Análise: Ary and the Secret of Seasons (Multi) é tão passageiro e esquecível quanto as estações do ano

Ajude a corajosa Aryelle a salvar Valdi e restaurar o equilíbrio natural do mundo (se você conseguir jogar).

em 06/09/2020
Desenvolvido pelos estúdios belgas eXiin e Fishing Cactus, e publicado pela Modus Games para PC, PlayStation 4, Xbox One e Nintendo Switch, Ary and the Secret of Seasons é um jogo de ação/aventura em plataforma 3D que acompanha a jovem Aryelle em uma viagem pelo reino de Valdi, a fim de descobrir e acabar com uma ameaça desconhecida que está colapsando as estações em cada uma das quatro regiões existentes.

Apesar de ser razoavelmente promissor, não tive a oportunidade de finalizar a experiência, devido a um desagradável erro no sistema aparentemente causado por um bug que não contabilizava uma missão e impedia o progresso. Isso acontecia na segunda metade da campanha e embora eu tenha tentado realizar inúmeras ações para corrigi-lo, nada aconteceu. Sendo assim, esta análise foi produzida e embasada nas observações prévias da primeira metade do título.


O colapso das estações e a reunião dos guardiões

Com inspirações culturais do leste asiático, Ary and the Secret of Seasons é um jogo ambientado em um reino mágico chamado Valdi, que é dividido em quatro regiões de condições climáticas variadas, cada qual representada por uma das estações do ano: Yule/região do inverno, Lammastide/região do verão, Ostara/região da primavera e Samhain/região do outono. Existe também um ponto de interseção entre as regiões chamado de Cúpula das Estações, onde os guardiões prendem uma antiga ameaça que dizimou Valdi há alguns anos e se reúnem para discutir assuntos sobre o reino.

A protagonista do jogo, chamada de Aryelle ou Ary, é uma jovem com espírito aventureiro e filha do guardião do inverno que vive em Yule, mas está com depressão profunda desde que seu filho Flynn desapareceu. A principal cidade da região é muito charmosa e tem características refinadas de cultura artística, religiosa e intelectual. No início do jogo é possível explorar o pequeno vilarejo e falar com os habitantes, tanto que alguns deles lhe oferecem missões secundárias simples e pouco atrativas, mas que definem muito bem os traços heróicos de Ary.

No entanto, a calmaria do lugar dura pouco e após um evento catastrófico colapsar os climas das quatro regiões, uma reunião de emergência dos guardiões é convocada na Cúpula das Estações. Devido ao estado conturbado do pai, Ary assume a responsabilidade de representar a família. Mesmo sem a permissão da mãe, a garota corta seu cabelo, veste as roupas do irmão e acaba roubando o cristal do inverno que permite controlar esta estação durante sua jornada, seja congelando lagos ou criando plataformas para saltar.

Ary também adquire no decorrer da aventura outros três cristais que representam as demais estações (primavera, verão e outono) e que lhe permitem resolver uma série de novos desafios e quebra-cabeças.

O minimapa feito em pixel art mostra a localização da protagonista, de NPCs com missões e outras estruturas para interagir.
Esta é uma típica aventura onde uma menina finge ser um menino para provar que também pode fazer certas coisas, e embora esta ideia não seja um problema para a narrativa, é algo um tanto clichê, principalmente porque questões de representatividade já são comuns na indústria dos videogames.

Apesar disso, a história de Ary é um dos pontos mais atraentes e positivos de Secret of Seasons e isso é reforçado com belíssimas e imersivas cutscenes que foram desenvolvidas de maneira delicada. Perdi a conta de quantas vezes me encantei com as pequenas cenas animadas do jogo, e com certeza foram elas que me fizeram gostar ainda mais da personagem e da história, embora eu não pudesse terminá-la de maneira satisfatória por conta de erros, impasses de renderização e transições problemáticas.

