Jogando via streaming: o estado atual e as possibilidades para o futuro

Conheça alguns serviços, vantagens, desvantagens e o cenário desta inovação para os próximos anos.

em 27/09/2020
Vivenciamos inúmeras transformações científicas e tecnológicas nas primeiras duas décadas deste século e muitas outras ainda virão dentro dos próximos anos. As corridas espaciais, do 5G, do computador quântico e até da vacina para a Covid-19 estão fazendo países e corporações competirem desesperadamente entre si por poder e relevância internacional. É uma briga sem precedentes e nós, enquanto meros consumidores, assistimos tudo de camarote, graças às redes sociais e à internet, onde a informação voa.




Para além das guerras comerciais entre países, nas indústrias do entretenimento, da mídia e da tecnologia também existem conflitos acontecendo. Empresas como Sony, Microsoft e Nintendo produzem consoles de videogames e precisam de estratégias sólidas para manterem seus produtos. Algumas optam por inovações em hardware como processadores e componentes potentes para rodar jogos a 4K/60fps, 8K e assim por diante; outras preferem focar em conteúdos de software de qualidade. Cada empresa busca diferentes alternativas para atrair usuários, que por sua vez pagam pelo serviço ou produto e dão retorno financeiro para ela.

Com a necessidade de se reinventar e acompanhar as inovações tecnológicas que vão surgindo no decorrer dos anos, as principais empresas do mercado correm contra o tempo para conquistar seus consumidores e investem em serviços ou produtos mais flexíveis, acessíveis e que oferecem inúmeras possibilidades. Os serviços de filmes e de músicas na nuvem, como a Netflix e o Spotify, mostraram à Microsoft, ao Google, à Amazon, à Sony e à Nvidia como o streaming é uma tecnologia indescritivelmente promissora e rentável, e como ela poderá viabilizar uma nova tendência de futuro para os games.

Tudo começou na indústria do cinema, da TV e da música

O streaming é uma tecnologia de transmissão de dados pela internet com o intuito de enviar informações multimídia de servidores para usuários sem a necessidade de realizar downloads. Ele também surgiu como uma ferramenta de acessibilidade, em que o conteúdo pode ser consumido simultaneamente em diferentes dispositivos, como smartphones, TVs, tablets e computadores.

A Netflix é atualmente a maior provedora global de séries e filmes via streaming, contando com mais de 158 milhões de assinantes e investindo cerca de 15 bilhões de dólares por ano em conteúdo original e licenciado para ampliar seu catálogo. A empresa criada nos Estados Unidos por Reed Hastings e Marc Randolph em 1997 originalmente enviava filmes alugados em DVD pelos correios, serviço no qual o usuário pagava uma taxa fixa e poderia ficar com todos os títulos que quisesse, sem se preocupar com atrasos na locadora.

Em 2007, com a expansão da internet de alta velocidade, a empresa usou a mesma estratégia e começou a viabilizar conteúdos pela plataforma que conhecemos hoje, mas foi só a partir de 2010 que ela expandiu esse serviço para outros países e se tornou um fenômeno. Atualmente, ela está presente em 190 nações, com exceção da China, da Coreia do Norte, da Crimeia e da Síria, que sofrem restrições governamentais. A partir desse sucesso, outras grandes empresas de mídia, cinema e TV decidiram entrar nesse rentável mercado. Amazon Prime Video, Disney+, HBO Max, Apple TV+ e Hulu são apenas algumas das plataformas lançadas até 2020, mas muitas outras ainda estão por vir.

Além do audiovisual, outra indústria que se beneficiou do streaming foi a da música. Em 2006 surgiu o Spotify em Ragsved, subúrbio da capital sueca Estocolmo. Criada pelos empresários Daniel Ek e Martin Lorentzon, o serviço começou com um financiamento de 21 milhões de dólares de vários fundos e de negociações com gravadoras. Com um valor mensal, os usuários têm acesso a centenas de álbuns dos mais variados artistas, de todos os gêneros possíveis.

Com o passar dos anos, o Spotify também começou a ganhar concorrentes de peso, tais como: Deezer, Apple Music, Amazon Music, YouTube Music, entre outros, tornando a indústria mais competitiva. E como na guerra do streaming só ganha quem se arrisca mais, a empresa teve que ampliar seu catálogo com a criação de um espaço para podcasts originais e fechando acordos com inúmeros artistas.

