São Paulo, 1991. Depois da aula resolvi passar no fliperama, para quem sabe jogar uma partida de Final Fight ou Pit Fighter. Mas quando entrei, notei uma multidão em torno de uma máquina. Tipo, uma multidão mesmo; parecia que o bairro todo estava lá. Eu já havia visto um arcade chamar a atenção, como o jogo das Tartarugas Ninja, mas nunca daquele jeito. Fui me acotovelando no meio do pessoal pra ver do que se tratava. E meu queixo caiu no chão quando vi pela primeira vez Street Fighter II: The World Warrior. Eu ainda não sabia, mas estava testemunhando uma revolução.
O glitch que virou padrão da indústria
Pelo nome, você certamente deve ter sacado que Street Fighter II não é o primeiro jogo da série. Então por que ninguém fala do primeiro Street Fighter? Bom, com todo o respeito à sua importância histórica, mas... a verdade é que ele é um jogo bem ruim. Tinha uma máquina de Street Fighter no fliperama, que estava sempre vazia. O jogo parecia legal, tinha vozes digitalizadas e o protagonista era um ruivo estiloso chamado Ryu. Mas a jogabilidade, hummm... os movimentos dos personagens eram super travados e os golpes especiais só saíam na base da sorte. A gente ficava esfregando o direcional e apertando os botões freneticamente na esperança de sair alguma coisa. O jogo não era divertido, então logo deixávamos a máquina de lado pra ir jogar Shinobi ou Double Dragon.Nesse primeiro dia que vi Street Fighter II, reconheci o protagonista Ryu (que não estava mais ruivo) mas os gráficos, a música… a evolução era inacreditável, especialmente na jogabilidade. Para melhorar o jogo neste aspecto, os programadores fizeram com que o software tivesse uma tolerância bem maior na entrada dos comandos, fazendo os especiais serem acionados mais facilmente, mesmo que o jogador errasse um pouquinho o tempo do comando. E, ao aumentar a tolerância dos controles, não só tornaram os especiais acessíveis e possíveis de usar na estratégia de luta, como acidentalmente criaram os combos.
Akira Nishitani, o game designer chefe de Street Fighter II, revelou que eles fizeram com que se um botão fosse pressionado muito rapidamente, o comando especial não seria executado. Isso acidentalmente fez com que fosse possível interligar uma sequência de golpes, os combos, que se tornaram um padrão em todos os jogos de luta posteriores.
Jogar Street Fighter II no arcade foi uma experiência memorável. Os gráficos eram incríveis, absurdamente melhorados desde o jogo anterior, graças às capacidades gráficas da nova placa Capcom Play System (hoje conhecida como CPS-1). E agora era possível escolher um entre oito personagens para jogar! Até então os jogos de luta/briga de rua eram algo como Pit Fighter ou Final Fight, trazendo no máximo uns três personagens para escolher. O próprio Street Fighter original só oferecia o Ryu como personagem jogável, ou o Ken se você pegasse o segundo controle. Agora eram diversos lutadores, de países diferentes, com estilos de luta e personalidade muito diferentes entre si. Cada um tinha um cenário, uma história, um final e um tema musical lindo e único.
World Music
E as músicas, ah, as músicas… nenhuma lista de “melhores músicas dos games” estará completa se não citar a trilha sonora inesquecível composta em sua maioria por Yoko Shimomura, uma das pioneiras da indústria. Naquela época não era comum que as desenvolvedoras contratassem músicos profissionais em suas equipes. Sorte que a Capcom o fez.A parte legal da trilha sonora de SF2 é que cada personagem está atrelado a um país e a trilha sonora deste cenário tem elementos que se identificam com a cultura que representam. A trilha de Dhalsim lembra música indiana, a trilha do Blanka tem uma percussão marcante, a trilha da Chun-Li remete à cultura chinesa tradicional. Pra mim, este jogo tem a melhor e mais memorável trilha sonora de todos os jogos de luta já feitos.
Uma bomba na guerra dos consoles
Street Fighter II era uma febre; absolutamente todas as revistas de videogame da época só falavam sobre ele. Nas duas décadas seguintes, se você entrasse em um arcade, a maioria das máquinas seria de jogos de luta. Era mais do que natural que o sucesso dos arcades acabaria sendo portado para os consoles, especialmente porque havia uma guerra sendo travada. Em 1991 estávamos no meio de uma disputa acirrada entre os dois principais consoles domésticos, o Mega Drive e o Super Nintendo. Essa disputa ficou conhecida como “A Guerra dos Consoles” e ela em si já é um assunto muito interessante para apreciadores da história dos videogames. Naquela época, a disputa estava bastante emparelhada: o Super Nintendo com seus first party de peso como F-Zero e Super Mario World, enquanto o Mega Drive contava com os sucessos como Golden Axe, Castle of Illusion e o lançamento de Sonic, o rival definitivo de Mario.
