Análise: Crown Trick (PC/Switch) — explorando pesadelos em um ótimo dungeon crawler

Aventure-se em um roguelike com mecânicas elaboradas, desafio acentuado e ambientação charmosa.

em 20/10/2020


Em Crown Trick, uma garota e uma coroa mágica precisam desbravar labirintos infestados de monstros e desafios em uma aventura inspirada na clássica série Mystery Dungeon. O andamento é por turnos, mas suas elaboradas mecânicas de combate e boa diversidade de habilidades oferecem muitas opções na hora de enfrentar inimigos. Essas características, em conjunto com o visual interessante e elementos de roguelike, resultam em uma aventura envolvente, por mais que às vezes um pouco desbalanceada.

Presa em um pesadelo perigoso

Uma garota chamada Elle acorda no Reino do Pesadelo, lar de monstros e outros perigos. Por sorte, a garota indefesa é saudada por uma coroa com um olho que oferece ajuda na forma de poder mágico. A curiosa criatura afirma que o pesadelo é obra de um humano chamado Vlad, que deseja usar seus poderes para dominar o mundo. Logo, a menina decide se aliar à Coroa na exploração das masmorras dos sonhos a fim de impedir os planos do vilão. No decorrer da jornada, descobrimos que não foi por acaso que Elle foi parar ali, assim como o real estado do mundo.

Para encontrar Vlad, a dupla explora inúmeros calabouços do Reino do Pesadelo um dungeon crawler. As mecânicas de jogo se inspiram fortemente na série Mystery Dungeon, ou seja, os cenários apresentam uma grade de espaços e o andamento é por turnos: inimigos só agem após Elle fazer algo, sempre uma ação por vez. Em cada fase o objetivo é encontrar as escadas para o próximo andar, e pelo caminho há monstros, tesouros, eventos, chefes e mais.

Com a ajuda da Coroa, Elle tem à disposição muitas opções para enfrentar os desafios. A garota ataca principalmente com armas, que contam com diferentes características: lanças são capazes de acertar dois inimigos adjacentes; machados golpeiam todos os espaços em volta da personagem; rifles e pistolas têm longo alcance, mas é necessário gastar um turno para recarregar sua munição; facas golpeiam duas vezes um único espaço próximo e assim por diante. Além da arma, a garota também se fortalece com relíquias com habilidades passivas.


Após derrotar subchefes, Elle é capaz de usar seus poderes ao custo de pontos de magia. Cada Familiar conta com dois feitiços elementais e é possível equipar dois por vez. Com a ajuda do dragão, a garota incinera espaços ou conjura um barril explosivo. A mandrágora permite envenenar inimigos ou paralisá-los com vinhas. Os ataques do galo também movem Elle, o que é útil para escapar de situações perigosas. Há uma boa quantidade de Familiares para encontrar, o que permite montar inúmeras estratégias.

Mesmo assim, explorar o Reino do Pesadelo não é fácil, pois o local está infestado de monstros que atacam em grupo. Para lidar com muitos inimigos, Elle conta com mais dois recursos. O Salto permite teletransportar imediatamente para outro espaço sem consumir o turno, sendo uma ótima opção para escapar de ataques complicados — mas é importante utilizá-lo com cuidado, pois a quantidade de saltos é limitada. Além disso, há o sistema de Quebra: um oponente é atordoado por alguns turnos após atacá-lo algumas vezes. Quebrar inimigos em sequência cria um combo, que recupera o medidor de Saltos e aumenta o dano. Para sobreviver, é importante utilizar todas essas mecânicas.
 

Crown Trick utiliza características de roguelike em sua estrutura, ou seja, os mapas são gerados proceduralmente, ao morrer perdemos todos os itens e melhorias obtidos naquela partida, e precisamos recomeçar do início em uma nova tentativa. Mesmo assim, há progressão permanente entre as jornadas: NPCs permitem liberar recursos úteis, Familiares aumentam as características de Elle e esquemas desbloqueiam equipamentos que podem aparecer em partidas futuras.

Dominando o calabouço em combates estratégicos

Crown Trick me conquistou com seu combate complexo e repleto de possibilidades. Cada encontro é um pequeno puzzle que nos convida a completá-lo da melhor maneira possível — não ser atingido é importante, afinal itens de cura são escassos e a dificuldade é acentuada. Boa parte dos ataques dos inimigos são explicitados, logo podemos agir de acordo (seja fugindo, seja interrompendo o oponente).

A variedade surge da grande gama de opções na hora de atacar, o que permite criar inúmeras estratégias. O cenário também faz parte do embate: poças de óleo podem ser inflamadas, áreas com água conduzem eletricidade paralisante, vento espalha líquido venenoso e mais. Além disso, às vezes é melhor continuar com uma arma fraca que tenha um efeito passivo interessante. Sendo assim, precisamos levar todos esses aspectos em conta constantemente, fazendo com que posicionamento, alcance e ações futuras dos inimigos sejam bem importantes.


