Análise: Iwaihime (PC) conta a fascinante história de uma maldição

Visual novel de mistério e terror é uma excelente adição aos jogos do gênero disponíveis no Ocidente.

em 28/10/2020
Entre os criadores de visual novels, Ryukishi07 é um nome famoso, usualmente associado a mistérios envolventes com boas doses de terror. Criador da série When They Cry (Higurashi, Umineko), ele também é o escritor de Iwaihime, visual novel que chega agora ao Ocidente via Steam. Com uma atmosfera densa recheada de elementos sobrenaturais, a obra apresenta, de forma geral, um mistério muito bem conduzido e consistente.

Conhecendo a maldição

Iwaihime conta a história do jovem Suzumu Susuhara, cuja família possui uma longa tradição de uma arte marcial chamada de Susuhara Divine Tribute Style. Ao chegar em uma certa idade, os homens da família saem de casa para viver sozinhos enquanto treinam. Por essa razão, o personagem se muda para a cidade de Susuda e começa a ter uma vida pacífica como estudante da classe 2-A.

No entanto, enquanto todos os alunos estão se divertindo, Suzumu logo percebe que uma garota da classe está isolada. Toé Kurokami está sempre com uma boneca assustadora em mãos e sua presença na sala é quase como a de um fantasma, aparecendo e desaparecendo quando tem vontade. A personagem praticamente não interage com os outros e parece estar constantemente com a cabeça em outro lugar.

Diante dessa situação misteriosa, o protagonista fica fascinado com a garota. E assim começa a jornada de Suzumu para descobrir a maldição que aflige Toé e buscar uma forma de resolver o problema. No caminho, ele também conhece outras personagens e passa a fazer parte de um clube da escola voltado a realizar serviços sociais diversos, como varrer templos, angariar fundos para instituições de caridade, etc.
Ao longo de 12 capítulos, o jogo desenvolve uma narrativa misteriosa com elementos sobrenaturais em que os quatro primeiros capítulos apresentam os personagens e dão pistas do que está acontecendo. Os subsequentes explicam a “maldição” e desenvolvem o que foi mostrado previamente. Assim, detalhes que poderiam parecer pequenos ganham novos significados e situações mais nebulosas ganham contornos realistas. Cada novo capítulo irá apresentar uma conclusão temporária, até chegar em um final memorável.

Enquanto a história é principalmente um mistério, os primeiros capítulos trabalham muito bem com o horror de não saber exatamente o que está acontecendo. Ao mesmo tempo que a obra apresenta os personagens aos poucos, eles são submetidos a situações tensas e repugnantes que podem ser bastante incômodas. Abuso de menores e estupro são algumas das coisas que são mencionadas na história do jogo, mas o título não é excessivamente gráfico, com exceção do capítulo 2.
Curiosamente, conforme o jogo avança, ele passa a ser mais sobre resolver os problemas do que efetivamente a sensação de terror, então o elemento sobrenatural passa a ser menos assustador. Em compensação, as revelações da narrativa são bastante interessantes e as explicações são coerentes. Assim, mesmo com menos elementos de terror, compreender um pouco do que aconteceu com os personagens pode ser bastante perturbador e levar o jogador a se questionar se o elemento sobrenatural realmente é algo mais terrível do que as ações dos seres humanos.

Porém, gostaria de destacar que existem alguns momentos na narrativa em que os tópicos mais sérios são tratados de forma desrespeitosa. Em particular, há um determinado trecho da história, próximo da reta final, em que traumas dos personagens são tratados como piada. Apesar de ser algo breve, é uma escolha que enfraquece muito a narrativa construída ao longo do jogo.

Terror é questão de atmosfera

Um elemento fundamental de qualquer obra de terror é construir uma atmosfera sombria e perturbadora. Sem usar jumpscares, a ideia é fazer o jogador mergulhar em desespero profundo vendo personagens com os quais se afeiçoou ao longo da história sofrendo com a situação impossível que enfrentam.
 
Existe um nível modesto de body horror em algumas das criaturas sobrenaturais, apelando para a sensação de asco do jogador. Há também o uso de bonecas e cenas mais escuras cuja descrição é mais forte do que o aspecto da imagem. Alguns efeitos visuais de sangue e deformação da realidade também são bastante relevantes. Há até mesmo mudanças na interface. Quando se está em uma cena cotidiana, a caixa de diálogo contém flores. Já nas cenas sombrias, caras de bonecas aparecem. O início do jogo pode lembrar um pouco o tom dos primeiros episódios do anime Another, mas o desenrolar é bastante diferente.

O desenho de personagens do artista Kina Kazuhara é bastante expressivo e os backgrounds de autoria de mocha são ricos em detalhes. O resultado são cenas visualmente agradáveis, mas que conseguem passar o tom correto de medo, sofrimento, dor ou nojo, com mudanças na iluminação e na expressão facial dos personagens.
 
Em termos sonoros, vale destacar as vozes em japonês, em particular as que são deformadas em algumas cenas. Inclusive, é curioso o fato de que até mesmo Suzumu possui voz, já que é comum que o protagonista não tenha uma nesse tipo de obra, mesmo que ele não seja silencioso. A trilha sonora é adequadamente variada de acordo com o tom da narrativa, indo de música de cotidiano feliz de anime colegial àquelas que evocam misticismo ou tensão.

Também considero um forte fator para o estilo específico de drama e terror da obra a forma como ele alterna perspectivas. Determinadas cenas são vistas pelo ponto de vista das outras personagens, o que faz com que a tensão seja muito mais vívida e pessoal.
 
De forma geral, Iwaihime é uma excelente visual novel que consegue desenvolver um mistério sobrenatural intenso e interessante. Apesar do terror sentido no início da obra ser reduzido ao longo do tempo e de desrespeitar alguns tópicos sérios, a melhor compreensão da maldição e da forma como ela afeta os personagens consegue manter o engajamento do jogador e até mesmo tornar a experiência emocional cada vez mais forte até o final.

Prós

  • Mistério bem desenvolvido ao longo dos 12 capítulos;
  • Múltiplas perspectivas tornam o drama algo mais pessoal;
  • Visual expressivo e detalhado;
  • Bom uso de efeitos visuais e mudanças na interface;
  • Aspectos sonoros adequados para as mudanças de tom da obra.

Contras

  • Alguns momentos tratam tópicos sérios de forma desrespeitosa.
Iwaihime – PC – Nota: 8.5
Revisão: Ives Boitano
Análise produzida com cópia digital cedida pela ShiraVN


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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