Chegou a vez dos jogos eletrônicos

A verdade é que muitos mercados se beneficiaram do streaming e logo depois da música e do audiovisual surgiu também o de livros, com o Kindle Unlimited da Amazon. Acompanhando esse efeito positivo, a indústria dos videogames não ficou para trás e em 2012 a Sony anunciou a compra da Gaikai, o primeiro serviço de jogos eletrônicos criado. Dois anos depois, a empresa veio a anunciar o PlayStation Now, um serviço focado em games antigos, onde os usuários podem rodar jogos do PlayStation, PlayStation 2 e PlayStation 3 através da nuvem nos novos dispositivos da empresa, como no PlayStation 4 e nas TVs da marca.

O PlayStation Now possui mais de 600 títulos, desde conteúdos antigos e novos, que rodam a 720p, sendo que este valor pode cair dependendo da velocidade da internet. É recomendado uma velocidade mínima de 5 Mbps e o serviço custa 10 dólares por mês.

Também existiu o OnLive, uma plataforma de streaming anunciada em 2009 e que rodaria jogos em conexões de até 1.5 Mbps com resoluções de imagens de qualidade equivalente aos jogos do Nintendo Wii, enquanto 4.5 Mbps para resoluções de alto padrão. O serviço gerou ceticismo a respeito de seu funcionamento, pois a tecnologia existente na época era muito inferior para renderizar e comprimir vídeos diretamente do servidor. O CEO da Crytek concluiu que essa tecnologia seria inviável até 2013 e somente depois desse período ela viria a ganhar força no mercado. Descontinuado em 2015, o OnLive também foi adquirido pela Sony para expandir e aprimorar seu próprio serviço.



O GeForce Now é o serviço de streaming da Nvidia e foi lançado no início deste ano depois de um beta de quase cinco anos no PC. Rodando jogos em até 1080p/60fps, ele se conecta ao servidor que está mais próximo e, diferente de seus concorrentes, não vende jogos nem dá acesso a uma biblioteca de títulos. Em vez disso, o serviço se conecta a plataformas como Steam, Epic Games Store, Origin, Uplay e outras contas online para reproduzir jogos que você adquiriu. Nem todos os títulos estão disponíveis, pois algumas desenvolvedoras bloqueiam o acesso.

O GeForce Now possui duas versões de assinatura: uma gratuita e outra paga. A versão gratuita permite jogar os títulos disponíveis até uma hora por vez e é necessário esperar em uma fila até que ele esteja disponível, pois assinantes premium tem prioridades. Os membros pagos são chamados de "Founders" e obtêm sessões estendidas, acesso prioritário e níveis gráficos de alto padrão. A assinatura no serviço custa 5 dólares por mês e ele requer uma velocidade mínima de 50 Mbps para 1080p/60fps.



O Xbox Cloud Gaming (originalmente conhecido como Project xCloud) é o serviço de streaming da Microsoft e foi lançado para Android em 22 países (Brasil não foi incluído) no último dia 15 de setembro. Ele é integrado ao Xbox Game Pass Ultimate, principal serviço de assinatura de jogos da empresa, no qual você paga R$ 40,00 por mês para ter acesso a uma biblioteca de mais de 150 títulos para jogar no Xbox One e no PC.

O Cloud Gaming roda jogos em até 1080p/60fps e requer velocidade mínima de 15 Mbps ou o uso de uma rede Wi-Fi de 5 Ghz, e o diferencial fica por conta de que não é necessária uma assinatura complementar para sua utilização. Por exemplo: no Google Stadia e no Amazon Luna é necessário comprar o jogo separadamente. Com a integração no Xbox Game Pass, a Microsoft se torna a empresa que está um passa à frente das demais no quesito streaming e é o modelo que mais se assemelha à Netflix e ao Spotify, onde você paga uma taxa fixa e consome o que desejar.

Com a recente aquisição da Bethesda e com a integração do serviço de assinatura EA Play da Electronic Arts ao Game Pass, a empresa firma seu compromisso de criar uma plataforma acessível e ser uma das pioneiras no segmento de streaming de jogos com um catálogo exemplar e completo dos mais abrangentes títulos da indústria.

