No More Heroes: Heroes’ Paradise (PS3) é a versão HD esquecida do clássico do Wii

Port trouxe melhorias, mas tropeçou em certos defeitos naturais do processo de adaptação entre um console e outro.

em 17/11/2020



Após uma série de especulações, o primeiro No More Heroes (Wii) finalmente foi relançado em um port para o Nintendo Switch. Apesar de ter ficado quase dez anos sem dar as caras, essa nova versão não foi a primeira edição HD que o jogo recebe. Logo depois do sucesso do primeiro game no Ocidente e um pouco antes do lançamento da sequência, Desperate Struggle (Wii), o PlayStation 3 (e o Xbox 360, sob determinado ponto de vista) recebeu a remasterização No More Heroes: Heroes’ Paradise.

A essência permanece...

No More Heroes é um dos títulos do Suda 51 que pode ser qualificado como convencional, no sentido de representar bem menos os enredos malucos e característicos do diretor do que outras pérolas mais elaboradas, como é o caso de Killer7 (GC/PS2). Nele, Travis Touchdown conhece Sylvia Christel, que se apresenta como uma executiva da United Assassins Association e, no intuito de acertar certas contas do passado, o convida para entrar em uma escalada até o topo contra dez assassinos classificados em um ranking. Como ele fará isso? Com uma espécie de sabre de luz — aqui chamada de Beam Katana — comprada em um leilão virtual.




O jogo, então, se estrutura em uma experiência cíclica em que Travis precisa arrecadar fundos para pagar o boleto para que a associação organize o combate contra o próximo inimigo, quando o seu respectivo estágio será devidamente desbloqueado. Nesse aspecto, os chefes de NMH são, com certeza, um dos seus principais atrativos, uma vez que toda a progressão do protagonista pelo top 10 se sustenta no carisma deles e nas fases em que se situam. Shinobu, por exemplo, é uma samurai estudante do ensino médio cujo estágio se dá justamente em uma escola. Destroyman, por sua vez, é uma espécie de super-herói de índole duvidosa na mesma veia que a apresentada na história em quadrinhos (e série) The Boys, sendo sua respectiva fase um estúdio de filmagem. 

A cada oponente derrotado, Travis começa a se questionar sobre temas relacionados a vida, morte, honra e respeito — embora não se aprofunde tanto assim porque, bem, ele é um otaku, bastando o simples vislumbre da silhueta sensual de Sylvia para lembrá-lo do caminho que está trilhando até o topo. Vale ressaltar que o elenco de apoio — como o yakuza mentor de Travis, Thunder Ryu, e a Doutora Naomi, responsável por oferecer upgrades na Beam Katana de Travis — é igualmente marcante à sua maneira.




Além das lutas contra os assassinos, existem algumas atividades paralelas a serem cumpridas que estão espalhadas pelo mundo aberto, como mini-games diferenciados que se apresentam como trabalhos de meio-período (como coletar lixo na rua ou ser frentista em um posto de gasolina), missões de assassinato com formatos específicos ou missões livres em que o único objetivo é eliminar, sem perder um ponto de vida sequer, todos os oponentes de um local. Também é possível melhorar os atributos na academia ou aprender novas técnicas de combate ao coletar as várias esferas do bêbado Lovikov que estão espalhadas por Santa Destroy. Isso sem falar das quase 100 camisetas personalizadas que podem ser encontradas nas lixeiras da cidade.

...mas a forma muda.

Considerando que No More Heroes, como foi concebido originalmente no Wii, tinha em vista os controles de movimento proporcionados pelo console — o projeto original, inicialmente nomeado apenas como Heroes, foi inclusive reformulado para se adequar a essa novidade —, sua conversão para os consoles mais potentes da geração precisou sofrer adaptações nesse aspecto.




Assim, os controles originais foram revistos para se adequarem aos do PlayStation 3, sendo os ataques em posturas high e low (antes definidos pela posição em que o Wii Remote era segurado) adaptados para botões isolados, por exemplo. Na prática, contudo, esse remapeamento se mostrou pouco intuitivo, especialmente para os jogadores já acostumados com a versão do Wii. A lógica normal seria entender a função de cada botão e tentar transferi-la para um esquema de controle tradicional. 

Para fim de ilustração: se o ataque básico com a Katana no console da Nintendo correspondia ao A, o normal seria fazer o mesmo e transferir para o principal botão dos novos controles, que normalmente seria o X, em vez do triângulo, como foi o caso. Os golpes físicos no Wii se situavam no B. Uma vez que tal botão era uma espécie de gatilho, os socos e os chutes poderiam estar nos R1 e R2, que assumem a mesma função. Isso sem falar na trava de mira, pois, enquanto no original estava no Z do Nunchuk, aqui o recurso foi transferido ao apertar do analógico esquerdo — o que tornou bastante comum que ele seja desativado pontualmente em momentos intensos de movimentação.




