Embora grande parte de minha caminhada gamer tenha sido realizada em consoles (comecei a jogar videogame após receber, ainda criança, um Super Nintendo com Super Mario World de meus pais), posso relatar com felicidade que igualmente recordo-me com muito carinho de minhas primeiras experiências com jogos no PC. Como muitos jogadores nascidos na década de 90, títulos como Warcraft III: Reign of Chaos (PC), Rollercoaster Tycoon (PC) e Age of Empires (PC) cativaram minha atenção por longas horas, especialmente por serem experiências divertidas e complexas, cuja execução está intrinsecamente relacionada ao icônico combo de mouse e teclado.
Por isso, ao montar um PC este ano, algo que me deixou bastante entusiasmado foi poder novamente desfrutar de títulos similares, em sua maioria exclusivos da plataforma. Crusader Kings III, aguardada sequência do aclamado Crusader Kings II, é um desses exemplos. Mas será que o mais recente jogo da Paradox Interactive faz jus a seu legado ou é daquelas experiências que, no fim, não correspondem às expectativas criadas? Prepare seu manto real e descubra conosco em nossa análise.
Justamente por sua complexidade e por tocarem em áreas de conhecimento como geografia, história, economia e política, jogos de grande estratégia podem ser utilizados para fins educacionais. Paradox Interactive, desenvolvedora da estrela desta análise, é uma das mais prolíficas do gênero: como exemplo, mesmo lançados no início da década passada, títulos da produtora como Europa Universalis IV (PC) e Crusader Kings II (PC) são marcos do estilo, atraindo apreciadores e mantendo dedicadas comunidades até hoje.
O nascimento real
Caso você nunca tenha ouvido falar da franquia, Crusader Kings III é um representante do gênero conhecido em inglês como grand strategy ou grand strategy wargame. Tido como um subgênero ou uma variação do gênero de estratégia, jogos de grande estratégia são caracterizados por abordarem longos períodos cronológicos e apresentarem várias camadas complexas. Aqui, o objetivo não é somente vencer uma guerra ou conquistar um território, como é relativamente comum em outros jogos — frequentemente você necessitará gerenciar seu patrimônio, sua família, leis, recursos, contratos e relações internas e externas, dentre outros assuntos.
Justamente por sua complexidade e por tocarem em áreas de conhecimento como geografia, história, economia e política, jogos de grande estratégia podem ser utilizados para fins educacionais. Paradox Interactive, desenvolvedora da estrela desta análise, é uma das mais prolíficas do gênero: como exemplo, mesmo lançados no início da década passada, títulos da produtora como Europa Universalis IV (PC) e Crusader Kings II (PC) são marcos do estilo, atraindo apreciadores e mantendo dedicadas comunidades até hoje.
Por esses e outros motivos, a expectativa de jogadores, fãs e crítica especializada em cima de Crusader Kings III era grande. Mas é com felicidade que posso afirmar que o mais recente lançamento da saga cumpre suas promessas com louvor, entregando não somente um excelente jogo em seu gênero, mas sim um dos melhores títulos lançados neste ano para todas as plataformas.
Os detalhes da vida
Como já pode ser deduzido pela breve descrição acima e pelas capturas de tela, Crusader Kings III é um jogo complexo, no qual em grande parte do tempo você estará lidando com diversos menus e submenus e pensando formas de solucionar problemas e situações que não cessam de aparecer.
Sobre isso, devo apresentar aqui um grande ponto positivo do título e, paralelamente, aquela que é a minha única crítica verdadeiramente contundente. Mesmo do alto de toda a sua complexidade, Crusader Kings III é bem acessível a novos jogadores, com um tutorial inicial rico e bem explicativo, e um eficaz e valioso sistema in-game onde o jogador pode, a qualquer momento do jogo, passar o mouse sobre termos em destaque para obter uma explicação sobre eles.
Este último recurso é especialmente útil, pois mesmo na décima ou vigésima hora de jogo ainda haverá termos para aprender, e com tantas possibilidades à disposição, ter uma espécie de “cola” acessível a todo momento torna a experiência menos complicada e mais divertida — ponto muito positivo para a Paradox.
Porém, na contramão da acessibilidade e infelizmente para os fãs brasileiros, não há suporte a português brasileiro em Crusader Kings III. As únicas línguas suportadas aqui são inglês, francês, alemão, espanhol, russo, chinês simplificado e coreano, o que tristemente pode limitar o verdadeiro desfrute de jogadores que não tenham um certo nível de domínio de um segundo idioma.
