Sendo Assassin’s Creed Unity (Multi) o primeiro título da franquia desenvolvido exclusivamente para aquela que, na época, era a nova geração (jogadores ainda presos à anterior ficaram com Assassin’s Creed Rogue como prêmio de consolação), seu lançamento ficou marcado por um produto de cunho medíocre, que representou um ponto de virada na percepção do público para com a série da Ubisoft, que já não vinha muito bem depois de um período de instabilidade e controvérsia após Revelations, Assassin’s Creed 3 e Black Flag.
Assassin’s Creed Unity é protagonizado por Arno Dorian. Quando criança, ele presenciou seu pai sendo assassinado. Sozinho, ele cresceu muito próximo da nobreza francesa e era muito bem-vindo na casa dos De La Serre, uma vez que era amigo de Élise, filha de François, o patriarca. A reviravolta que realmente dá início à história acontece quando François é morto durante a festa de iniciação da sua filha à Ordem Templária e Arno descobre que é um dos descendentes aptos a ingressar na Ordem dos Assassinos.
Dessa forma, a história vai se desenrolando, mas sem muita pressa, na saga de Arno em busca de mais respostas a respeito do seu passado e do milenar embate entre ambas as organizações, tudo isso tendo como plano de fundo o rico cenário das idas e vindas da Revolução Francesa. Ressalta-se também que a alternância entre o passado e o futuro, algo característico da franquia, também se faz presente em certas sequências, quando o jogador pode se aproveitar dos bugs da Animus. Ah, a ironia...
Vive la contre-révolution?
Apesar de todo o contexto do jogo se dar na ideia de revolução, nota-se que nada desse pressuposto foi implementado de forma prática, na jogabilidade. Embora tenha trazido algumas ideias novas de multiplayer online, em que certas missões podem ser cumpridas ao lado de outros jogadores, Unity chama a atenção de que muitos aspectos do online foram porcamente implementados. Essa ideia se alia à exigência da conexão ao uPlay em alguns pontos do jogo e a inserção das microtransações como uma maneira de desbloquear certos aspectos da jogabilidade, como a evolução dos equipamentos, de forma mais rápida.
Dentre outros passos para trás a serem considerados está também na forma como Arno é uma tentativa de reinvenção do Ezio, protagonista de sua própria trilogia, provavelmente como uma maneira de jogar seguro com o capital emocional do público, que não comprou a falta de carisma de Connor (de Assassin’s Creed III) e Edward (Black Flag).
O gameplay também saiu bastante prejudicado no sentido de tornar o título artificialmente mais difícil. Uma das ausências mais notórias é a incapacidade que Arno tem de assoviar e, consequentemente, de chamar inimigos para perto de si. O fato de que ele domina habilidades diferentes de seus antecessores, por se tratar de outro protagonista, é compreensível, mas não necessariamente concordável. Na prática, as sequências de stealth se tornaram não só tediosas, mas frustrantes, visto que fica mais difícil chamar a atenção dos guardas, enquanto estamos escondidos, para então neutralizá-los. Some isso à IA bem menos desconfiada, se comparada aos jogos anteriores, e a situação só piora no sentido de que os alvos simplesmente se recusam a sair de seus postos, travando todo o fluxo do jogo.
Tal aspecto dificulta o game de forma superficial, visto que a remoção de mecânicas nunca é a melhor forma de fazê-lo. O correto seria manter pelo menos algum equivalente a esse assobio e conceber desafios mais complicados e complexos em que tal recurso não seja suficiente. Até existem as cherry bombs, concebidas especialmente para tal tarefa, mas a IA, como constatado, não está nem aí para elas. O desafio é para ser estimulante e, quando cumprido, recompensador; não para ser frustrante, em que sua resolução resulta simplesmente no mais puro ódio pelo tempo gasto nele.
O combate também sofreu alguns downgrades, no sentido de que o enfrentamento contra legiões de inimigos foi desencorajado em prol de uma bela saída à francesa. As pelejas parecem imprecisas e pouco fluidas. Por mais que seja capaz de usar várias armas diferentes, como espadas, martelos, lanças, mosquetes e pistolas, destaca-se o fato de que Arno é péssimo no manejo de todas elas, tornando-o péssimo de briga. Esse tipo de coisa só pesa contra o personagem, visto que ele não é apenas chato, mas também claramente mais fraco que seus antecessores e um verdadeiro fujão — basicamente porque há situações constantes que obrigam o jogador a tal.
Aí é a questão: não adianta nada se aproveitar de uma transição entre consoles mais potentes e capazes de trazer mais elementos em tela para não explorar esse potencial. Se bem que isso pode ter sido justamente uma resposta à dificuldade dos programadores em criar um ambiente recheado e interativo que funcionasse...
Nem o parkour ficou divertido
Uma das graças de Assassin’s Creed sempre foi a forma como era fácil percorrer a cidade de um extremo ao outro apenas segurando alguns botões. Isso se devia pela construção do ambiente aberto e dos recursos possíveis para fazê-lo, como correr sobre os telhados, usar ganchos para alcançar pontos mais altos, elevadores para chegar imediatamente ao topo das construções ou tirolesas para atravessar largas distâncias entre dois prédios.
Por mais que esses elementos sejam reflexos da cultura arquitetônica de lugares como Roma, Damasco ou Constantinopla, a recriação de Paris durante a Revolução poderia ter passado por algum processo de liberdade criativa no intuito de trazer novos recursos equivalentes e, mais importante, que funcionem e que cujo uso compense. No caso, a principal novidade é a possibilidade de entrar nas edificações por janelas e portas para cortar caminho por dentro delas.
O problema é que a precisão do parkour deixa a desejar e invadir uma janela torna-se extremamente incômodo, mesmo com um botão especificamente designado para tal tarefa. Além disso, os blocos de prédios foram mal planejados, no sentido de que as construções parecem muito distantes umas das outras, dificultando os saltos entre seus telhados, tornando sequências de perseguições, por exemplo, muito mais complicadas.
Há a possibilidade de tentar justificar tais decisões criativas como uma tentativa de trazer realismo à franquia, mas convenhamos que isso não faz sentido nenhum a essa altura do campeonato, principalmente por conta da presença dos saltos de centenas de metros altura cujos danos são suprimidos por pequenas pilhas de feno.
Liberdade, Igualdade, Fraternidade e Mediocridade
O problema central de Assassin’s Creed Unity é que ele é medíocre. Nada nele é inspirado e ainda foi incapaz de trazer novidades interessantes à série. Mais do que isso, Unity fez a franquia dar um passo para trás, visto que ele não fez jus à sua exclusividade, à época, no Xbox One e no PlayStation 4. Não à toa, Assassin’s Creed: Origins trouxe uma direção completamente nova à série — isso considerando que Syndicate já estava em desenvolvimento durante toda a repercussão negativa e seria muito difícil mudar seus rumos naquela altura do campeonato.
Ainda assim, não leve Unity a mal. Afinal, mesmo com todos os defeitos apontados, ele até poderia ser considerado digno de um Blast From the Past, coluna dedicada à revisitação de jogos clássicos cuja abordagem independe de sua qualidade. Digo, apesar de ser complicado de se lidar, mesmo tendo feito muita força para chegar a esse ponto, o título não é essencialmente injogável... Ou é? Ao menos, ele serviu para fazer com que a Ubisoft saísse de sua zona de conforto.
Revisão: José Carlos Alves