Se tem algo que eu odeio, é desistir. Justamente por isso, a certa altura daquela madrugada fui dormir meio irritado, mas não sem antes buscar mais informações sobre como tornar o embate contra o deus serpente um pouco menos complicado pro meu lado. Dito e feito: na tarde do dia seguinte, consegui eliminar o Yokai após uma série de novas tentativas, em uma luta que julgo digna de um anime. O que se seguiu, além do alívio profundo de toda a tensão acumulada de véspera, foi a sensação de dever cumprido e de estar realmente se tornando um guerreiro mais forte.
Hoje, dias após todo o ocorrido, posso afirmar que a obra mais recente da Team Ninja é repleta de momentos que podem proporcionar esses sentimentos aos jogadores. Embora não seja perfeito, aqui está um título que se mostra cada vez mais especial conforme exploramos seus sistemas, o que torna a sua chegada ao PC nesta edição completa ainda mais marcante. Por isso, caro leitor, lhe convido a preparar suas melhores armas e magias e adentrar o universo Yokai em nossa análise.
O mundo Yokai
Nioh 2 — The Complete Edition se passa em um mundo baseado no período Sengoku, uma das fases mais conturbadas e instáveis da história do Japão. Neste universo fictício, os Yokai são figuras proeminentes; portanto, caso você nunca tenha ouvido falar do termo, aqui vai uma breve explicação: Yokai são, basicamente, seres sobrenaturais do folclore japonês. Por sua abrangência de significados, o vocábulo não consta com uma tradução literal em português, abarcando desde “assombrações” a “monstros” e “deuses”. Presentes em diversos mangás, animes e games, os Yokai frequentemente são tidos como criaturas misteriosas e fascinantes pelos humanos.
O caminho do guerreiro
Sou daqueles que acreditam que o óbvio precisa ser dito, então vamos lá: como todo bom soulslike, Nioh 2 — The Complete Edition é um jogo difícil. Muito difícil. Talvez extremamente difícil, dependendo do seu grau de paciência e do seu nível de intimidade com o gênero iniciado pela célebre franquia Souls.
Se por um lado esse fato pode ser traduzido como “mais fracassos que o habitual” e a impossibilidade de praticar a arte do button mash, por outro ele demonstra a riqueza de nuances do sistema de combate do título, que frequentemente aflui para algo comparável a uma luta de artes marciais, onde saber a hora de atacar, defender e esperar é imprescindível para o sucesso.
Arte das mãos ocupadas
Tão importante quanto essa sabedoria é o domínio das ferramentas à disposição. Logo ao iniciar o título e passar pelo elogiável sistema de criação de personagens, o jogador entrará em um breve tutorial, no qual aprenderá o básico dos sistemas do jogo e poderá escolher a sua arma dentre as nove destinadas ao combate corpo a corpo: Espada, Espadas Duplas, Machado, Kusarigama, Odachi, Tonfas, Machadinhas, Switchglaive e Lança. Achou muito? Ainda há três armas extras que serão obtidas posteriormente, voltadas para alvos a longa distância: Arco, Rifle e Canhão de Mão.
Com um total de 12 (!) opções de armas e três posturas possíveis (alta, média e baixa), há uma imensidão de variações possíveis de jogabilidade. Jogadores que gostam de armas leves e de estar próximos a seus inimigos provavelmente se sentirão em casa com as espadas duplas ou com as tonfas; já aqueles que prezam pelo alto dano em poucos golpes possivelmente escolherão o machado ou a lança.
Há opções para todos os estilos, na verdade, e algo que definitivamente merece elogios é o fato de que não há uma arma inviável ou pior que as outras — todas são perfeitamente utilizáveis ao longo do jogo. Outra menção positiva é a do incentivo à experimentação por parte da Team Ninja; frequentemente você receberá novas variantes como recompensas por derrotar inimigos, e como o protagonista pode portar simultaneamente duas armas principais e mais duas de longa distância (e alternar entre elas com uma simples combinação de botões), não há desculpa para não testar ao menos uma combinação nova de vez em quando.
Em minha jornada particular, por exemplo, acabei desenvolvendo um grande apreço pelo machado, por sua grande capacidade de dano e moderado prejuízo à velocidade, mas fiz questão de experimentar diversas armas extras para cada situação e de estocar sempre uma boa quantidade de munição para meu arco e meu rifle, que foram de grande ajuda para minar confrontos com múltiplos adversários.
A fera interior
Como Nioh 2 é também um RPG de ação, é preciso que o jogador se mantenha atento a diversos atributos, sendo uns mais importantes do que outros. Um aspecto essencial para a sobrevivência é o Ki, que na prática funciona como uma barra de stamina ou de energia, ficando logo abaixo do medidor de vida na tela. Praticamente toda ação crucial, como atacar, defender e se esquivar, consome Ki, que se regenera com o tempo de acordo com seus stats.
Se por algum motivo Hide esgotar seu Ki, ficará imóvel e poderá sofrer um agarrão, que muitas vezes é mortal. Como essa máxima também é válida para inimigos (tanto Yokai quanto humanos), na grande maioria dos confrontos vence quem gerencia melhor sua energia. Isso significa saber o momento certo de se movimentar (nada de se esquivar como um louco ou somente ficar defendendo) e, principalmente, dominar três mecânicas-chave do título: o Ki Pulse, o Burst Counter e a forma Yokai.