Apesar de estar em consoles mais robustos, nota-se que essa versão do jogo chegou a receber o corte de alguns conteúdos. Um deles está na possibilidade de assistir a dois vídeos bem específicos na televisão do quarto de motel onde Travis vive: o primeiro é um clipe da música Heavenly Star, do conjunto Genki Rockets, enquanto o segundo é o trailer original do game — que também serve como uma espécie de prequel — em que o protagonista enfrenta o assassino número 11 do ranking, Helter Skelter. Além disso, a seção norte de Santa Destroy foi interditada, o que não é um revés muito grande porque um dos empecilhos do original era o fato de se tratar de um mundo aberto muito grande sem qualquer atrativo que justifique sua existência.

Em contrapartida, alguns bônus marcaram essa versão. O principal deles é o Very Sweet Mode, em que as personagens femininas foram representadas com vestimentas apelativas — naquela época isso não era visto como um problema tão sério, mesmo que ainda imoral, independentemente do contexto. Dentro do jogo em si, novos empregos de meio-período e missões de assassinatos foram adicionados e, para complementar, foi implementada a possibilidade de se transportar automaticamente para a localização específica de tais atividades, diminuindo o tempo desnecessariamente perdido ao percorrer o mundo aberto, como uma espécie de viagem rápida. 




Outra questão que chama bastante atenção é que, tendo plena consciência da presença, importância e apelo que os assassinos do ranking tiveram ao longo do desenrolar da campanha, a equipe responsável por esse port inseriu um seletor de chefes em que eles podem ser enfrentados novamente a qualquer momento após derrotados. Mais do que isso, também decidiram apostar em um pouco de fanservice ao inserir, sem qualquer contextualização ou justificativa, cinco assassinos presentes apenas na sequência. 

O critério gráfico pode ser considerado controverso. Apesar de contar com modelos refeitos, detalhados e elaborados, nota-se que o sombreamento característico em cel-shaded do título original foi bastante amenizado, além de trazer uma espécie de filtro que deixou uma aparência plastificada nos modelos dos personagens, fugindo do estilo dos demais trabalhos similares do próprio Goichi Suda, seja dos que vieram antes, como Killer7 e Flower, Sun and Rain (DS), seja depois, como Killer Is Dead (Multi). 




Por fim, mais uma novidade interessante é a inserção de uma dublagem japonesa nas versões asiáticas, inexistente no Wii. Essa decisão muito provavelmente se deu como uma tentativa de emplacar o game no Oriente, uma vez que o original acabou não vendendo muito bem na região. 

O Paraíso dos Heróis na Zona Vermelha


Embora compartilhem o mesmo subtítulo, nota-se que as versões americana e japonesa do game não são exatamente as mesmas. Originalmente, No More Heroes: Heroes’ Paradise foi um port não só para o PlayStation 3, mas também para o Xbox 360, produzido por um estúdio chamado feelplus, chegando no Japão em abril de 2011 pela distribuição da Marvelous, a detentora original da marca. 

Apesar de, atualmente, a empresa ter se consolidado no Ocidente por meio da XSEED, a realidade na época era outra e a jovem subsidiária ainda não tinha presença suficiente para trazer o título para estas bandas. Com isso, a Konami apareceu e foi a responsável por publicar o game nos mercados americano e europeu. 

A questão é que a versão trazida pela Konami não é exatamente a mesma distribuída em duas plataformas diferentes um ano antes, no Japão, com o mesmo nome. A versão que chegou deste lado do globo, na verdade, é chamada no Japão de No More Heroes: Red Zone, cujo diferencial era a possibilidade de controlar o jogo com o PlayStation Move, tornando a experiência bem mais próxima à original do Wii, além de, obviamente, excluir o port do Xbox 360 da equação. Assim, o que a Konami fez, no caso, foi reproduzir completamente essa nova edição na roupagem do Heroes’ Paradise. 


“A saída que chamam de Paraíso”

No More Heroes: Heroes Paradise é, certamente, uma versão bastante curiosa. Apesar de trazer uma série de adicionais bem interessantes e que tinham potencial para torná-la a versão definitiva, o tropeço no mapeamento dos novos controles acabou por minar o potencial da experiência. Para cada melhoria trazida, um revés diferente correspondente passou a existir. Embora não essencial, a edição não deixa de ser uma releitura válida tanto para quem já jogou o original (para aproveitar os bônus) quanto para os novatos que se interessam pela estrutura básica do jogo — principalmente por ter sido, por muito tempo, uma versão de acesso mais fácil do que a do Wii. 

Revisão: Ives Boitano

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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