Porém, em junho de 1992, a Nintendo conseguiu trazer Street Fighter II como exclusivo temporário para sua plataforma, desequilibrando totalmente a disputa. Eu, que sempre fui um apaixonado pelo Mega Drive, me peguei pela primeira vez querendo ter um Super Nintendo em casa. Não só eu, mas praticamente todo mundo que gostava de videogame.
Mas para um garoto daquela época era impensável ter os dois consoles. Já era uma briga convencer nossos pais a comprarem um videogame, imagine comprarem mais um. Então, como não era possível ter um SNES para jogar Street Fighter II à vontade, fazíamos grupinhos de amigos e íamos às locadoras para alugá-lo.
Porém, em junho de 1992, a Nintendo conseguiu trazer Street Fighter II como exclusivo temporário para sua plataforma, desequilibrando totalmente a disputa. Eu, que sempre fui um apaixonado pelo Mega Drive, me peguei pela primeira vez querendo ter um Super Nintendo em casa. Não só eu, mas praticamente todo mundo que gostava de videogame.
Mas para um garoto daquela época era impensável ter os dois consoles. Já era uma briga convencer nossos pais a comprarem um videogame, imagine comprarem mais um. Então, como não era possível ter um SNES para jogar Street Fighter II à vontade, fazíamos grupinhos de amigos e íamos às locadoras para alugá-lo.
Como que faz “hadúgue”?
Nos anos 1990, o acesso a consoles múltiplos era tão difícil que alugávamos o seu uso nas locadoras. Juntávamos os amigos, cada um contribuindo com um dinheirinho, e alugávamos um SNES com SF2 para jogarmos o tanto quanto podíamos. Quem perdia passava o controle para o próximo amiguinho. E o incrível é que não era gostoso só de jogar, mas também de assistir as partidas e comentá-las. Jogar Street Fighter era mais que se divertir jogando, havia todo um clima, uma experiência pessoal, que nos ensinava a dividir, competir e compartilhar experiências na era pré-internet. “Como solta ‘hadúgue?’ (Hadouken do Ryu), como faz o ‘Alex Full’ (Sonic Boom do Guile)?”. Todo mundo falava o nome dos especiais errados, já que o nosso inglês era precário e a qualidade do som daquela época não era lá essas coisas.A Capcom demorou um tempão, mas finalmente, em setembro de 1993, lançou a versão Street Fighter II: Special Champion Edition para o Mega Drive que, mesmo sendo lançada tardiamente, foi extremamente relevante para quem tinha o console. Tanto que a Sega teve que desenvolver um controle especial específico para que pudéssemos jogá-lo. Era terrível jogar com o controle padrão de três botões; tínhamos que apertar o start no meio da luta pra alternar a função deles entre socos ou chutes. Totalmente impraticável.
Juntei um dinheiro e comprei um controle de seis botões para o Mega Drive, considerado por muita gente como um dos melhores controles de todos os tempos para jogos de luta. Foi um dinheiro muito bem gasto; que controle macio e preciso! Isso mesmo: Street Fighter II é tão influente que fez uma das maiores fabricantes da época modificar seu controle padrão.
Street Fighter II foi um sucesso tão estrondoso que foi portado até para plataformas mais simples como o Master System, um feito tecnológico da Tec Toy em 1997 que surpreendeu a Sega, empresa que desenvolveu o console e havia afirmado que este port seria impossível.
E o jogo segue vendendo bem até hoje, seja em coletâneas, seja no cartucho de SNES que foi relançado no final de 2017 numa edição comemorativa ou mesmo trazendo novidades como a versão Final Challengers (Switch) que incluiu um modo de jogo em primeira pessoa, em que você invade uma base da Shadaloo e faz os especiais de Ryu gesticulando com os Joy-Con. Essa adição é algo inédito e muito legal, afinal, quem nunca tentou soltar as magias do Ryu? Com esse jogo aprendi que “soltar hadouken na vida real” é bem mais difícil do que parece, especialmente com sua filha pequena tentando se pendurar no seu braço. Será que o Ryu já passou por isso?
Street Fighter II é um jogo essencial que todo fã de videogames deveria conhecer. Gráficos lindos, música maravilhosa, personagens memoráveis e jogabilidade que influencia até hoje a indústria dos games. Mais que um jogo, é um fenômeno cultural, e relembrar dos momentos queridos com este título me faz voltar àquela multidão reunida em torno de uma máquina, assombrada com aquela maravilha revolucionária.
Revisão: José Carlos Alves