Além disso, a compra da Bethesda pela Microsoft também pode significar outro trunfo da empresa no setor. Na E3 2019, a subsidiária da ZeniMax Media revelou o Orion, uma tecnologia de otimização patenteada que permite maior facilidade de integração de jogos na nuvem. O recurso promete rodar jogos com resolução máxima de 4K/60fps, consumindo o mínimo de banda larga possível, mesmo se o usuário estiver longe do data center.


O Stadia é o serviço de streaming do Google e roda jogos em até 4K, mas precisa de uma velocidade de internet de 35 Mbps. O serviço se mostrou promissor ao ser anunciado, mas em seu lançamento apresentou uma série de polêmicas, principalmente envolvendo questões de resolução. De acordo com algumas desenvolvedoras, a plataforma não consegue rodar títulos em 4K nativo e passa por um processo de upscaling (técnica que permite aumentar a qualidade geral), o que causou desconfiança dos usuários.

O Stadia oferece dois planos: um gratuito e outro pago. O Stadia Base é livre e roda jogos em até 1080p/60fps, mas não oferece nenhum benefício. Já o Stadia Pro cobra uma taxa de 9,90 dólares por mês e garante que roda jogos a 4K nativo com uma biblioteca de jogos gratuitos. Ele também vem com um controle chamado de Stadia Controller, que pode ser adquirido separadamente, mas oferece também conexões via Bluetooth com teclado e outros dispositivos.



E por fim, na última semana a gigante do e-commerce Amazon anunciou seu próprio serviço, que vinha sendo especulado pelo codinome Project Tempo. Chamado oficialmente de Luna com preço inicial de 6 dólares, o serviço promete rodar jogos a 4K/60fps nativos e em duas telas simultaneamente. No Luna também será necessário comprar o jogo separadamente através de canais com as desenvolvedoras e terá integração com o Twitch. Ainda não foram reveladas muitas especificações do serviço da Amazon, mas ele vai estar disponível para PC, TVs, Macs e iPhones. O Luna Controller é integrado com a Alexa e se conecta diretamente à AWS (Amazon Web Services), apresentando um design que prioriza o Wi-Fi ininterrupto.


As vantagens e as desvantagens dos serviços de streaming de jogos

O streaming vai trazer uma variedade de vantagens para os usuários, como acessibilidade e flexibilidade, mas também promete incomodar em alguns pontos. Nos principais fóruns internacionais, como Reddit e ResetEra, em tópicos relacionados aos serviços, existem comentários muito positivos, mas outros totalmente negativos.

Entre os destaques dessas plataformas, podemos destacar o modelo em que é possível jogar quando, onde e como você quiser. Embora ainda seja preciso comprar os títulos para reprodução, as plataformas são mais atraentes, pois não é preciso gastar horrores com um hardware de mais de dois mil reais. Ainda existe o Xbox Cloud Gaming, em que você paga uma única taxa do Game Pass para jogar o que quiser.

No entanto, ainda há um longo caminho pela frente para essa tecnologia, e entre suas desvantagens estão os problemas de resolução, velocidade de internet, latência e compatibilidade. Ao baixar um jogo, por exemplo, você tende a ter uma resolução muito maior, não há atrasos e nem preocupação com quedas de internet, tornando a experiência gratificante. Com os jogos na nuvem, tudo isso se torna um problema, pois geralmente ações realizadas pelo jogador precisam ser transmitidas para um servidor que reenvia o comando ao jogo. Dependendo da velocidade da internet, ocorre um atraso de milissegundos entre os comandos do controle e o que está sendo exibido na tela, e às vezes se torna inviável de se jogar.

A resolução é outro grande problemas dessas plataformas, pois elas precisam de servidores ultrapotentes e uma velocidade de internet melhor ainda. Em consoles como o Xbox Series X e o PlayStation 5, a integração de vários componentes de hardware faz com que eles trabalhem juntos para oferecer uma experiência completa. Entretanto, jogar tudo isso na nuvem e com muitos usuários conectados simultaneamente se torna muito mais complicado, especialmente com resoluções muito altas como 4K/60fps nativo. O Stadia tentou, mas logo teve que usar técnicas de upscaling para conseguir fazer o que prometeu. O Luna foi anunciado com a mesma proposta ambiciosa, mas, se ele dará conta, só o tempo dirá. As outras empresas, como Microsoft, Sony e Nvidia, foram um pouco mais cautelosas e decidiram disponibilizar uma resolução máxima de 1080p/60fps em suas plataformas.

