos no cinema (quando podíamos, pelo menos). Caramba, jogar é algo realmente incrível e até faz bem (a ciência, inclusive, confirma isso, como você pode ver nesta notícia que publiquei há cerca de um mês). Os games, mesmo que por vezes reproduzam aspectos da realidade, tornam a vida mais atrativa, fazem com que queiramos ir além. O próprio Schopenhauer diz isso, mesmo que de forma indireta:
A arte é uma redenção. Ela livra da vontade e, portanto, da dor. Torna as imagens da vida cheias de encanto. A sua missão é reproduzir-lhe todas as cambiantes, todos os aspectos.
É óbvio, porém, que limites devem surgir e sim, eu vou bancar o pai chato: mesmo que um jogo pareça mais interessante que a vida “aqui fora”, ele continua sendo isso, “apenas” um jogo, uma representação da representação. Então cuidado para não confundir as coisas e começar a viver jogando e perder outras coisas importantes.
Se o mundo é sofrimento ou não, eu não sei, mas eu sei que eu amo muito jogar e isso me faz bem, na medida certa. Também não sou tão pessimista quanto Schopenhauer, acho que a vida pode ser uma experiência bem interessante. Afinal, não dá para “curtir” nenhum tipo de Arte sem estar vivo, não é?
Mas e você, caro leitor, o que acha? Qual o papel dos jogos na sua vida? Será que Schopenhauer realmente estava certo ao falar sobre o papel da Arte? Quantas partidas de Fall Guys ele aguentaria antes de surtar?
Revisão: Davi Sousa