Minha diversão no jogo foi justamente fazer combinações interessantes durante as batalhas. Em uma partida, por exemplo, continuamente usei um poder de vento para juntar inimigos e atacá-los simultaneamente com um rifle. Em outra situação, usei o salto para evitar uma investida do oponente e coloquei um barril explosivo no lugar. Em uma arena, utilizei habilidades para empurrar inimigos para armadilhas. Com poderes de choque e de fogo, consegui paralisar e queimar monstros à distância. Utilizar essas opções para atacar continuamente, atordoando criaturas, é muito recompensador.

Fora o combate, os calabouços contam com outras salas com tesouros, segredos, vendedores e eventos com escolhas. A intenção deles é permitir que Elle se fortaleça, por mais que às vezes eles ofereçam efeitos negativos, como um baú amaldiçoado que dá uma relíquia lendária ao custo de uma penalidade temporária. A presença destas câmaras ajudam a trazer diversidade à exploração, mesmo sendo simples, em sua maioria.

Enfrentando o caos e alguns problemas

A dificuldade de Crown Trick é acentuada, exigindo abusar das habilidades, armas e elementos do cenário para sobreviver. Na maior parte do tempo o desafio é justo, bastando agir com cuidado para avançar. No entanto, algumas questões atrapalham a experiência.

Saber de antemão o alcance de ataques é um recurso excelente, assim como a possibilidade de verificar fraquezas e características dos inimigos. A interface é clara e informativa, e me surpreendi com os comandos bem pensados — mesmo jogando com um controle eu consegui acessar as informações com facilidade. Às vezes, porém, os oponentes fazem movimentos sem aviso algum, indo contra à filosofia de clareza do jogo. Muitas vezes, inclusive, fui derrotado ao ser atingido por algum ataque poderoso que surgiu de surpresa.


Outra questão é o balanceamento. A aleatoriedade é uma das características de roguelikes, e em Crown Trick isso se dá com diferentes ofertas de armas, familiares e itens. Isso ajuda a trazer variedade às partidas, mas aqui faltou um pouco de balanceamento: equipamentos ruins são capazes de arruinar uma tentativa. Em um chefe, por exemplo, a minha arma era fraca demais e mesmo fazendo boas jogadas eu acabei derrotado por não ter mais pontos de magia e frascos de vida. Para piorar, há alguns picos de dificuldade estranhos — fiquei com a sensação de que eles existem para forçar o grind.

A variedade limitada de conteúdo também incomoda. É interessante participar de tantos combates elaborados, mas com o tempo você percebe que está enfrentando os mesmos poucos inimigos, às vezes até em configurações de grupos idênticas. Os eventos e salas também se repetem entre as partidas, e a geração procedural não consegue criar aventuras diferentes o bastante. Eu me diverti com o que já está presente no título, mas imagino que isso será um problema a longo prazo — torço para que mais conteúdo seja incluído no futuro.

A beleza do pesadelo

Fora os ótimos sistemas, Crown Trick me conquistou com sua ambientação elaborada. O jogo conta com ótimo visual 2D que lembra um desenho animado de fantasia. O tema de “mundo dos sonhos” é explorado com muita cor, uso constante de sombra e uma trilha sonora suave, o que dá um leve ar de conto mágico macabro ao jogo. A trama simples é explorada principalmente em textos, porém é interessante e bem pensada. O título está completamente localizado para o Português do Brasil e a adaptação é competente.

Um ponto que me incomodou foi a confusão visual. Dungeon crawlers similares normalmente utilizam câmera aérea, que permite ver com clareza todo o cenário. Crown Trick usa uma perspectiva um pouco mais lateral, o que deixa a ação mais dinâmica. O problema é que às vezes elementos se sobrepõem parcialmente e fica difícil enxergar marcadores, obstáculos e inimigos. A confusão acontece com maior frequência em momentos com muitos elementos na tela; aprendi a lidar com ela, mas não deixa de atrapalhar.

Uma aventura onírica que vale a pena

Crown Trick usa andamento por turnos e elementos de roguelike para criar um dungeon crawler instigante. O combate altamente tático é o seu maior destaque: mecânicas de conceito simples e grande diversidade de habilidades permitem montar diferentes estratégias, sendo muito recompensador montar combos elementais devastadores. O desafio é intenso e justo na maior parte do tempo, mas picos de dificuldade e aspectos desbalanceados incomodam um pouco. Além disso, uma ambientação interessante, ótimos visuais e interface clara deixam a exploração agradável. No fim, o resultado é uma experiência notável, intensa e envolvente — continuo tentando fugir do Mundo do Pesadelo mesmo após inúmeras derrotas.

Prós

  • Ótimas mecânicas de exploração de calabouços com aspectos táticos e de puzzle;
  • Variedade de armas e poderes permite montar diferentes estratégias;
  • Dificuldade acentuada, mas justa;
  • Ambientação ímpar com visual 2D.

Contras

  • Confusão visual atrapalha fazer escolhas conscientes em alguns momentos;
  • Problemas de balanceamento, com aspectos de sorte afetando as partidas;
  • Variedade limitada de conteúdo a longo prazo.
Crown Trick — PC/Switch — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: José Carlos Alves
Análise produzida com cópia digital cedida pela Team17

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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