Posto que, como dito, a maior parte das ações básicas do jogo faz uso do elemento, este é um recurso indispensável para o sucesso. Em certas ocasiões, Hide também precisará adentrar instâncias do Reino Sombrio — locais belos, misteriosos e sinistros, nos quais Yokai ficam mais fortes e humanos perdem Ki de forma mais rápida —, o que significa que você será uma presa extremamente fácil caso não tenha cuidado ao manejar sua energia.
Por último, por ser um mestiço, Hide consegue entrar em sua forma Yokai quando sua barra de Amrita (substância que é adquirida em baús, caixas e ao derrotar inimigos) estiver cheia. Nesse modo temporário, que pode ser comparado a um superpoder, tanto a vida quanto o Ki do jogador são substituídos pela barra Yokai, que se degenera com o tempo ou ao sofrer dano. Além de ser muito legal, se transformar no momento certo pode mudar o rumo de uma batalha, se configurando em mais um recurso valioso para os jogadores enfrentarem os desafios propostos pelo título.
Misterioso e convidativo
Em termos de gameplay, Nioh 2 geralmente segue a cartilha do gênero soulslike, com estágios recheados de inimigos e um chefe principal como objetivo final de uma missão. Graças às funções multiplayer, é possível convidar até outros dois jogadores para sua partida, ou se candidatar a ajudar outros guerreiros. Mas, tanto sozinho como acompanhado, devo dizer que fiquei impressionado e positivamente surpreso com o level design das missões — frequentemente é possível descobrir atalhos, rotas alternativas cheias de Yokai e áreas secretas, o que é sempre um bônus para aqueles jogadores que gostam de explorar cada canto de uma determinada localidade.
Confesso inclusive que, com certa frequência, demorei mais que o necessário em uma área somente pelo prazer de abrir todos os portões, derrotar todos os inimigos e encontrar todos os Kodama, pequenos Yokai perdidos que rendem bênçãos se encaminhados para os Santuários — estruturas para oração que funcionam como checkpoints e restauradoras de vida durante uma missão. Isso é algo que eu definitivamente não me permito fazer em todos os jogos. Até mesmo as sidequests, que normalmente se passam em versões “remixadas” dos cenários das missões, aqui são interessantes e divertidas, um atestado do bom trabalho dos desenvolvedores.
Falando em aprendizado e desafios, preciso no entanto fazer aquela que é a minha única crítica de fato ao jogo: com diversos sistemas in-game que, sendo bem sincero, justificariam todo um texto somente para sua explicação, às vezes é de se questionar se Nioh 2 não possui mais coisas do que o necessário, resultando em um título “inchado” demais para seu próprio bem.
É claro que há um certo público que amará toda essa complexidade (eu mesmo me incluo nele), mas como nem tudo é tão claro uma vez dentro do jogo, não consigo não me questionar se por vezes deveria haver uma maneira mais suave de aprender todos os segredos de Nioh 2. Temo que uma parcela considerável dos jogadores não chegará a descobrir metade dos recursos deste grande título, e não será necessariamente pela dificuldade dos inimigos.
A trilha sonora também é digna de aplausos, alternando entre faixas enérgicas e misteriosas com a mesma facilidade que um jogador experiente alterna suas armas equipadas dentro do jogo. Sem alongar muito, é do tipo que merece o download para escutar posteriormente no ônibus, no carro ou em casa. Meu destaque particular é para a faixa do chefe Enenra, um dos primeiros desafios reais do jogo.
Realeza sombria
Sendo bem sincero, Nioh 2 — The Complete Edition é a versão definitiva de um dos melhores jogos da geração. Complexo, difícil e recompensador, aqui está um título que possui conteúdo e potencial para entreter os jogadores por dias, semanas e até meses a fio. Sua chegada ao PC é extremamente bem-vinda, pois, acima de tudo, significa que mais pessoas poderão desfrutar desta obra-prima.
Talvez em alguns momentos esta aventura da Team Ninja se torne complexa demais pro seu próprio bem, mas é inegável a qualidade de todos os elementos aqui presentes. Não é sempre que vemos uma franquia respeitar suas inspirações e entregar um produto que supere as expectativas. Portanto, caso você tenha o mínimo de interesse na proposta e esteja ciente da dificuldade envolvida, vale a pena se aventurar por este fascinante universo. Recomendadíssimo.
Prós
- Sistema de combate complexo, mas divertido e prazeroso;
- Diversas opções de armas, movimentos e abordagens;
- Sistema de criação de personagens confere pessoalidade ao título;
- Desafio elevado, porém justo com o jogador;
- O design dos cenários e dos Yokai impressiona;
- Bastante conteúdo, incluindo um desafiador New Game Plus;
- DLCs anteriores estão inclusos no pacote;
- Port sem problemas de otimização;
- Suporte a modo multiplayer;
- Suporte ao português brasileiro.
Contras
- A história pode parecer lenta e banal no início;
- A dificuldade e a complexidade dos sistemas in-game podem afastar jogadores.
Nioh 2 — The Complete Edition — Nota: 9.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Koei Tecmo
Análise produzida com cópia digital cedida pela Koei Tecmo