No futuro, serviços de streaming de jogos poderão oferecer opções de resoluções para que os usuários escolham aquela que mais se adequa a sua internet. O uso de inteligências artificiais também pode ajudar nessa aplicação, mas, se já é difícil rodar títulos pesados em um hardware menos potente hoje em dia, imagine então rodar tudo isso na nuvem. Outra alternativa futura que será um desafio, se aplicado, é a possibilidade de jogar de maneira offline. Netflix e Spotify já oferecem essas comodidades, mas porque são mídias totalmente diferentes dos jogos eletrônicos. Pegue um jogo de 100 GB de memória e tente baixar ele em um smartphone de no máximo 64 GB e com processadores inferiores a de um console. Impossível hoje com a atual tecnologia de compreesão, mas quem sabe no futuro, com as ampliações tecnológicas necessárias.

A era do streaming de jogos já começou, mas ainda vai demorar para decolar

A era das locadoras de VHS, CDs e DVDs parece estar chegando ao fim lentamente. Embora haja os colecionadores de plantão, o streaming de vídeos, séries, filmes e músicas está matando as mídias físicas aos poucos. Nos videogames não é diferente, houve um crescimento de mais de 70% no consumo de mídias em formato digital nos últimos anos e as edições complementares e digitais do Xbox Series X e do PlayStation 5 provam que essa já é uma tendência a seguir.

Em termos de streaming de jogos, ela é uma tecnologia que veio para ficar, mas levará alguns anos até se popularizar e decolar. Assim como aconteceu com a Netflix e o Spotify nos anos 2000, serviços como o Xbox Cloud Gaming, o Google Stadia e o Amazon Luna devem levar em torno de dez anos para criar uma tendência de consumo promissora, até porque são os inúmeros problemas que essas plataformas enfrentam atualmente, como impasses de resoluções, velocidade de internet e principalmente latência e compatibilidade, que as impedem de serem interessantes.

Entre os serviços já destacados, o mais promissor até agora é com certeza o da Microsoft, o Xbox Cloud Gaming, se destacando de seus adversários pelo seu excelente serviço de assinatura Xbox Game Pass que integra a nuvem. A gigante da tecnologia também está investindo duro em conteúdo para ampliar a biblioteca de jogos que já conta com mais de 15 milhões de assinantes, tornando-o um exemplo de progresso e mostrando que existe um futuro favorável para esses serviços.

No Brasil nenhum dos serviços está disponível e essa tendência deve demorar mais para decolar, principalmente pela estrutura medíocre de comunicação e acesso a internet de qualidade, comparando a países desenvolvidos como os Estados Unidos, onde o 5G e a computação quântica está batendo à porta. O maior problema desses serviços atualmente é a conexão com a internet, pois para um jogo funcionar bem é preciso de uma conexão confiável, estável e extremamente rápida; afinal de contas, como a execução é feita de forma remota, todas as ações realizadas pelo jogador necessitam ser enviadas pela rede até um servidor próximo e ser reenviadas ao usuário. Esse processo ainda não está funcionando adequadamente, e os problemas de latência são os principais vilões dos serviços por hora.

De acordo com alguns dos mais requisitados nomes da indústria dos jogos, a nova geração de consoles será a última e depois disso todos nós estaremos jogando na nuvem. No entanto, o streaming não deve substituir os consoles como conhecemos tão rapidamente, mas ser um complemento a eles. A acessibilidade, a flexibilidade e o processo de democratização que essas plataformas propiciarão para as pessoas é algo incrivelmente maravilhoso e jogar onde, quando e como você quiser abrirá novos horizontes para a indústria. A evolução tecnológica e a quarta revolução industrial devem impactar o mercado de games de maneira abrangente e significativa em 10 ou 20 anos e o streaming deve se tornar uma tendência que mudará a maneira como consumimos esses produtos.

Revisão: Ives Boitano

é entusiasta e apreciador de jogos com conceito artístico minimalista e narrativas de significado profundo. Acredita na potencialidade de cada experiência interativa e tenta extrair delas sentimentos humanos e existenciais. No GameBlast também escreve notícias, análises e especiais; no tempo livre produz roteiros autorais de séries e filmes. Criatividade, imaginação e curiosidade são algumas de suas características marcantes.
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