Utilizando os poderes das estações para salvar Valdi

O principal objetivo do jogador em Ary and the Secret of Seasons é movimentar a protagonista por diversas áreas de Valdi para aprender novas habilidades, batalhar contra inimigos, resolver quebra-cabeças e superar diferentes desafios.

Para aprender novas técnicas que permitem resolver puzzles e desafios mais facilmente, você terá que explorar ruínas antigas para coletar itens que fornecem habilidades específicas. Por exemplo: a primeira habilidade disponível é o pulo duplo, adquirido depois de coletar um par de botas aladas em uma ruína de Yule; com ele, a personagem pode pular duas vezes para alcançar plataformas mais altas e afastadas.

Ainda assim, é possível comprar essa mesma bota por meio de moedas especiais que são coletadas em baús perdidos pelo mundo, tornando tudo muito mais fácil, mas não necessariamente interessante. Por fim, existe outra loja que vende aprimoramentos que melhoram status de vida, velocidade e outros atributos da personagem, o que pode ajudar muito no decorrer da aventura.

Lojas de acessórios e aprimoramentos estão disponíveis em todas as áreas e apresentam itens de customização e de habilidades.
Para auxiliá-lo em sua jornada também é possível utilizar os poderes das estações do ano para criar novos ambientes e resolver quebra-cabeças. Para ativá-los é necessário apertar um dos botões direcionais do lado esquerdo do DualShock 4 (caso esteja jogando no PlayStation 4) para que uma redoma colorida se forme de acordo com a estação escolhida, transformando tudo o que está ao seu redor; o poder do inverno, por exemplo, congela água e cria plataformas para saltar. Existem também alguns monólitos espalhados pelo mapa que dispersam estes poderes e ajudam na resolução de quebra-cabeças mais complexos.

No entanto, a primeira metade da campanha é arrastada e os desafios acabam sendo pouco desafiadores. Presumo que o jogo seja mais atraente na segunda metade, pois é a partir deste ponto que podemos utilizar todos os poderes para resolver novos puzzles, que começam a ter uma evolução significativa na dificuldade.

Você também terá que enfrentar uma série dos mesmos inimigos durante a aventura: hienas raivosas que lembram os goblins de The Legend of Zelda: Breath of the Wild (Wii U/Switch). Ary possui uma espada à disposição e pode desferir golpes, se esquivar e barrar ataques. Embora o combate seja divertido, ele é um tanto quanto repetitivo e acaba ficando enjoativo depois de um tempo pela frequência dos mesmos inimigos e pela repetição das mesmas estratégias.

Além disso, o comando L2 do PlayStation 4, que permite selecionar um inimigo específico para atacá-lo primeiro, é problemático quando aparecem vários inimigos de uma só vez, fazendo a seta ficar maluca na tela. É mais recomendado não usar esse comando na maioria das vezes e atacar aleatoriamente, apesar de que isso também possa ser meio frustrante.

Alguns combates são divertidos, mas ainda assim repetitivos e enjoativos.
No geral, Ary and the Secret of Seasons tem uma jogabilidade fluida e os puzzles aparentemente começam a ficar interessantes depois da primeira metade. No entanto, a minha experiência não foi muito agradável, devido a excessivos erros e problemas técnicos, o que resultou em algo cansativo e desmotivador. Mecanicamente falando, o título tem seus destaques de jogabilidade, mas quase não consegue prender o jogador em sua estrutura pouco atrativa.

Uma protagonista que literalmente tenta salvar o jogo

O espírito aventureiro e heróico de Ary nos conquista nos primeiros minutos do jogo e a sensação de amabilidade se mantém durante a campanha. A história da personagem é contada através de cenas animadas e diálogos divertidos que definem suas principais características, colocando-a como destaque e um dos pontos mais positivos do jogo.