E quando falo em domínio, não é exagero: como dito no início, são muitos termos e menus para navegação. Por mais acessível que Crusader Kings III se proponha a ser (e consiga alcançar), ainda temos aqui uma genuína experiência de grande estratégia, com todas as camadas características do gênero, e que requer leitura e compreensão atenta de todas as alternativas e situações para um completo aproveitamento. Juntamente com a crítica, portanto, fica a esperança de que um patch futuro resolva esse problema e atenda com o devido respeito a comunidade brasileira.
Nasce um império
Ao iniciar um novo jogo em Crusader Kings III, o jogador poderá escolher uma era e um dos mandantes históricos pré-estabelecidos para controlar, como Carlos, o Calvo, e o rei Louis II. Cada um dos governantes disponíveis (a Paradox confirmou que jogadores poderão criar seus próprios personagens em uma atualização futura) trará consigo um nível de desafio pré-montado, que levará em conta diversas variáveis como posses, terras conquistadas e ameaças.
Caso você goste de escolher as próprias regras, fique tranquilo: muitos aspectos da experiência, como o surgimento de heresias, o aparecimento de doenças e a própria dificuldade do jogo, podem ser personalizados à vontade previamente. Então, a partir da escolha de seu personagem, o que acontece a seguir estará em parte nas suas mãos, em parte nas mãos do acaso, e é aí que Crusader Kings III começará a demonstrar a sua genialidade.
Como um novo governante, caberá ao jogador basicamente administrar suas terras, seu reino e as relações familiares e exteriores que possui, mas, ao melhor estilo RPG, aqui não há uma maneira “certa” ou “errada” de jogar. Em Crusader Kings III, caso seu personagem morra (e ele irá morrer, por causa naturais ou não), você assumirá o controle de seu primeiro herdeiro na fila da sucessão. Desse modo, a única possibilidade de um game over ocorre se você não tiver algum personagem para assumir seu antigo posto.
Na prática, este sistema confere enorme liberdade aos jogadores para desenvolverem a sua história como quiserem: você deseja ser um rei bondoso, focando em sua própria prosperidade e na boa relação com seus súditos, sua família e os governantes vizinhos? Possível. Você deseja montar o maior império que a Europa já possuiu? Também possível. Talvez você pense em montar o maior exército católico que o mundo irá presenciar ou fundar uma nova religião. Ambas as opções, assim como incontáveis outras, são válidas aqui. Há inclusive a história do jogador que decidiu praticar canibalismo contra figuras notáveis. E, acredite, ele conseguiu.
Como diversos exemplos históricos reais ensinaram, alcançar qualquer um desses objetivos, porém, muitas vezes dependerá de esforço e planejamento próprios, mas especialmente de alianças entre famílias e dinastias, que podem surgir naturalmente em amores e amizades ou serem, digamos, adiantadas por meio de casamentos arranjados e favores prestados/cobrados.
Visto que tais dinâmicas são comuns, como governante, portanto, caberá a você gerenciar as relações internas e externas de sua corte, arranjando casamentos (incluindo o seu próprio), decidindo quem fará parte de seu conselho administrativo e decidindo a que estilo de vida quer se dedicar.
Arquétipos e estereótipos
Falando em estilo de vida, este é mais um dos elementos em que Crusader Kings III bebe na fonte dos RPGs. Ao assumir o controle de um personagem, você deve escolher entre 5 estilos distintos — diplomacy, martial, stewardship, intrigue e learning. Cada um desses caminhos abrirá árvores de talentos próprias, cujas habilidades poderão ser desbloqueadas com o tempo e proverão vantagens em determinados aspectos ao longo da vida de cada personagem.
Desse modo, cada estilo de vida acaba impactando a forma como o jogo se desenvolve: escolha a diplomacia, por exemplo, e presentes enviados por seu personagem renderão o dobro de opinião positiva no destinatário. Escolha a intriga, por sua vez, e seus esquemas de assassinato terão 30% mais chances de darem certo.
Esquemas são planos que podem ser conduzidos com um determinado intuito, como matar ou seduzir alguém. Da mesma maneira que você pode conduzir um desses, você também pode ser alvo de outros, então, caso você queira viver por muito tempo, é bom ficar de olho em pessoas próximas e ter uma boa relação com o espião de seu conselho (o quanto uma pessoa gosta de você é indicado numericamente).