Algumas cutscenes reforçam ainda mais a personalidade afável da protagonista.
Juntamente com uma trilha sonora bem definida que mescla elementos e sons de música heróica com de aventura, Ary and the Secret of Seasons é agradável aos ouvidos e desenvolve os traços da protagonista de maneira brilhante. Os efeitos sonoros também se destacam, principalmente quando a personagem está em combate ou quando tem uma única vida.

No entanto, nada é perfeito e a própria personagem, assim como a trilha sonora, logo é ofuscada pelos problemas técnicos irritantes. Você pode até se apaixonar pela nossa heroína, mas vai acabar esquecendo de sua personalidade agradável quando ela começa a ficar presa entre paredes ou acaba caindo do mapa.

Um mundo semi-aberto artisticamente belo, mas vazio e repetitivo

Ary and the Secret of Seasons possui um mundo aberto dividido em várias zonas que carregam separadamente. Ao longa da viagem com a protagonista o jogador encontrará cidades, vilas, missões secundárias, ruínas e alguns elementos muito interessantes, mas outros extremamente frustrantes.

Um dos maiores problemas da primeira metade da campanha - além dos impasses técnicos e dos desafios pouco atrativos - é o mundo semi-aberto enorme, vazio e repetitivo. Você vai percorrer alguns minutos andando em um mapa vago e sem vida, e se tiver sorte em encontrar inimigos ainda vai querer correr entre eles para fugir, pois é difícil justificar uma batalha sabendo que temos um amplo espaço para escapar à disposição e que os combates são cansativos. Eu, por exemplo, reiniciei o jogo duas vezes para tentar corrigir o erro que me impossibilitou de continuar e na segunda tentativa passei correndo pelos mapas e completei metade da campanha em menos de uma hora, sendo que na primeira vez levei quase cinco horas.

O mundo é visualmente bonito, mas enorme, vazio e repetitivo.
Além disso, estes locais enormes também apresentam NPCs que lhe oferecem missões secundárias e outras atividades, mas tudo isso acaba sendo tão desanimador quanto os combates pela falta de diversidade e inovação. A animação dos NPCs é tão frustrante que quebra toda a imersão do jogo e embora façam breves movimentos, ainda parece que você está conversando com uma estátua. As missões secundárias, por sua vez, podem parecer interessantes no começo, mas no decorrer da jornada se tornam repetitivas e a desistência é quase certa.

Para um jogo de plataforma semi-aberto, eu esperava ter dilemas nas telas de carregamento, mas Ary and the Secret of Seasons oferece uma execução razoável sem contratempos que prendem o jogador numa fila, e assim como a câmera, as telas fazem o seu trabalho de maneira expressiva.

Por mais que seus mundos sejam vagos de conteúdo, o jogo surpreende com um estilo artístico que remete muito aos títulos de plataforma 3D do PlayStation e PlayStation 2, mas muito mais bonito e colorido principalmente ao utilizar os poderes das estações. As redomas de inverno, verão, primavera e outono transformam paisagens que já eram lindas em novas áreas contemplativas, enquanto que a paleta de cores mistura tonalidades quentes e frias para agradar quem for jogar (se os problemas de renderização permitirem).

Quatro temporadas repletas de problemas

Os lisonjeados jogos de plataforma 3D já são popularmente conhecidos pelos consumidores por ter quase sempre os mesmos problemas: péssimas câmeras, lentas telas de carregamento, atrasos de renderização e/ou bugs irritantes. São poucos os casos que se safam e Ary and the Secret of Seasons faz o que pode, mas acaba se perdendo em meio a uma infinidade de impasses técnicos como erros que impedem ou afetam a jogabilidade.

O mais grave dos problemas que presenciei está logo no início da segunda metade da campanha, quando um erro no sistema fecha o jogo repentinamente e não dispõe de nenhuma alternativa para corrigi-lo. Aparentemente ele é causado pelas missões que, quando concluídas, não são contabilizadas, ocasionando um travamento.

O título também apresenta diversos problemas de renderização. No início do jogo, o mundo à minha frente desapareceu, o que me impossibilitou de continuar a aventura, mas com uma recente atualização disponibilizada isso foi corrigido, restando somente rios invisíveis, barcos e caixas flutuantes, entre outras maluquices para atazanar. Embora esses problemas não tenham me incomodado tanto em um determinado momento ao usar o poder do verão em uma área com neve e gelo, visualmente nada aconteceu, tornando tudo muito frustrante.

Os atrasos na renderização dos rios deixam os barcos voando pelo mapa.
Outro grande problema é o processo de salvamento. Ao iniciar o jogo pela primeira vez, automaticamente o primeiro slot disponível é preenchido e vai sendo atualizado com salvamentos automáticos conforme a narrativa é desenvolvida. No entanto, quando decidi criar um segundo slot para salvar outra partida, todo o progresso do slot 1 foi perdido e corrompido. Em algumas áreas, o salvamento automático também não funcionou adequadamente e quando morri em combate foi preciso refazer todas as missões anteriores.

Também fiquei preso entre cubos de gelo, fui levado por correntezas, caí para fora do mapa e experimentei uma variedade de outros bugs e problemas, cada um mais inédito e imprevisível que o outro. Secret of Seasons recebeu apenas uma atualização até a data de publicação desta análise, mas provavelmente será essencial alguns outros patches para corrigir tudo. No fim das contas, é uma pena que um título que tinha tanto potencial e até ganhou o prêmio de Melhor Jogo para a Família na edição de 2017 da Gamescom seja corrompido por tantos problemas.

Um problemático jogo de plataforma que requer atualizações

Ary and the Secret of Seasons apresenta uma mecânica inédita em que as características das estações do ano são utilizadas para revitalizar objetos e áreas e criar um divertido jogo de quebra-cabeças em plataforma 3D. Embora tenha seu charme, a experiência acaba sendo tão passageira e esquecível quanto as próprias estações do ano com quatro temporadas repletas de problemas técnicos como impasses de renderização, erros e travamentos, além de outros aspectos que tornam o título repetitivo, arrastado e quase nada desafiador.

Ainda que as futuras atualizações possam suavizar seus problemas, ele continuará sendo apenas um razoável título de plataforma que se perde em sua própria estrutura e identidade, contando uma história de amadurecimento relativamente interessante, mas de uma maneira completamente cansativa em um mundo extremamento vazio, tanto que isso pode acabar ofuscando até mesmo suas melhores qualidades, como uma protagonista, trilha sonora e estilo artístico excelentes.

Prós

  • História de aventura e amadurecimento com boas cutscenes, apesar dos breves problemas de transição;
  • Protagonista carismática, corajosa e com personalidade divertida;
  • Estilo artístico visualmente belo;
  • Puzzles e desafios que aparentemente ficam interessantes na segunda metade do jogo;
  • Trilha sonora excelente.

Contras

  • A animação dos NPCs quebra a imersão do jogo;
  • Mundo semi-aberto relativamente vazio, com atividades e missões secundárias pouco atrativas;
  • A primeira metade da campanha é arrastada e pouco desafiador;
  • Combates repetitivos e enjoativos;
  • O salvamento manual é problemático e pode corromper o primeiro slot criado;
  • Queda na taxa de quadros em momentos específicos do jogo;
  • Excesso de problemas de renderização;
  • Grave erro no sistema na segunda metade do jogo, que não permite ao jogador progredir até o fim.
Ary and the Secret of Seasons - PC/PS4/XBO/Switch - Nota: 4.0

Versão utilizada para análise: PS4
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Modus Games

é entusiasta e apreciador de jogos com conceito artístico minimalista e narrativas de significado profundo. Acredita na potencialidade de cada experiência interativa e tenta extrair delas sentimentos humanos e existenciais. No GameBlast também escreve notícias, análises e especiais; no tempo livre produz roteiros autorais de séries e filmes. Criatividade, imaginação e curiosidade são algumas de suas características marcantes.
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