A mecânica de esquemas e eventos aleatórios e as já citadas redes de relações internas e externas funcionam tão bem porque, conforme se joga, fica claro que a principal matéria-prima ou o elemento especial de Crusader Kings III não são armas ou guerras, tampouco economia e historicidade. São seus próprios personagens humanos. Da mesma maneira que um herdeiro pode trazer consigo a facilidade de aprendizado, que indubitavelmente o capacitaria para funções de administração de um reino, ele ou ela também pode ser altamente luxurioso, fazendo com que suas chances de entrar em relacionamentos extraconjugais e gerar filhos bastardos multiplique consideravelmente.
É essa humanidade dos personagens, e as escolhas e consequências que acarretam dela, que geram os melhores momentos do título. Como exemplo, em um certo jogo, meu rei (solteiro à época) teve um relacionamento com uma jovem plebeia que visitava a corte. Mesmo sendo um romance temporário, meu personagem jamais esqueceu a jovem, e ao ordenar que procurassem-na anos depois, descobriu que ela havia dado à luz e criado escondida um filho, fruto daquele período.
Como você provavelmente já percebeu, as escolhas aqui importam, e com frequência as suas consequências terão impacto por gerações. Um filho bastardo não aceito, uma vez crescido, pode tentar se rebelar contra você ou reivindicar seus direitos. Um esposo/esposa traído pode querer vingança ou requerer divórcio. E tudo isso pode impactar também na opinião alheia, afinal, em tese, se governa pelo exemplo.
Há até um sistema de segredos e favores — chamado de hook — que pode ser utilizado para chantagens ou para obrigar que determinada pessoa faça sua vontade. Ou você acha que um casamento com a filha primogênita do rei da Inglaterra acontece somente por amor? Como dito mais cedo, são diversas possibilidades que decorrem dessas mecânicas, e é fácil notar que os desenvolvedores tiveram carinho ao elaborar tais sistemas, pois, mesmo depois de horas jogadas, não presenciei um evento similar sequer.
Outro elogio fica por conta da apresentação visual: ao contrário de Crusader Kings II, aqui os personagens são modelados em 3D, fazendo com que seja possível acompanhar, por exemplo, o processo de envelhecimento deles. Filhos inclusive herdarão, além da personalidade, traços físicos dos pais. É uma pequena mudança, mas que auxilia em muito na imersão. Por sua vez, a trilha sonora com fortes inspirações medievais é do tipo que merece ser escutada mesmo quando se encerra o jogo.
Por fim, no que tange à otimização, Crusader Kings III também não desaponta — eu definiria meu PC como sendo um de médio porte e não tive nenhum problema para rodar o jogo em suas qualidades mais altas. Minha única recomendação, que certamente se tornará uma necessidade com o advento da nova geração de consoles, seria instalar o jogo em um SSD para acelerar os ocasionais loadings, especialmente o inicial.
O fim da jornada
Crusader Kings III é um daqueles jogos especiais, que possuem o poder de cativar a atenção do jogador ao ponto deste perder a noção das horas. Sua mescla de grande estratégia com elementos de RPG faz com que este seja um título imperdível para fãs de história ou apreciadores de boas tramas.
Ao dar destaque às relações interpessoais tanto quanto a outros subsistemas, a Paradox Interactive oferece um ramo de possibilidades e acontecimentos tão complexos e variados quanto a própria mente humana. Não me surpreendo se Crusader Kings III garantir diversos prêmios de jogo do ano, pois este é um título que respeita o jogador, entregando-lhe não somente uma experiência formidável, mas sim quantas forem desejadas — tudo em uma apresentação concisa e amigável. Caso você seja um fã do gênero, aqui está algo imperdível. Caso não o seja, há o grande risco de passar a ser. Recomendadíssimo.
Prós
- Tutorial e interface amigáveis a iniciantes no gênero;
- Experiência complexa, mas fascinante e divertida;
- Mescla de grande estratégia e RPG que promove liberdade para o jogador, respeitando suas escolhas;
- Grande fator replay;
- Bem otimizado;
- Trilha sonora fantástica.
Contras
- Sem suporte a português brasileiro;
- Mesmo com o tutorial, acontecimentos como guerras podem ser confusos no início.
Crusader Kings III - PC - Nota: 9.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Ives Boitano
Análise produzida com cópia digital gentilmente cedida pela Paradox Interactive
Análise produzida com cópia digital gentilmente cedida pela Paradox Interactive